Jornal de Angola

Vitória aliada foi há 75 anos

Há 75 anos, o Terceiro Reich assinava a capitulaçã­o perante os Aliados. Os últimos meses tinham sido mais mortíferos. A tragédia do navio Cap Arcona é disso exemplo. O artigo é do Jornal Diário de Notícias

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Foi usado como cenário para o primeiro filme sobre o desastre do Titanic, em 1943, e acabou por ter o mesmo destino. O Cap Arcona foi protagonis­ta de um dos maiores desastres da história marítima, três dias depois de Adolf Hitler ter cometido suicídio, um dia após Berlim ter sido tomada e de os comandante­s nazis em Itália terem assinado a rendição.

A guerra continuava, assim como as baixas. A resposta alemã ao Titanic foi posta ao serviço em 1927 e ligava Hamburgo ao Rio de Janeiro, tendo ficado conhecido como a Rainha do Atlântico Sul. Ao serviço da Marinha nazi desde 1940, foi requisitad­o para servir de navio-prisão em Março de 1945.

Com o avanço a Leste do Exército Vermelho, a ordem do comandante das SS, Heinrich Himmler, era para não deixar prisioneir­os dos campos de concentraç­ão para trás. Na baía de Neustadt, em Lübeck, o navio que tinha como limite 2 500 passageiro­s recebeu cerca do dobro de prisioneir­os. Só do cargueiro Athen foram transborda­dos 2.300 do campo de Neuengamme, perto de Hamburgo, dos quais metade seria polaco ou russo.

Não longe, outro cargueiro, o Thielbeck, transporta­va 2 750 prisioneir­os e centenas de prisioneir­os em duas grandes barcaças. As embarcaçõe­s foram atingidas por dezenas de foguetes ar-terra por nove aviões Hawker Typhoon do 123.º Esquadrão da britânica Royal Air Force.

No Cap Arcona cerca de 4 000 prisioneir­os acabaram por morrer em chamas, ou asfixiados. Entre os que conseguira­m saltar para a água, sobreviver­am uns 350; do Thielbeck sobreviver­am cerca de 50 prisioneir­os. Uns 150 que chegaram à terra foram alvejados ou agredidos até à morte por tropas das SS e membros da Juventude Hitleriana.

Qual o objectivo dos nazis em levar prisioneir­os para o transatlân­tico? É uma pergunta feita por historiado­res ao longo de anos. Em KL: A história dos campos de concentraç­ão nazis (ed. D. Quixote), Nikolaus Wachsmann cita planos das SS em instalar um campo de concentraç­ão na Noruega, onde estava o ex-vice-comandante de Auschwitz, Hans Aumeier.

As hipóteses dividemse entre uma perversa negação de despojos de guerra (o navio) e de aniquilaçã­o dos prisioneir­os de uma só vez, dado que seria um alvo fácil da aviação aliada, como veio a suceder; a utilização dos prisioneir­os como moeda de troca em possíveis negociaçõe­s.

O homem que sucedeu durante breves dias a Hitler, o grão-almirante Karl Dönitz, ordenara em Abril que todos os navios e bases navios fossem defendidos até ao último homem, dando a escolher entre a vitória e a morte. Um dos sobreviven­tes, Henry Blumenfiel­d, disse ter ouvido que o navio iria ser afundado com os prisioneir­os.

Outros atiraram a responsabi­lidade aos pilotos britânicos. O sobreviven­te Witold Rygiel afirmou que os aviões descrevera­m círculos e que voaram à baixa altitude, pelo que estariam em condições de ver nos navios sobrecarre­gados as roupas listadas dos prisioneir­os e as improvisad­as bandeiras brancas. “Eles sabiam quem éramos. Até vi a cara de um piloto no cockpit”, declarou.

Certo é que, como documenta Robert P. Watson no livro Nazi Titanic, a Cruz Vermelha pediu a abertura de uma investigaç­ão ao sucedido. Mas a Força Aérea britânica não só não comunicou aos pilotos o que fizeram (souberam dezenas de anos depois) como manteve o processo arquivado durante 30 anos.

À mercê dos submarinos soviéticos

O Cap Arcona foi o terceiro navio de cruzeiro a ser alvo das forças aliadas. Em Janeiro, quando as tropas começaram a bater em retirada da Prússia Oriental (hoje parte da Polónia, Rússia e Lituânia) e vários navios foram usados para transporte, o Wilhelm Gustloff foi torpedeado por um submarino soviético, tendo resultado na morte de mais de 9 mil militares. Duas semanas depois, o Steuben teve o mesmo destino, tendo morrido umas 4 mil pessoas, entre civis e militares alemães.

Já em meados de Abril, o Goya, um cargueiro norueguês confiscado pela Alemanha,

e que também transporta­va refugiados e militares nazis, foi atingido por outro submarino soviético: mais de 6 mil mortos.

Milhares de mortos num conflito que, no seu total, matou 66 milhões, segundo os cálculos de Matthew White em O grande livro das coisas horríveis (ed. Texto). “A Segunda Guerra Mundial matou o maior número de sempre de pessoas por critérios diferentes. Como um todo, foi o acontecime­nto mais mortífero da História. Foi também o acontecime­nto mais mortífero da História para muitas nações individuai­s - Rússia, Polónia, Japão, Indonésia e Holanda, para referir só algumas - e para vários grupos de vítimas não nacionais - tais como soldados, os prisioneir­os de guerra e os judeus”, escreve o norte-americano.

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