“São necessárias infra-estruturas para a migração digital”
Além de incentivos ao investimento nas zonas mais remotas, a partilha de infraestruturas resultaria em menores investimentos e na possibilidade da aplicação de recursos financeiros em outras zonas menos apetecíveis. Hoje, celebra-se o Dia Mundial das Telecomunicações e da Sociedade da Informação e o Jornal de Angola entrevistou o engenheiro Francisco Pinto Leite Numa altura em que se celebra o Dia Internacional das Telecomunicações e Comunicação, como avalia a Revolução Digital em Angola?
São evidentes alguns avanços no sentido da Digitalização em Angola. Por exemplo, existe uma estratégia do Governo para a digitalização, descrita no Livro Branco das Telecomunicações e Tecnologias de Informação e temse produzido bastante legislação sobre o assunto. Nos últimos 16 anos, vários investimentos públicos e privados foram feitos, no sentido da implementação de infra-estruturas tecnológicas de suporte à digitalização. Na minha modesta opinião, os resultados desses investimentos ficaram bastante aquém do inicialmente esperado. Quero com isso dizer que ainda existe um grande desafio no que diz respeito à disponibilização de serviços em toda a extensão de Angola, que permitam a integração digital da nossa sociedade.
É certo que a digitalização não está apenas ligada à tecnoligias?
Está também ligada ao nível de literacia digital da sociedade em geral, no sentido da aceitação das mudanças do paradigma funcional das organizações e de vida das pessoas, assim como a compreensão da operação das tecnologias e dos processos.
Que avanços foram registados?
Ainda existe muito trabalho a fazer, no que diz respeito à educação da sociedade para a digitalização. Apesar dos constrangimentos acima referidos, alguns avanços são evidentes, onde se destacam, por exemplo, a digitalização dos serviços bancários, a disponibilização de serviços de táxis e entregas ao domicílio, vendas “online” e mais recentemente, derivado a crise de Covid-19, os serviços de teleconferência e de tele-ensino. Também, gostaria de destacar a disponibilização de alguns aplicativos desenvolvidos por pequenos empreendedores angolanos e que já estão disponíveis ao público.
Que aportes as TIC podem dar para o desenvolvimento socioeconómico do país?
As TIC são fundamentais para o desenvolvimento de qualquer país. A actual globalização dos mercados impõe melhorias constantes na eficiência e eficácia dos sistemas de produção de produtos e serviços, por via da optimização dos processos produtivos. A consequência da optimização desses processos é a melhoria da relação preço/qualidade dos produtos e serviços e, consequentemente, o alavancar da possibilidade competitiva dos mesmos.
Que desvantagem traz o atraso na incorporação das TIC no desenvolvimento nacional?
O atraso na implementação das TIC tem como consequência directa a menor capacidade competitiva nos mercados que são cada vez mais globais. Por exemplo, no sector do Turismo é imperativo o uso das TIC na divulgação (marketing), reservas e segurança dos turistas. Outro risco do atraso na implementação, é sobre a própria soberania do Estado. O fraco nível de implementação das TIC torna vulnerável o asseguramento de informação classificada de cada país.
A implementação das TIC requer infra-estruturas de base. Acha que já estamos bem servidos?
Angola deveria já ter uma infra-estrutura base mais abrangente e fiável do que actualmente tem, se considerarmos os investimentos feitos nos últimos 16 anos. Por razões várias, uma parte substancial dos projectos resultantes desses investimentos não estão operacionais ou operam de forma muito deficiente. Como resultado, Angola tem apenas um operador de rede móvel, cuja infra-estrutura de base pode ser considerada de abrangência nacional. Todos os outros operadores continuam a requerer bastantes investimentos, para reconstruirem ou construírem as suas redes. Em resumo, a implementação de infra-estruturas de base que sirvam de suporte às TIC em Angola ainda necessitam de investimentos de algum vulto.
É verdade que o país está “litoralizado”, com a disponibilização de serviços no interior abaixo dos padrões que as TIC exigem?
É evidente que o litoral do país é a zona com cobertura mais abrangente, com melhor qualidade e com mais serviços disponíveis. Isto tudo tem a ver com o mercado no litoral. Não existe incentivos para os operadores privados investirem em zonas do país com baixa viabilidade económica. Além de incentivos ao investimento nas zonas mais remotas, a aplicação de facto da partilha de infra-estruturas resultaria em menores investimentos e, consequentemente, na possibilidade da aplicação de recursos financeiros em outras zonas menos apetecíveis, do ponto de vista económico. Do ponto de vista técnico, a partilha também proporcionaria a construção de anéis nacionais que melhorariam a qualidade dos serviços.
O que se espera da 4ª “Revolução Industrial”, designada 4.0?
Vejo-a como uma oportunidade dos países menos desenvolvidos diminuírem o fosso em relação ao chamado 1º Mundo, por via da utilização da tecnologia. Porém, importa desde já haver estratégias claras e realizáveis para a construção de infra-estruturas de suporte aos sistemas tecnológicos da revolução 4.0.
Os investimentos feitos no sector satisfazem?
Em termos de volume, acho que Angola, no campo público e privado), fez nos últimos 16 anos investimentos que deviam ter resultado numa maior abrangência em termos de cobertura de serviços, melhor qualidade e melhor preço.
Foi feito investimento na Angosat e na rede nacional de fibra óptica...
Diferentes vozes defendem diferentes visões. Na minha opinião, existem outras prioridades de investimento a frente do investimento com o Angosat.
Que caminhos a seguir para Angola apanhar o comboio da 4ªRevolução?
Muito terá que ser feito, começando pela base. Refirome à necessidade de incentivos ao investimento na melhoria da infra-estrutura, em termos de qualidade e expansão, e criação de uma “elite” científica angolana, ligada às universidades.
O que fazer, para capacitar as pessoas de modo a desenvolverem, manterem e utilizarem as novas tecnologias?
Neste aspecto, deve-se investir, primariamente, na formação de “elites científicas” (ligadas às universidades) que servirão de suporte local para o desenvolvimento e disseminação das redes e plataformas tecnológicas. Estas redes servirão, futuramente, de base para a formação massiva e de qualidade das populações, independentemente da sua localização.
Qual é a sua importância para o sector produtivo?
A melhoria da eficiência e eficácia dos processos productivos, resultando na melhoria da productividade.
Como as TIC ajudam na diversificação da economia?
A importância das TIC na diversificação da economia começa na possibilidade de formação das pessoas, nas mais variadas áreas do saber. As TIC trazem consigo uma série de novos serviços, como, por exemplo, as redes de táxis. O paradigma dos serviços, da produção industrial e agrícola mudou radicalmente com a introdução das TIC. Nenhuma dessas áreas pode ser desenvolvida sem o uso das TIC, sob pena da sua inviabilidade.