“Temos de deixar de enviar amostras para laboratórios de outros países”
A vida militar, onde andou durante 35 anos, já o encontrou como professor universitário. Formado na Universidade Agostinho Neto, especializou-se em Inglaterra, terminou o mestrado na Alemanha e prepara-se para concluir o doutoramento em Saúde Pública. Só
Que balanço faz do Estado de Emergência e do número de infectados de Covid-19 em Angola?
Nós temos de analisar esta situação no quadro das preocupações da própria Organização Mundial de Saúde (OMS) e não só. Vários peritos internacionais em saúde pública e investigação científica prognosticaram para África uma situação de catástrofe. Eles tinham as suas razões. Porque em África temos os sistemas de saúde mais débeis e temos condições de vida que também não são as melhores. Principalmente nas grandes cidades, onde se concentram enormes aglomerações de pessoas (nos ditos bairros suburbanos, periféricos e nos musseques), onde não existe uma urbanização conveniente, onde não existem sistemas de saneamento, de distribuição de água, onde existem muitos mercados informais e, portanto, onde o índice de pobreza é muito elevado. Também a iliteracia e a deficiência de educação são muito grandes. Todos esses especialistas previram que em África, com o alto nível de infecciosidade que o vírus apresenta, seria o caos. Continuamos ainda a sentir uma grande preocupação com África.
Qual é a razão para termos em Angola, até ao momento, poucos casos confirmados de Covid-19, quando comparados com outros países, alguns deles com mais recursos e melhores sistemas de saúde?
Relativamente ao nosso caso e ao número de infectados que registamos, penso que resultam da intervenção em tempo oportuno - encerramento de escolas, aeroportos, confinamento social, distanciamento social, estado de emergência, toda a advocacia que tem sido feita sobre a doença. As medidas permitiram que a previsão catastrófica não tenha sido concretizada. Temos um número reduzido de casos confirmados porque tomamos medidas atempadas. É para isso que existem os sistemas de vigilância epidemiológica. Com a informação correcta e no tempo certo, o decisor tem de transformar isto em acções concretas. Isto permite-nos estar mais ou menos equilibrados e não ter aquele quadro catastrófico que é importante evitar. Porque nós já temos muitas doenças infecciosas que precisam dos serviços de saúde. Não é recomendável juntar a Covid-19 a este quadro endémico.
Mesmo na região Austral, apesar do número de casos continuar a subir, registamos uma baixa incidência. Na época seca e mais fria, que está a começar, devemos esperar por um maior número de casos positivos? É preciso analisar vários prismas. Em primeiro lugar, até à data os vários estudos publicados não demonstram claramente que as temperaturas mais elevadas geram uma diminuição de pessoas infectadas. Porque esses estudos demonstram que, mesmo que o vírus seja afectado pelos raios ultravioleta emitidos pelo sol, a humidade facilita a sua propagação. Nós estamos a ver os países da África do Norte, por exemplo, onde as temperaturas são altas e apresentam um elevado número de casos positivos. Não há ainda uma informação precisa de investigação científica. Mas é verdade que há uma relação entre as temperaturas mais baixas e o surgimento de doenças respiratórias. Isto acontece em todo o mundo e em toda a parte. Daí a nossa preocupação em tentar atenuar a pandemia nesta fase, para que não se expresse na estação mais fria, que começa daqui a poucos dias.
A ligação entre o clima mais frio e as doenças respiratórias é de senso comum. Quase todas as pessoas percebem isto.
Exacto, toda a gente sabe.
Mas a influência do clima e da temperatura em relação ao novo coronavírus ainda precisa de mais investigação científica. Há muita discussão sobre o tema. Por exemplo, os dados que existem dizem que o vírus não resiste a temperaturas superiores a 37 graus. Por isso, as medidas de contenção, tomadas em tempo oportuno, têm um impacto maior no combate ao vírus do que o clima. A Namíbia também tomou medidas rapidamente, apesar de ser uma população reduzida (cerca de 2 milhões de habitantes). Mas há outros prismas que devem ser analisados.
Quais?
A capacidade que os países têm para lidar com os casos positivos. Aqui entram outros factores: que procedimentos estão a utilizar no tratamento dos doentes? As diferenças de tratamento variam de país para país, por exemplo, a Alemanha tem uma taxa de recuperação fenomenal dos pacientes infectados. Por ironia, tem uma grande relação com a África do Sul, que também apresenta uma taxa de recuperação fenomenal. Qual é o protocolo que eles estão a adoptar para cuidar dos doentes? Muitos países isolam-se e não partilham este tipo de informação. Sabemos que há um conjunto de medicamentos mais adequados, como a polémica cloroquina ou os retrovirais.
Mas sem pormenores sobre os procedimentos ou protocolos de tratamento...
Qual é de facto o protocolo que está a ser utilizado na Alemanha e na África do Sul? Não sabemos. O que podemos afirmar é que as taxas de recuperação naqueles dois países são espantosas. Quase 70 por cento dos casos positivos estão recuperados. A troca de informações sobre os protocolos que eles utilizam seria muito importante.
Pelo que sabemos até ao momento, não havendo vacina nem tratamento adequado, a testagem é fundamental para identificar os locais com maior incidência de casos e isolar os doentes. Se fizéssemos mais testes, encontraríamos mais casos positivos?
A testagem é importante, principalmente para países que têm poucos recursos laboratoriais de alto nível, onde são produzidos os testes mais complexos. Tendo esta limitação, é necessário encontrar outros
“Em primeiro lugar, até à data os vários estudos publicados não demonstram claramente que as temperaturas mais elevadas geram uma diminuição de pessoas infectadas. Porque esses estudos demonstram que, mesmo que o vírus seja afectado pelos raios ultravioleta emitidos pelo sol, a humidade facilita a sua propagação. Nós estamos a ver os países da África do Norte, por exemplo, onde as temperaturas são altas e apresentam um elevado número de casos positivos. Não há ainda uma informação precisa de investigação científica. Mas é verdade que há uma relação entre as temperaturas mais baixas e o surgimento de doenças respiratórias”
procedimentos de testagem. Os testes servem para identificar os casos positivos, tratá-los e isolá-los, para que seja possível conter a epidemia. Os chineses fizeram algo que só uma potência em termos económicos e de saúde pode implementar: eles efectuam exames caríssimos, a chamada tomografia computadorizada. Instalaram os equipamentos em camiões e foram à procura de quem contactou com pessoas infectadas. Eles produzem o referido exame no próprio local. Isto é impensável, mas os chineses chegaram a este ponto, têm laboratórios de alto nível em todos os cantos do país. Até em centros e postos de saúde. É outra realidade. A China não implementou os testes rápidos.
Em Angola, qual é a melhor estratégia para alargar a testagem da população?
Com menos possibilidades financeiras e menos desenvolvimento, podemos instalar novos laboratórios de alto nível. Neste momento, estão a funcionar ou em vias disso mais três instalações fora de Luanda. Mas, para a nossa realidade, impõe-se o uso de testes mais expeditos. E que até possam ser utilizados pelos profissionais que não exercem nos laboratórios de alto nível. Se testarmos uma boa parte da população, podemos ter a dimensão real ou uma fotografia mais aproximada da magnitude da doença. Sobretudo se tivermos em conta a nossa realidade: mesmo em confinamento, as pessoas têm de andar na rua, de procurar os mercados informais, por causa do elevado nível de pobreza.
Tem sido uma das maiores dificuldades no combate à pandemia no país: a maioria das famílias depende do mercado informal, do pequeno negócio de rua, por isso não tem possibilidade de se manter em casa. Qual a melhor forma de enquadrar estas pessoas e como devemos preparar a reabertura da economia? Quais são as medidas mais adequadas? É uma situação muito difícil. Não podemos proibir essas pessoas de desenvolverem a actividade informal, que é de subsistência. De maneira nenhuma. A condição que se põe aqui é mesmo a testagem, precisamos de testar o máximo possível para separar os doentes e tratálos. Alguns países africanos, como o Senegal, não adoptaram o Estado de Emergência. Esta rede de actividades económicas informais é quase impossível de controlar. Podemos minimizar o quadro, com educação, comunicação abundante, informação, distribuição e massificação do uso da máscara, do álcool gel, do sabão, até haver financiamento para cada um sair à rua com o seu frasco para limpar as mãos e a sua máscara pessoal. Mas parar estes movimentos não é uma possibilidade.