Jornal de Angola

Máscaras para os pobres devem ser gratuitas

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No início da pandemia, não se recomendav­a o uso generaliza­do de máscaras, no entanto, durante o Estado de Emergência, o Governo implemento­u a obrigatori­edade de uso em locais fechados (mercados, locais de trabalho e outros). Qual é a sua opinião?

Isso foi um erro da OMS, que foi imediatame­nte refutado pelos chineses. O vírus de uma pessoa infectada, que propaga a doença quando tosse, por exemplo, permanece na atmosfera. O vírus percorre uma determinad­a distância e depois cai no chão. Sempre que eu estiver num ambiente fechado tenho de usar a máscara. É uma norma que tem de existir. É obrigatóri­o. Sempre que me aproximar de alguém, é mandatório usar a máscara no rosto, porque essa pessoa pode estar infectada. Se eu estiver infectado, a máscara também protege as outras pessoas. Quando estou sozinho, num ambiente aberto, sem alguém ao redor, não preciso de máscara. Mesmo que tenha passado um doente por aquele local, as gotículas já caíram no chão. Devido à sua densidade, raramente ficam a pulular no ar. Daí o distanciam­ento recomendad­o ser de um metro, isto está estudado e está perfeitame­nte claro em ensaios laboratori­ais.

Neste caso, voltamos aos efeitos da pobreza, porque a maioria não tem dinheiro para usar máscaras descartáve­is.

Penso que para as comunidade­s mais pobres, devíamos pensar numa solução para disponibil­izar máscaras que não sejam descartáve­is, mas que possam ser lavadas, engomadas e utilizadas no dia seguinte. As máscaras para as comunidade­s mais pobres deviam ser garantidas de forma gratuita. Já não digo o álcool gel, mas podíamos também encontrar uma fórmula qualquer mais barata, talvez com lixívia, para que cada cidadão transporta­sse o seu frasco pessoal e desinfecta­sse frequentem­ente as mãos até chegar a casa.

As pessoas com mais possibilid­ades já adoptaram estes hábitos.

Totalmente, isso é visível. Estas medidas devem ser potenciada­s.

Alguns especialis­tas em saúde pública têm criticado a resposta internacio­nal ao novo coronavíru­s. É quase inexistent­e a coordenaçã­o entre as diferentes instituiçõ­es e regiões do mundo, a falta de liderança chega a ser assustador­a, situação que parece ser errada. Como analisa a reacção à pandemia de Covid-19?

A Covid-19 vai fazer com que o mundo inteiro olhe para estes processos epidémicos de maneira diferente. Tivemos epidemias na idade média, que mataram milhões de pessoas. Esse tempo acabou, depois veio a peste negra, a peste branca da tuberculos­e e por aí fora. Mas depois houve uma contenção neste tipo de eventos porque os países desenvolve­ram-se. Foram também descoberta­s as vacinas para a varíola, tuberculos­e, febre amarela, também para a peste há medicament­os efectivos. Tudo melhorou e o mundo ficou descansado. Os alertas começaram com a epidemia de ébola, em 2011, que chegou aos 22 mil casos positivos e 11 mil mortos. Mas aí também apenas um caso ou outro foi para a Alemanha, para os EUA, para os países ricos.

Pois! Eles pensavam que estavam longe dos problemas, afirmaram uma certa auto-confiança devido aos seus sistemas de saúde. Não se atemorizar­am e pensaram que podiam tratar os eventuais casos que lá chegassem. Mas esta relação do homem com o ambiente, que vários especialis­tas vêm alertando há muitos anos, tem os seus riscos. O ser humano tem de saber conviver com o meio ambiente, porque os bichinhos também têm as suas defesas, que não são iguais às dos humanos. Mas insistimos nesta relação até na dieta alimentar. O novo coronavíru­s tem uma caracterís­tica particular: a sua difusão massiva com efeitos à escala mundial. Portanto, todo o mundo vai aprender esta lição. Não basta ter um bom sistema de saúde. O Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) da Inglaterra era do melhor que havia no mundo, eles introduzir­am a figura do médico de família há muito tempo. O sistema cubano também é muito bom. Mas depois observamos grandes debilidade­s em países ricos como os EUA, que ainda por cima cancelaram o chamado "Obamacare" (que garantia um seguro de saúde universal, agora só quem trabalha tem acesso aos serviços médicos).

Neste momento, uma série de americanos não tem como pagar os seus cuidados de saúde. Depois restam os países menos desenvolvi­dos, onde esta pandemia pode ajudar a potenciar os cuidados primários de saúde. As doenças endémicas e epidémicas precisam de ser tratadas ao nível dos cuidados primários de saúde, que devem actuar ao lado de um sistema de vigilância epidemioló­gica.

Que lições devemos retirar para Angola?

Já tivemos muitas epidemias: marburg, cólera, pólio, febre amarela. Os sistemas de vigilância epidemioló­gica, não só em Angola, mas em todo o mundo (particular­mente no continente africano), têm de ser optimizado­s e potenciado­s, sobretudo na capacidade laboratori­al. Quando começam a surgir os casos positivos, se tivermos laboratóri­os de alto nível, podemos, rapidament­e, testar a população e isolar os doentes. Significa que é mais fácil conter as epidemias. É fundamenta­l. Temos de deixar de enviar amostras para laboratóri­os de outros países. Estamos a falar de uma máquina que custa 50 ou 100 mil dólares. Todas as nações podem comprar duas, três, quatro, cinco ou seis máquinas. Temos de nos preparar, porque há especialis­tas que prevêem o surgimento de epidemias muito mais graves do que a Covid-19.

Estas questões de saúde pública, no fundo, são de segurança nacional. Se dependemos de um laboratóri­o no exterior para controlar epidemias, significa que o país e os cidadãos angolanos estão em risco.

É uma das lições a retirar. Devemos apostar nos serviços de proximidad­e, melhorar o saneamento básico, todos estes processos devem ser refinados. Ao contrário do que muita gente pensa, não são precisas toneladas de dinheiro. Precisamos de organizaçã­o, de pessoas que possam ajudar a construir os sistemas de cuidados sanitários e de saúde. Temos as universida­des também, onde podemos tirar proveito da comunidade académica para melhorar os sistemas de saúde pública. Tudo sem dispensar somas avultadas de dinheiro. Esta coisa de pensarmos que só podemos ter um sistema nacional de saúde se aplicarmos milhões e milhões de dólares não é verdade. As nossa prioridade devem ser os cuidados primários de saúde e os sistemas de vigilância epidemioló­gica, devido ao nosso passado. É por aí que devemos ajustar as nossas despesas com a saúde pública.

“Esta coisa de pensarmos que só podemos ter um sistema nacional de saúde se aplicarmos milhões e milhões de dólares não é verdade”

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VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO Segundo o especialis­ta Angola deve potenciar as medidas de higiene pessoal agora introduzid­as Como era em África, a tendência foi desvaloriz­ar...

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