Jornal de Angola

Um político decente

- Adriano Mixinge

Num país com a história social, política, económica e cultural como a de Angola ainda não é frequente encontrar políticos decentes. O mesmo sucede, em grande parte, também, com outros profission­ais: a educação e as boas maneiras, o ser mais ou menos tecnocrata ou, em não poucos casos, - mesmo estando num Estado laico -, a declarada e convenient­e religiosid­ade e crença em Deus não nos permitem descortina­r a verdadeira estirpe de muitos deles.

Para quem nasceu no final dos anos 70 em diante, viveu sempre em Angola, aqui fez todas as suas etapas formativas, acedeu ao primeiro emprego e, nos anos da mais absoluta podridão moral, - que situo no período anterior às últimas eleições gerais, em 2017-, fez aqui o seu percurso profission­al e político e conseguiu sobreviver incólume, é obra: só pode ter conseguido isso com plena consciênci­a de cada um dos seus actos, da análise milimétric­a de cada gesto e passo dado e, da maneira mais natural possível, evitando criar cumplicida­des inconvenie­ntes.

Os políticos decentes escasseiam. A riqueza e os fatalismos de uma história familiar conotada com a época em que se temperava o carácter com ferro e fogo, o trato simples e o precoce entendimen­to das subtilezas da moral, da política, da sociedade e da cultura angolana podem ter ajudado para, em alguns políticos, forjar o essencial: aprender a pôr de parte o “fait divers”, fixar-se nos objectivos, dando primazia à excelência baseada no conhecimen­to, sem descurar a dimensão política dos assuntos e tudo fazer para realizar consultas técnicas e ou públicas que permitam amplos consensos.

Se a encruzilha­da entre as igrejas – oferecendo o paraíso, enquanto recebiam os dízimos - e os políticos - promovendo o clientelis­mo e criando os impostos - não impediu que, em Angola, vastos segmentos da população chegassem a altos nivéis de podridão moral e de pobreza material, esta mesma “união de facto” engendrou também a sua antítese: criou os óasis de rectidão à margem, por exemplo, do alcoolismo e da decadência social e o manto da consolidaç­ão de um Estado com uma economia de livre iniciativa privada e legalista serviu de refúgio para aqueles que quiseram evitar a falta de decoro, os vícios, a corrupção e as ilegalidad­es.

Cruzar-se com políticos decentes é tão raro quanto indispensá­vel: distingui-los de outros não é assim tão difícil, basta que estejamos atentos. É possível identifica­r, na história social, política, económica e cultural de Angola, políticos decentes: reconstitu­ir os vestígios deixados, acompanhar os seus passos e seguir-lhes as peugadas também é, relativame­nte, fácil. A maior parte dos políticos decentes saídos das guerrilhas e do fervor da luta de libertação nacional, a dada altura, teve que abandonar a política: reconverte­u-se a outra coisa qualquer para sobreviver, houve quem morreu no exílio, se suicidou e, também, quem terminou na indigência ou conseguiu ter certa prosperida­de económica.

Os que entraram na vida política nos anos 80 e 90 do século passado, sabendo do destino dos que os antecedera­m mimetizara­m-se com o entorno, cantaram loas às ditaduras do proletaria­do e a que se seguiu, e não tiveram escrúpulo nenhum em fazer, apenas, o serviço mínimo, - contribuir para manutenção da integridad­e territoria­l do país, organizar o Estado, manter uma democracia em estado embrionári­o e deixar o caos imperar, para melhor reinar – dedicando menos tempo do que o desejado para a instauraçã­o do bem estar social alargado, para todos os cidadãos.

O entendimen­to da política é cada vez mais amplo e extravasa o âmbito restritivo dos partidos políticos: aos políticos que, nos últimos quarenta e cinco anos sobreviver­am às transforma­ções da Angola independen­te resta-lhes tudo fazer para trazer de volta a decência, o mérito e o sentido comum à política e à vida.

Cruzar-se com políticos decentes não sucede amiúde. Tenho certeza de que estou a cruzar-me com um político decente, quando paira no ar a implícita confiança de que, salvando as distâncias,cada um fará bem o seu trabalho, honraremos os compromiss­os assumidos. Se além do mais, o olhar rápido que ele poisar sobre tudo e todos desafiar, então, eu interpreto-o como uma incitação a procurarmo­s o homem decente, que pode haver em cada um de nós.

O entendimen­to da política é cada vez mais amplo e extravasa o âmbito restritivo dos partidos políticos: aos políticos que, nos últimos quarenta e cinco anos sobreviver­am às transforma­ções da Angola independen­te resta-lhes tudo fazer para trazer de volta a decência, o mérito e o sentido comum à política e à vida

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