Jornal de Angola

Homem dos golos imprevisív­eis partiu aos 56 anos

PICAS, ANTIGO FUTEBOLIST­A DO PETRO DO HUAMBO, FALECEU AOS 56 ANOS

- Miguel Ângelo / Huambo

O Huambo

e arredores, por este brilhantís­mo de relatar a ‘tragédia futebolíst­ica’ da equipa derrotada, mergulhava­m, penhoradam­ente, em rios de emoções e lágrimas. Picas, futebolist­a de apurada técnica, era o causador-mor dessa descontrol­ada paixão do ‘coração-clubista'. Que não tem explicação.

“O ‘Pica-Pau’ resolveu o jogo ao cair do pano”, enfatizava, até à exaustão, Mota Lemos.

O Ponta-de-lança exímio, de corpo franzino, sabia o que levava, de facto, o povo, das cidades, aldeias e quimbos, ao estádio dos Kurikutela­s, no bairro das Cacilhas: Golo! Mais golos! E o radialista, com mestria, conjurava as melhores palavras para transmitir, fielmente, cada golo do Picas…e do Petro do Huambo, deixando pregado ao rádio outra legião do povo-adepto.

Foi assim que, durante anos-e-anos, os prosélitos do futebol, no Huambo e outros estádios de Angola, rendiam-se, para o regalo dos ‘olhos-de-bom-futebol’,à grandeza do talento raríssimo e indiscutív­el de Picas. “Era o ‘tira-vergonha’ do Huambo no futebol, contam as pessoas no Planalto Centro.

Na vida social, como expratican­te e relações públicas do Petro do Huambo, era a simplicida­de em pessoa. Próprio da génese dos filhos da região. “Não se metia na vida de ninguém”. Reconhecem.

Mas o coração de Picas, o homem dos golos imprevisív­eis, deixou de bater no passado dia 28 de Abril, por volta das 23 horas, por complicaçõ­es de saúde, no Hospital Geral do Huambo. Tinha 56 anos.

“Perdemos um bom amigo. Não se preocupava por ser nosso mais-velho e a fama do passado”, descreve o Justino Victorino, ex-aspirante à carreira de futebolist­a, mas hoje jornalista, com quem partilhara algumas ocasiões ‘etílicas’ na loja da dona Anita, à rua Imaculada da Conceição, na zona Cidade Alta.

António Pacheco, de seu nome completo com os sobrenomes de Manuel Tomé, nascera, em Janeiro de 1964, na província do Cunene. Mas, com tenra idade, adoptara o Huambo como local de partida à conquista da própria identidade. “Poucos sabem que sou do Cunene. A minha garra é de verdadeiro cuanhama”, vangloriav­a-se, o ‘dono’ do bairro das Cacilhas, em conversa com os amigos.

Partiu o homem que deixava, sempre que convocado, milhares de adeptos, sem âmagos clubístico­s, em deslumbram­ento. Por regra, feito uma ‘arma-secreta’, era o último a sair dos balneários… com o equipament­o completo. E mais: sentava-se no banco dos suplentes, conta Silvano Katiavala, que ‘fugiu’ do Mambrôa do Huambo, para o ‘arqui-rival’, por causa, diz, “do ‘mulato’ que jogava muita bola”.

“Era uma forma de baralhar o técnico e as defesas adversária­s. O pensamento de que ele, o Picas, não vai jogar, porque ia se sentar no banco dos suplentes. Era, em muitos casos, uma jogada”, conta este adepto, assegurand­o que foram as equipas que “viram fumo” com esse ‘esquema-táctico’ antes dos jogos.

Jogador discreto. Oportuno na marcação de golos. Fazia aquilo que é missão de um ponta-de-lança: encontrar a baliza dos adversário­s em busca da vitória. A descrição qualitativ­a, do ‘homem golo’, é de José Cápua Sequessequ­e, jornalista da emissora provincial do Huambo, da Rádio Nacional de Angola.

“Picas foi, de facto, um homem brutal!”, afirma, peremptóri­a e categorica­mente, o jornalista desportivo, que, também, viveu e conviveu momentos de glória,inclusive no engrandeci­mento da sua carreira profission­al, à pala da virtuosida­de futebolíst­ica dessa ‘pérola cuanhama’ descoberta, em 1975, pelo Clube Recreativo da Caála, onde actuou nos escalões de juvenis e juniores.

“Foi um ponta-de-lança nato. Tive o ensejo de vê-lo a jogar, na parte final da sua carreira como júnior, no Clube

Recreativo da Caála.Picas, ainda com a idade de júnior, já militava na equipa sénior. Era um atacante incrível, com faro de golo e uma técnica bastante apurada. Era de uma rapidez jamais vista em atacantes da nossa urbe, ou seja, do futebol nacional”, desvela José Sequessequ­e.

No meio de feras

Quando se transferiu, em 1981, para o Petro do Huambo, o impacto de “medo e receio”, em partilhar o balneário do clube com jogadores feras e craveira, como Mateus, Detone, Carlos Pedro, Saavedra, Calumbo, Mona, entre outros, foi de “não querer voltar no dia seguinte aos treinos”, como contara, numa entrevista que concedeu, há três anos, ao jornalista Justino Victorino, publicada no Jornal dos Desportos.

Os amigos mais próximos aconselhar­am-no a não desistir. Era preciso, por ele próprio, acreditar no talento que tinha. Foi o que aconteceu. Naquela época, diz José Sequessequ­e, “já tínhamos um Petro do Huambo de verdade. Mas ele, com coragem e humildade, se impôs”. O corpo, fisicament­e franzino, fazia dele, o ‘homem-golo-das-Cacilhas’, como “se fosse uma faca quente passando no pão com manteiga”, ironiza.

É nesta condição, em ser desprezado pelos adversário­s, devido à sua estrutura física, que ganhou o estatuto de ‘arma-secreta’ do clube e dos treinadore­s com quem trabalhou, como são os casos de Nina Serrano, Arlindo Leitão, João Machado, Waldemar Serdeira, Mbuisso António e Rúben Garcia.

Em jogos decisivos, Picas era lançado ao jogo nos derradeiro­s minutos, quando tudo se parecia consumado. Como ponta-de-lança, diz o jornalista, sabia, de concreto, o que fazer em campo: “Marcar golos. Quem jogou com ele sabe o quanto represento­u no domínio das defesas. Resolvia, era um jogador discreto, mas oportuno na marcação do papel de um ponta-de-lança. Foi um dos melhores, no país, nesta posição”.

“Alô Luanda! Alô Luanda! Kurikutela­s chama…Kurikutela­s chama”. Era com esta alerta que o radialista Mota Lemos, de voz aguda e português “aportugues­ado”, interrompi­a, na democratiz­ação do desporto, a transmissã­o do relato de outro jogo, na emissão de Tarde Desportiva, para narrar a mudança do marcador no Huambo…no estádio Kurikutela­s: “É golo! É golo!...do Petro do Huambo. Gooolooo! Gooolooo! Petro do Huambo. Ao cair do pano. Quem poderia ser mais? É ele, o inevitável e discretíss­imo, Picas!”

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FRANCISCO LOPES | EDIÇÕES NOVEMBRO | HUAMBO

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