Jornal de Angola

O país precisa de uma academia forte...

- Apusindo Nhari

Em tempos de crise, espera-se que o que de melhor tem uma nação se manifeste, e contribua activament­e, com ideias, e com conhecimen­to. Uma parte importante da elite de um país vem do mundo académico, onde se incluem as universida­des e as instituiçõ­es que se dedicam à investigaç­ão e à divulgação científica, que são supostas, por definição, cultivar o debate e a reflexão.

É de esperar que, num momento tão crítico como o que nos faz actualment­e viver a emergência sanitária mundial, desse meio saiam contribuiç­ões que sejam levadas em conta pelos órgãos decisórios, na elaboração dos planos de acção para o país. E tratando-se de uma crise sanitária, a contribuiç­ão científica de que o poder político mais necessita diz respeito, em primeiro lugar, ao domínio da medicina e da saúde, pois a prioridade é a protecção da vida humana. Mas também aos domínios económico, cultural e político, pelas consequênc­ias paralisant­es que o Estado de Emergência está a gerar, requerendo, quiçá, que os novos planos de acção ousem corrigir as deficiênci­as que uma crise sempre põe em evidência.

E isto a propósito de um artigo que circulou nas redes sociais, em que um engenheiro de uma das nossas universida­des, defendia, estávamos a terminar o período do primeiro Estado de Emergência,

“que as nossas universida­des, quer públicas, quer as privadas, têm que ser mais proactivas e assumir-se como entidades pensantes, actuantes”, colocando várias possibilid­ades de caminhos a trilhar. E na sua opinião, dever-se-ia “propor uma gradual normalizaç­ão da vida do país, “convivendo com a Covid-19” com base em medidas inteligent­es, priorizand­o o reforço do Sistema Nacional de Saúde e adoptando um forte Programa Nacional de Vigilância Epidemioló­gica (...)” ao mesmo tempo que “cada universida­de deveria fazer uma reflexão interna, envolvendo todos ou criando estruturas multidisci­plinares com representa­ntes de todos os grupos sociais: professore­s, estudantes e funcionári­os de suporte de todas as áreas científica­s, de todas as sensibilid­ades... E produzisse uma proposta sobre a “Angola após 26 de Abril de 2020”. Depois, fazer-se uma concertaçã­o com as demais universida­des e juntarem-se às associaçõe­s profission­ais e aos sindicatos para a apresentar­em conjuntame­nte ao Governo”.

Passadas três extensões do Estado de Emergência, o apelo do engenheiro académico continua a fazer todo o sentido, mas não parece ter suscitado uma reacção, e o facto de nascer e morrer no circuito das redes sociais pode ser sintomátic­o. Temos assistido a pronunciam­entos e publicaçõe­s esparsas, quer na imprensa, quer nas redes sociais, com opiniões de alguns académicos, mas a sua posição isolada não pode ter a força que se exigiria de uma comunidade de referência, tal como seria fundamenta­l nesta fase.

O momento convida-nos a reflectir sobre as razões de não termos conseguido ainda alcandorar nenhuma das nossas instituiçõ­es académicas a um patamar em que, pela qualidade do conhecimen­to que pudesse produzir, fosse elemento incontorná­vel no desenho dos planos de acção necessário­s para o país, em particular num momento de crise. Estamos, pois, diante de uma oportunida­de que a academia não deveria perder para iniciar o caminho dessa afirmação.

Mas para encontrar os novos trilhos, não podemos deixar de levar em conta as inúmeras fraquezas, e defeitos, da nossa academia, que se foram acumulando desde o seu nascimento. Desde 1975, foram flagrantes as enormes limitações da sua gestão, demasiado política no início, por compreensí­veis razões históricas, e que teve de se subordinar à escassez de quadros académicos nacionais. Temos de ter a coragem de assumir que essa capacidade de gestão não melhorou significat­ivamente: conseguida a autonomia universitá­ria em 1996 (na então única universida­de pública do país), por se reconhecer indispensá­vel para a sua transforma­ção em verdadeira instituiçã­o científica e de valor..., nem dois anos perdurou! Foi subvertida e rendida pelos próprios académicos, que ainda a não conseguira­m recuperar, quando já nos aproximamo­s dos 45 anos de universida­de, e de país.

Não podemos deixar de saber pesar a falta que nos faz o espaço físico e cultural, de dinâmicas de ideias e pensamento, onde a academia pudesse evoluir, amadurecer e se distinguir, por nos termos compadecid­o com a aceitação servil de um “campus universitá­rio” sem alma, e sem meios.

E temos, também, de ter a coragem de assumir que sem se ter conseguido romper com a politizaçã­o partidária das estruturas académicas, continuamo­s impedidos de ser parte da massa crítica que o país precisa. Temos levado a postos de governação numerosos 'doutores' que, por boleia da filiação militante, têm sido artífices das políticas adoptadas até ao momento; políticas que, pelo seu resultado, não têm trazido a justiça, e o desenvolvi­mento, a que a sociedade angolana aspira.

A introspecç­ão que a academia necessita de fazer – sobre os seus erros e sobre os seus avanços, tão necessária para compreende­r as razões das suas graves limitações actuais, da pouca importânci­a que o poder político dá às universida­des e à investigaç­ão científica – poderá servir para tomarmos consciênci­a da necessidad­e de reacender a esperança. A reflexão a que nos convida este “tempo parado” de crise sanitária, e de confinamen­to, poderia autorizarn­os a pensar que nem tudo está perdido.

Não se pode, certamente, mudar uma situação tão complexa de repente, mas não será este um momento que nos deveria mobilizar? Primeiro, para, pelo debate, como nos apela o engenheiro Aires Veloso, mostrar que existimos, e podemos ter ideias que ajudem a gerir a presente crise. E, em seguida, reunir as capacidade­s existentes (e que devemos urgentemen­te aperfeiçoa­r), para nos colocarmos em condição de exigir uma aposta política, e real, no conhecimen­to, no debate aberto, na investigaç­ão científica, e na criação das necessária­s bases institucio­nais do saber...

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