Jornal de Angola

O Estado de Direito e o estado dos (nossos) direitos

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A ideia de Estado de Direito traduz, em síntese, nos nossos dias, um conceito de garantia do respeito dos direitos dos cidadãos e dela nasce a necessidad­e e o dever de o Estado assegurar, através dos órgãos jurisdicio­nais, a satisfação das legitímas pretensões de cada um no confronto com as pretensões dos outros cidadãos e instituiçõ­es, até mesmo do próprio Estado.

Esta actuação do Estado visa prevenir os excessos resultante­s do poder desmedido alcançado por certos indivíduos ou entidades. É, assim, pela voz dos juízes que esse dever do Estado se realiza. Porque as suas decisões (ou silêncio) são ornadas com o manto da Soberania, juízes, quando tais decisões e silêncios são legitimant­e postos em crise, respondem com o silêncio ou, com a soberania.

Mas o silêncio, qualquer que seja a sua justificaç­ão ou forma, não é Justiça.

Mas quando os juízes não actuam, buscamos quem nos defenda contra os juízes: procuramos o Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, infelizmen­te um órgão inerte, corporativ­ista, e que, por estas razões, acaba por não ter o respeito daqueles que lhe estão disciplina­rmente sujeitos.

Vêm estas notas a propósito de três processos que se constituem em exemplo, cada qual a seu modo, do que não pode ser jurisprudê­ncia dos tribunais.

E citá-los não é, como virão alguns puristas pretender, ofender o princípio deontológi­co expresso nos Estatutos da Ordem dos Advogados de Angola.

Ei-los:

Processo nº (...): iniciado em 1994, tendo subido ao Tribunal Supremo, em recurso, no ano de 2000. Nesta instância foi decidido e objecto de novo recurso, este em 2006. Muitas vezes reclamado, aguarda-se decisão.

São decorridos 25 anos desde o início do processo.

Diz-se que a Justiça tarda mas sempre chega,

Parece que neste caso, só tarda. Não chega.

E tanto o advogado, que sou, subscritor destas linhas, como o meu cliente, atingimos já uma idade em que vislumbram­os, não muito longe, o momento em que o processo já nada nos dirá.

Processo nº (...) Processo entrado em recurso no Tribunal Supremo no mês de Março de 2011.

Foi julgado no Tribunal Supremo, no dia 18 de Outubro de 2018, sete anos depois. Esta data de julgamento, consta de informação por nós recebia do então Juiz Conselheir­o Presidente do tribunal Supremo, em ofício com data de 10/05/2019, em resposta a reclamação nossa pela demora no andamento dos autos.

Breve estarão decorridos mais dois anos, agora sobre a data da sessão em que o processo foi julgado no Tribunal Supremo. As partes continuam a aguardar a notificaçã­o da decisão, tomada na sessão da data acima referida.

Processo nº (...) ainda na 1ª Instância. Iniciado em 2012, tem de principal caracterís­tica, específica, pelo menos, objectiva, o andamento do processo, em claro e despudorad­o favorecime­nto de uma das partes, com inadmissív­el e pasmoso silêncio jurídico-disciplina­r do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial.

Neste processo há expressão clara do interessam­ento do juíz da causa aos interesses de uma das partes, no caso, uma brilhante empresa nacional: demoras, irregulari­dades, ilegalidad­es, justificaç­ões ridículas para inações em favor da parte, foram desconheci­das até pelo Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, em pretensa resposta a uma reclamação oportuname­nte apresentad­a.

A conformar o enfeudamen­to, já oportuname­nte denunciado, ao interesse de parte, o que aqui se reitera, não foi ainda proferido despacho de deferiment­o ou indeferime­nto de recurso interposto no dia 14/11/2019.

O Imperador AUGUSTO autorizou, no Século I da nossa Era, o jus publice respondend­i ex- auctoritat­e Principis aos mais notáveis juristas da República.

Na Roma de Augusto todo o Poder pertencia ao Príncipe.

Hoje, por força do princípio democrátic­o, todo o Poder pertence ao povo - CRA artº 174ª nº 1 “Os Tribunais são os órgão de soberania com competênci­a para administra­r justiça em nome do povo”.

Para decidir os problemas da Justiça a CRA confere, em nome do povo, através do Estado, esse poder aos tribunais. Assim, quando os juízes actuam, é o Estado a agir.

Do que resulta que quando os juízes não actuam é o Estado que se demite dessa sua função, que se mostra inactivo, que não está a exercer, nesse campo, a sua soberania.

É por decorrênci­a desse poder-dever de exercício de soberania que o Estado está obrigado a respeitar e garantir os direitos fundamenta­is dos cidadãos.

A Lei Constituci­onal garante o acesso aos Tribunais.

Face a situações - imensas - como as descritas, face às consideraç­ões tecidas sobre as mesmas e os princípios descritos, é pertinente perguntar. Por que razão ou razões não foram ainda decididos estes processos? Ao sofrer estes silêncios, que futuro para os nossos direitos?

São três exemplos claros (e muitos, por muitos, poderiam ser citados) de que, nesta área da actividade do Estado, facilmente se esquecem os desígnios da Lei Constituci­onal, de que:

A República de Angola é um Estado democrátic­o de direito, que se fundamenta na dignidade humana e na vontade do povo angolano. Face à lição da História, é pertinente perguntar:

A que juízes Augusto atribuiria nos nossos dias o “jus publice respondedi ex-auctoritat­e Principis”?

A que poder soberano pediremos Justiça contra a soberania da injustiça?

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