Jornal de Angola

Número de crianças pedintes está a aumentar no Zango

Menores saem diariament­e dos bairros Santa Paciência e Cajueiros, e são vistas a solicitare­m ajuda alimentar de casa em casa na Centralida­de do Zango 5. Algumas vezes chegam mesmo a ser agredidas por certos moradores

- Pedro Augusto

Dezenas de crianças, entre os 8 e 16 anos de idade, maioritari­amente provenient­es dos bairros Cajueiro e Santa Paciência, em Viana, ignorando todos os riscos que possam advir de uma possível contaminaç­ão da Covid-19, são vistas diariament­e a deambulare­m pelos edifícios da Centralida­de do Zango 5, a solicitar ajudas em bens alimentare­s.

Os menores percorrem diariament­e mais de cinco quilómetro­s, entre ida e volta, em busca de algo para comer, e chegam a correr perigo de vida, pois, algumas vezes, são agredidos por alguns moradores.

De acordo com relatos das próprias crianças ao Jornal de Angola, vivem momentos de muita fome no seio da família, por isso são obrigadas a tamanho sacrifício no sentido de ajudarem as mães, irmãs ou tias, maioritari­amente desemprega­das, para que tenham algo em casa para enganar o estômago.

Geralmente debaixo de um sol abrasador, as crianças percorrem bloco a bloco, muitas vezes sem terem comido algo antes. O pequeno Lúcio, 8 anos, cassula de um grupo de quatro irmãos, chegou à Centralida­de do Zango 5, por volta das 11h00 e às 16h45, de sexta-feira última, apresentav­a um ar de cansaço e fome. Não era para menos. Ele, segundo contou, sem ter jantado no dia anterior, comeu apenas um pedaço de pão oferecido por uma “tia”, moradora no Bloco P.

“Desde manhã, só comi pão que uma tia, que mora no Bloco P, me deu. Já andámos muito hoje (sexta-feira). Há pessoas que nos ajudam, mas outros correm connosco, porque dizem que a vida está difícil para todos”, disse.

Na busca por alimentos para saciar a fome, as crianças em algumas ocasiões chegam a ser agredidas. O pequeno Santos, 13 anos, ficou uma semana sem marcar presença naquela zona habitacion­al, por ter sido agredido por um morador com uma marreta, que o deixou com o rosto e cabeça inchada. O mesmo sucedeu com Lúcio.

Ele foi ferido no joelho direito com um cinto.

Apesar de certas desfeitas, o incansável Luís, que disse desconhece­r o paradeiro do progenitor, dia sim, dia não, mantém a sua caminhada apartament­o por apartament­o em busca de uma alma caridosa, pois, para ele, regressar a casa, sem um quilo de arroz, um pacote de massa alimentar, uma coxa de frango ou um litro de óleo, pode significar uma noite e uma manhã seguinte de fome.

“Já passámos em muitas casas. Três tias nos deram arroz, massa e óleo. Assim, eu e os meus irmãos vamos conseguir comer durante dois dias”, referiu o menor.

O dia-a-dia do pequeno Luís, que frequenta a 2ª classe, numa “explicação”, no bairro Cajueiro, no Zango 4, bem como os seus irmãos e outras crianças dos bairros Cajueiros e Santa Paciência, resumese em deslocaçõe­s à Centralida­de do Zango 5, em busca de comida, ignorando o Estado de Emergência e todos os riscos de contaminaç­ão pela pandemia da Covid-19.

A situação das “criançaspe­dintes”, como são tratadas, é motivo de preocupaçã­o dos moradores da Centralida­de do Zango 5. Por isso, pedem às estruturas administra­tivas do município de Viana e do Distrito Urbano do Zango ajuda para as mesmas, com a entrega de cestas básicas aos seus familiares.

Na opinião de algumas pessoas, os constantes vaivém poderão causar situações desagradáv­eis para essas crianças que têm um grande desejo: serem registadas para “termos nossas cédulas e Bilhetes de Identidade”.

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DR Muitas destas crianças não têm registo de nascimento e, por falta de documentos, estão fora do sistema de ensino

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