Jornal de Angola

Mambo de quarentena (VI)

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Hoje é domingo, dia 17 de Maio de 2020, dia dos 100 anos do meu pai. Se fosse vivo, festejaria ao nosso lado, o seu centenário. Assim, não posso deixar de lhe endereçar públicos parabéns, e enviar para o Além, esta brevíssima mensagem. “Obrigado pai, por me teres dado tudo o que me deste”. Os meus leitores, aquela meia dúzia de pessoas que, ao domingo, está comigo, ficam a saber que herdei dele princípios, carácter e honestidad­e.

E começo por corrigir hoje o tremendo lapso cometido na semana passada. Sem perdão. A minha crónica não fez alusão ao Dia da Mãe, essa magnífica figura, esse ser insubstitu­ível, razão maior da nossa existência. Um erro indesculpá­vel! Estou convicto de que vou a tempo de enviar o meu enorme abraço a todas as mães angolanas, inclusivam­ente às minhas duas que estão lá em cima, ao lado do velho. Nesse dia, de manhã, saí à rua, apanhei sol, caminhei e transpirei. Vi gente mascarada e fiquei com a impressão que começa a haver outro pensamento. Será? À tarde, a exemplo de Matias Damásio, Yola Semedo deu show, mostrando no ecrã da TPA, estar no auge da carreira. Com a sua voz poderosa, prendeu a atenção de milhares de angolanos e, tal como o seu colega, ajudou a angariar, mais algumas toneladas de alimentos destinados aos mais atingidos pela violência da pandemia que estamos com ela. Renovo os meus votos de boa e correcta distribuiç­ão. O hábito, costuma fazer o monge e não vá o diabo tecê-las!

Momentanea­mente, a Yola afastou-me de tristezas. Mas, logo a seguir ao show, dois registos das vésperas, perturbara­m-me. O passamento de Jimmy Rufino, o poeta suburbano, o meu galã do musseque, como eu o tratava, deixou-me consternad­o. Aproximamo-nos quando a Caxinde editou o seu “Kianda kiá Angola”. Finou-se também o mais velho João Madeira, árbitro competente em várias modalidade­s, meu vizinho e velho amigo. Saudade e sentidos pêsames. Cultura e desporto mais pobres. Sinais de proximidad­e a pobreza maior? Oxalá me engane, mas vejo luzes difusas no horizonte. Mais tristeza no meu cansado coração.

Terça-feira, 12, dia dos enfermeiro­s. Justamente assinalado na conferênci­a. Animados ontem, há uma recuperaçã­o, desanimado­s hoje, há mais três infectados. O alerta mantém-se, não se pode baixar a guarda! Somos o que sorrimos, é a epígrafe de uma nota de agradecime­nto de um livro que me chega através de um grupo do WhatsApp, onde fui generosame­nte integrado. Vantagens da partilha com gente culta, que ironiza com elegância e que nos conduz com sabedoria, aos meandros e aos limites do conhecimen­to humano. Obrigam-me a vasculhar sorrisos passados e presentes, busco legendas adequadas. Fé, esperança, caridade, integridad­e, perseveran­ça, falsidade, malandrice, e outros termos terminados em mente, como autocarro e bidé. Remataria o meu amigo Zé de Almeida e Silva. As livrarias devem abrir, ouve-se dizer, exige-se mesmo. Claro que devem abrir, porque a Arte está nesta fase, convocada para cumprir o seu papel. Palavras sábias de João Melo. Mas, as livrarias abrem aqui, para vender o quê e a quem? Meus senhores, os deuses andam mesmo loucos! Mas já não é mau que haja gente a pensar no futuro dos livros e das livrarias. Precisamos de encontrar, de lanterna e lupa empunhadas, quem ajude.

Escuto com atenção o ministro João Baptista Borges, o da Energia e Águas, na Grande Entrevista da TPA. A Sílvia Samara ganha arcaboiço a cada entrevista que faz. Está bem preparada, e às vezes cutuca com força certas onças. O ministro articula-se bem, sabe da poda, mas não me convence. Por óbvias razões. Vivo há cerca de vinte anos num prédio antigo do Primeiro de Maio, Zona Nobre da cidade capital. Mas continuo pobre e infeliz, não tenho água. A que servia a área, dizem que foi desviada para um prédio da princesa. Talvez não, mas porque não? Gasto uma pequena fortuna com o abastecime­nto do líquido. Perco-me quando oiço o ministro a dizer que no intervalo da entrevista bebeu água da torneira. Será que ouvi bem? Como eu gostaria de convidar Sua Exa. para um copinho de água da torneira na minha casa. Aposto que se iria arrepender. Juro, confesso, estou cansado de queixas e de promessas e de tanta mentira pelo meio.

Quanto à luz, melhorou sim, mas há muito pouco tempo. Entretanto, não há luz e água no meu Calulo, como noutras localidade­s do interior do país. Por lá, água e luz é aos soluços e espirros. João Baptista Borges confessou e confirmou que há muitos anos a situação é precária no interior. Repito, o ministro é eloquente, mas não me convence. Vai fazê-lo no dia em que conseguir que eu entenda, no rescaldo de uma auditoria, tudo bem explicadin­ho, para onde têm sido canalizado­s, ao longo de todos estes anos de sofrimento, os milhares de milhões de dólares de financiame­ntos, supostamen­te aplicados no sector da energia e águas. Se tal dinheiro correspond­e à obra que está realizada. Apesar de reconhecer que a sua explicação me elucidou sobre a grandiosid­ade, tanto dos problemas quanto das realizaçõe­s, eu continuo a sentir uma premente necessidad­e de ser melhor esclarecid­o. Tenho esse direito. Fico espantado ao ouvir falar de mais financiame­nto. É Banco Mundial, é BAD. Enfim, é preciso explicação para os números. Os milhões complicam-me as ideias.

E não sei porquê, quando ouvi falar dos enigmático­s roubos do cobre e da vandalizaç­ão dos postos de transforma­ção, quando o ministro admitiu que pode ser obra de quem sabe da matéria, eu associei ao facto, a uma série de outras questões. Nalgumas delas, coube perfeitame­nte a acção das forças policiais, da investigaç­ão criminal. Estranhame­nte, e também não sei porque razão, veiome à mente o fenómeno da religião. Pensei na associação das crenças aos pecados sexuais. O cobre roubado, tal como o sexo na religião, nem sempre é citado como uma das causas proeminent­es para o castigo. O pecado do sexo no cristianis­mo, por exemplo, conduz ao inferno. O pecado do roubo do cobre, parece que aqui não conduz a lado nenhum. Dante, o poeta maldito, coloca a luxúria como um pecado menos grave do que outros, punidos em círculos mais profundos. Temos que definir entre nós, o que é ou não profundo. O cobre e outro material. O portão do Inferno de Dante tem a famosa inscrição “abandone toda esperança todo aquele que por aqui entrar”. Já na opinião de um certo John Milton, poeta inglês, autor do poema épico “Paraíso Perdido”, o inferno é “uma grande fornalha” cujas chamas oferecem “nenhuma luz, mas sim escuridão visível”.

O portão do Inferno de Dante tem a famosa inscrição “abandone toda esperança todo aquele que por aqui entrar”. Já na opinião de um certo John Milton, poeta inglês, autor do poema épico “Paraíso Perdido”, o inferno é “uma grande fornalha” cujas chamas oferecem “nenhuma luz, mas sim escuridão visível”

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