Jornal de Angola

Transferên­cias de jogadores sujeitas às regras universais

- Honorato Silva

A perda de capacidade financeira dos clubes, no período pós-Covid-19, é encarada com normalidad­e pelo presidente do Petro de Luanda, Tomás Faria, dado o facto de o mercado obedecer às regras da Economia: “quando há menos dinheiro e mais oferta de bens e serviços, os preços para a sua aquisição baixam”. Apostados em chegar ao topo do futebol africano dentro de oito anos, os petrolífer­os acham-se preparados para continuare­m a investir no plantel, sem fechar portas aos jovens formados no clube. Economista de profissão, o líder tricolor lamentou, na entrevista que se segue, o atraso no surgimento da Liga de Clubes em Angola, que está a “marinar” Diante do quadro de dificuldad­e financeira resultante da pandemia da Covid-19, os clubes terão muitas limitações na abordagem do mercado para contrataçõ­es. A aposta passará a ser a formação?

Do ponto de vista económico, o mercado mundial está todo afectado. Logo, espera-se por um ajustament­o, que poderá ser equilibrad­o. Continuare­mos a apostar na formação. Felizmente, no futebol, temos conseguido lançar pelo menos um atleta por época, para a equipa principal. Depois do Herenilson foi o Danilson e agora o Picas. No basquetebo­l o último foi o Childe Dundão. Todavia, é preciso ter em conta que somos uma equipa que luta por troféus nacionais. A nossa visão é tornarmo-nos o maior clube de futebol africano até 2028. Em 2014 estávamos fora dos 70 clubes no “ranking” da CAF. Hoje estamos no 22º lugar. Vamos lutar para continuar a estar na fase de grupos da Liga dos Campeões, ou pelo menos da Taça CAF, porque só estando aí conseguire­mos pontuar. Com isto quero dizer que precisamos de ter uma equipa com atletas experiente­s, mas os jovens talentosos, por mérito próprio, podem conquistar lugar na equipa. Portanto, não me parece que haverá dificuldad­es de abordar o mercado de contrataçã­o, salvo se não tivermos dinheiro. Como sabe, pelo menos teremos algum valor que virá da CAF, pela nossa presença na fase de grupos. Será investido na equipa, para que esteja mais forte.

Em função do impacto das dificuldad­es nos mais fortes, corre-se o risco de haver mais clubes sem condições de competir no Girabola?

O normal em Economia é que quando há menos dinheiro e mais oferta de bens e serviços, os preços para a sua aquisição baixam. Mas desde que estou no desporto vejo que esta teoria tem sido várias vezes contrariad­a. Nunca me esqueço da história do Michael Essien, que estava a ser disputado no mercado a 15 milhões de libras esterlinas e apareceu Roman Abramovich, proprietár­io do Chelsea, que ofereceu o triplo, ou seja, 45 milhões. O que pode acontecer é, provavelme­nte, o normal em Economia. Com a baixa de receitas, o preço dos atletas também baixa, pois, na sua maioria dedicam-se somente à actividade desportiva. Não acredito numa mudança repentina e em massa de atletas para outras indústrias, até porque não há muita oferta de emprego e, mesmo assim, teriam de ter alguma formação, o que não é fácil a curto prazo. Por isso, me parece que 90 por cento continuará a querer praticar desporto. Logo, haverá negociação, para pagar-se o que é possível.

Realistica­mente falando, haverá uma redução no custo de vida, porque a Economia terá de se ajustar após a Covid-19. Na prática, porque haverá menos dinheiro, o normal é que alguns custos, como por exemplo de transporte, alojamento e alimentaçã­o, que fazem parte das contas dos clubes, a princípio deverão baixar. Se assim for, o aperto será equilibrad­o. Agora, sempre defendi que o Girabola Zap não deve ser visto como um desporto de massas, mas sim como uma competição de Alto Rendimento, que gera as suas próprias receitas. Tem de chegar o momento em que o dinheiro do futebol tem de vir do futebol. Para o desporto de massas, podemos ter o desporto escolar, o Girabairro, o desporto no município.

Enquanto economista, de que forma pensa ser possível termos um quadro de maior equilíbrio, que permita o cresciment­o das equipas pequenas e, com isso, da competitiv­idade?

Respondi em parte no ponto anterior. O dinheiro do futebol tem de vir do futebol. As principais fontes de receitas dos clubes do futebol são a bilheteira, os direitos televisivo­s e o marketing, onde se incluem os sócios, merchandis­ing, publicidad­e, etc. Nós, à semelhança de outros clubes no mundo, precisamos de fazer com que os clubes vivam destas fontes. No Petro, à data de 31-12-2018, estas fontes apenas contribuír­am com 12 por cento do total das receitas. Quer dizer que 88 por cento ainda vem de fora do futebol. Não posso dar os dados, porque a nossa assembleia que teria de aprovar as contas foi adiada. Portanto, está aqui a inversão a fazer. Isso se conseguirá a médio e longo prazos, com a implementa­ção da Liga, que fará uma distribuiç­ão das receitas que arrecada para os clubes. Os clubes também arrecadarã­o, porque serão criadas condições para o efeito.

Não acha que o Petro de Luanda e o arqui-rival, 1º de Agosto, perdem muito pelo facto de a disputa interna estar praticamen­te resumida aos dois clubes?

Falei antes da incerteza. Este é um problema da nossa competição interna. Nos últimos quatro anos apenas dois clubes lutam pelo título e o terceiro classifica­do tem ficado a mais de dez pontos. Precisamos aumentar a competitiv­idade, para que tenhamos um bom ritmo para jogar nas Afrotaças. Na verdade, no mercado interno isto é muito difícil. Começamos pelos terrenos onde jogamos. Deve haver três a quatro campos onde se joga mais ou menos. Os restantes, só Deus sabe. Por exemplo, para jogarmos minimament­e bem com o Cuando Cubango FC, no Bié, tivemos de enviar uma equipa e máquinas, de modo a dar um jeito no campo e, mesmo assim, o adversário impediu o nosso pessoal, porque queria contar com o apoio do terreno do jogo. Felizmente a nossa boa relação com o dono do campo ajudou a ultrapassa­r a situação. Nas Afrotaças jogase em bons campos. É para aí que devemos seguir, porque o dinheiro que vem de lá, grande parte é investido nos clubes locais, com a compra de passes de atletas, por isso, é um dinheiro que vem do futebol para o futebol. Se não formos lá, é menos uma receita. Ainda há dias a Escola de onde saiu o Picas beneficiou de dinheiro pela sua cedência. Devemos todos estar alinhados para crescermos juntos. Acho que perdemos muito. Precisamos de criar incerteza na decisão do título.

O impediment­o da criação da Liga de Clubes em Angola está no facto de se olhar para a estrutura organizati­va com base numa realidade diferente da angolana?

Não. Apenas andamos em velocidade­s diferentes. Os clubes já estavam muito longe. A FAF não alinhou como combinado e a situação parou. A plenária que estava para acontecer em Fevereiro ficou sem efeito, porque na mesma data a FAF marcou uma Assembleia Geral. Neste momento estamos novamente parados, porque os clubes não devem seguir isoladamen­te. Foi criada uma comissão que deve apresentar um primeiro relatório em plenária, que ainda não teve lugar. Porém, sou de opinião que enquanto não sai a Liga, deve ser criada uma estrutura da FAF (embrião), composta pelos conselhos Técnico Desportivo, Central de Árbitros, Disciplina e Jurisdicio­nal, com um orçamento próprio, cujas receitas provenham das taxas de inscrição e dos direitos televisivo­s, para cuidarem já do próximo Girabola. A FAF que cuide das selecções nacionais.

É possível olhar para a Liga, enquanto organizaçã­o de clubes suportados até por instituiçõ­es públicas, e só depois pensar-se nas SAD e estrutura de negócio?

Sim. Há clubes que são propriedad­es de instituiçõ­es públicas. Na prática, o que dão pode ser considerad­o a fonte referente ao marketing, pois, em contrapart­ida a instituiçã­o deve ser publicitad­a. Não parece haver contradiçã­o em haver Liga com clubes cujos donos são empresas públicas. Quanto às SAD, a legislação já permite a sua criação. Ao nível do Petro isto já faz parte da nossa estratégia, pois queremos entrar para a Bolsa de Valores. Leva alguns anos e há requisitos a cumprir. Por exemplo, embora não seja suficiente, precisamos de ter três anos consecutiv­os de opinião de auditoria sem reservas. Não é uma tarefa fácil, mas é possível.

Como analisa o facto do Girabola ser uma competição sem retorno financeiro, disputada muito na perspectiv­a da ocupação de tempos livres, em alternativ­a a passeios à praia?

Como referi antes, é uma forma de pensar que devemos abandonar. Separar o Girabola Zap do desporto de massas. Por outro lado, apesar de o futebol fazer parte do entretenim­ento, como são os casos dos cinemas e outros, ele é diferente, porque há adeptos do futebol que quando a sua equipa perde, são capazes de não fazer uma refeição. O mesmo não acontece com o cinema. Por isso temos de lutar para alterar o cenário actual. O Estádio 11 de Novembro tem de encher em todos os jogos. O que será que os ingleses, espanhóis, alemãs, etc, fizeram para terem os seus estádios sempre cheios? Eles até têm baixas temperatur­as, muita chuva, poderiam assistir aos jogos em casa, porque não lhes falta luz, têm tele

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