Aprender com a Covid-19
De tempos em tempos, o mundo é assolado por pandemias que, depois de neutralizadas, deixam um rasto de milhares ou até mesmo de milhões e milhões de mortes. No início, com poucos conhecimentos científicos, o homem olhava para esses fenómenos como uma maldição de Deus. A Bíblia, um dos livros mais antigos, já predizia esses acontecimentos na sua perspectiva, o que levou a Igreja, em determinadas épocas, ao conformismo e até mesmo a recusar os avanços científicos para o combate às enfermidades.
Na história das pandemias, mais de vinte episódios já abalaram o mundo. A peste Antonina, entre o ano 165 e 180, terá causado cinco milhões de mortos. A praga de Justiniano, que ocorreu do ano 541 a 750, deixou um saldo de 30 a 50 milhões de pessoas mortas. A pandemia da varíola japonesa, entre o ano 735 e 737, levou um milhão de almas. A peste bubónica, entre 1343 e 1353, ceifou a vida de 200 milhões de pessoas. Em 1520, a varíola fez 56 milhões de mortes. A peste italiana (1629 a 1631) provocou um milhão de óbitos. A chamada grande peste de Londres matou, em 1665, cem mil pessoas. A febre amarela, estima-se, terá matado entre 100 a 150 mil pessoas, em 1800.
O surto de cólera, que abalou o mundo entre 1817 e 1823, causou um milhão de mortes. A terceira pandemia de peste de 1885 tirou do mundo 12 milhões de pessoas. A gripe espanhola (1918 a 1919) levou entre 50 a 100 milhões de vidas humanas. A gripe russa, que surgiu em 1889 e se prolongou por vários anos, é apontada como tendo sido a causa da morte de um milhão de pessoas. A gripe asiática terá feito, entre 1957 e 1958, 1.1 milhão de mortes. A gripe de Hong Kong provocou, de 1968 a 1970, um milhão de mortes. A pandemia do HIV-Sida, que teve início em 1981 e perdura até aos dias de hoje, já ceifou a vida de entre 25 a 35 milhões de pessoas. De 2002 a 2003, a SARS (síndrome respiratória aguda grave) fez 774 mortes, a MERS (síndrome respiratória do Médio Oriente), 850 óbitos, de 2015 até hoje, e a gripe A, 200 mil, entre 2009 e 2010.
Nesta lista, é preciso não esquecer a ébola, com 11.300 vítimas mortais, entre 2014 e 2016, e o surto de marburg, surgido em 1967, pela primeira vez, e que terá causado mais de 190 mortes. A Covid19, com mais de três milhões de pessoas infectadas, mais de 200 territórios afectados e o seu cortejo de mortes de mais de 220 mil, é a pandemia que está actualmente a tirar o sono aos Governos. Desde que o mundo é mundo, a humanidade sempre se viu confrontada com várias doenças, umas mais graves que outras, que levaram à tomada de consciência sobre a necessidade de os países, os Estados, as organizações de vária índole unirem esforços no combate a essas enfermidades.
Foi esse o espírito que esteve na génese da fundação, a 7 de Abril de 1948, da Organização Mundial da Saúde (OMS), como agência especializada em saúde subordinada à Organização das Nações Unidas. De acordo com a sua constituição, a OMS tem como objectivo desenvolver, ao máximo possível, o nível de saúde de todos os povos, sendo a saúde definida como um “estado completo de bemestar físico, mental e social e não consistindo somente na ausência de uma doença ou enfermidade”.
O que o mundo espera, diante da actual pandemia, é que os países e as organizações ponham as ideologias e as contradições de parte e empenhem todo o seu esforço para um combate bem sucedido contra a enfermidade. Os líderes mundiais e organizações que participaram, há uma semana, na videoconferência organizada pela OMS para lançar uma plataforma para acelerar a obtenção de uma vacina, fizeram jus à matriz identitária da Organização Mundial da Saúde.
A pandemia da Covid-19 talvez nos esteja a ensinar (ou a fazernos recordar?), a todos e de forma indistinta, que o mundo tem de passar a olhar para esses acontecimentos de forma muito diferente. Que deve haver uma evolução do pensamento humano na forma de encarar o combate a essas enfermidades. E isso passa por haver mais proactividade, engajamento mais efectivo, accionando todos os mecanismos de cooperação, tomando as medidas que se impuserem, independentemente da sua gravidade, para debelar o mal na sua origem e não deixar que ele se propague pelo mundo inteiro.
Pode parecer radical, mas fechar as fronteiras pode passar a ser uma primeira medida mais do que acertada, para que os países possam fazer face ao perigo iminente de entrada de casos positivos. O facto de o surto ter tido origem na China - como podia, aliás, ter sido noutro território -, não nos deve levar a pensar e agir como se fosse um problema apenas desse país. A displicência com que muitos países encararam a situação tem a ver com razões de ordem político-ideológica, que se sobrepuseram a uma análise científica do grau de ameaça que o novo coronavírus representa e das medidas sanitárias que requeria que fossem e requer que sejam implementadas.
O que surpreende (ou nem tanto) é o facto de alguns estadistas terem e continuarem a encarar o caso na perspectiva da teoria malthusiana, bem a modo da personagem Odorico Paraguaçu, da novela “O bem amado”, magistralmente interpretada por Paulo Gracindo.