Políticas ancoradas para a formação de recursos humanos
A universidade é um alicerce fundamental para a formação e os Governos dos países em desenvolvimento não podem deixar de lhe prestar a devida atenção. Porém, a mesma só virá a alcançar a qualidade mínima que se pretende, se o ensino primário e o ensino secundário forem também merecedores da atenção necessária por parte dos Estados
Em era do conhecimento, fala-se frequentemente da necessidade de os sistemas educativos, nos seus três níveis de aprendizagem e nas suas diferentes vertentes de formação, terem de abranger um número cada vez mais vasto de crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos. Nos dias de hoje, com o desenvolvimento da sociedade de informação, os sistemas educativos contemporâneos passaram a estar desajustados da actual situação de mudança. Como resultado desta brusca aceleração, Hermano Carmo, no seu livro «Intervenção Social com Grupos», cita John Naisbitt, que aponta alguns aspectos, que reflectem esse desajustamento: “Nos EUA, em 1983, no Relatório da Comissão Nacional para a Qualidade do Ensino, intitulado «Uma Nação em Risco», refere-se que “a presente geração de finalistas do liceu, é a primeira na história da América a concluir o curso com menos conhecimento do que os seus pais”. Em consequência do desajustamento do sistema educativo em relação à aceleração das mudanças, as estimativas do número de analfabetos funcionais nos EUA, nos princípios da década de 80, variava entre 18 e 64 milhões de pessoas. De acordo com esses estudos, esta numerosa população não sabia ler nem escrever adequadamente, nem fazer cálculos simples que lhes servissem minimamente para a sua vida quotidiana. As taxas de absentismo e abandono no ensino secundário aumentavam dramaticamente, a partir dos anos 70, tendo como consequência um afluxo crescente de jovens à procura do primeiro emprego, impreparados para um correcto desempenho de tarefas que lhes eram exigidas na vida activa. Para agudizar a crise, os postos de trabalho passaram a ser invadidos por computadores, obrigando toda uma população jovem a familiarizar-se minimamente com estas ferramentas da sociedade de informação, quando os sistemas educativos não conseguiam responder ao mesmo ritmo, correndose sérios riscos de se estar a criar uma geração de analfabetos informáticos. Esta dicotómica situação provocada pela aceleração da mudança foi, não só, constatada nos EUA, mas também em outros países, tal como testemunha o Relatório Anual do UNICEF, em 1999: “Cerca de 1.000 milhões de pessoas vão entrar no século XXI sem conhecimentos necessários para ler um livro ou assinar o nome e, muito menos, para manusear um computador ou compreender um simples formulário.” São analfabetos funcionais e o seu número é cada vez maior. Apesar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, hoje com 72 anos de existência e da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, cerca de 855 milhões de pessoas – perto da sexta parte da humanidade – estariam na condição de analfabetos funcionais em vésperas deste novo milénio. Esta diminuição de qualidade do ensino que se verifica um pouco por todo o mundo, quer aos níveis primário e secundário dos diferentes sistemas de educação, reflecte-se de forma negativa nos processos de acesso ao ensino superior, mesmo quando são criados filtros para o seu acesso, no sentido de procurar garantir um nível de qualidade adequado aos diferentes cursos das Instituições de Ensino Superior, sejam elas públicas ou privadas. Diz-nos o Prof. António Nóvoa, em «Os professores e a sua formação» que “não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professores.” Assim sendo, não basta, por vezes, ter boas instalações, bons meios didácticos e uma boa proposta curricular, se os docentes, independentemente de serem (ou não) muito doutos, continuarem a ser péssimos professores, por falta de competências pedagógicas indispensáveis à docência. Nos países em desenvolvimento, como é o caso de muitos dos países africanos, o défice de professores/formadores, quer em número, quer em qualidade, é gritante. Apesar do importante papel que representam como interventores sociais de excelência, para além de mal remunerados, os professores do ensino superior em África são pouco reconhecidos socialmente. Daí que os países africanos percam, todos os anos, grande parte dos seus docentes, frustrados pelo baixo nível de salário e pelas poucas possibilidades de valorização social. Então, procuram outro tipo de actividades laborais, onde as suas competências possam ser melhor utilizadas e remuneradas. Com a escassez de bons professores, o perfil de entrada de candidatos ao ensino superior e o perfil de saída de recém-licenciados torna-se deficitário em competências, com consequências para o progresso económico e social no próprio continente. Frequentemente se diz, que “não há ventos favoráveis quando não se conhecem os rumos”. Independentemente da autoria deste pensamento ser atribuído, por uns, a Séneca e, por outros, a Confúcio, as questões educativas constituem nos seus diferentes e ancorados níveis de formação (primária, secundária e terciária), uma questão social complexa, pelo que a sua abordagem terá de ser vista a várias escalas de análise, cada uma delas exigindo medidas de intervenção adequadas. A universidade é um alicerce fundamental para a formação e os Governos dos países em desenvolvimento não podem deixar de lhe prestar a devida atenção. Porém, a mesma só virá a alcançar a qualidade mínima que se pretende, se o ensino primário e o ensino secundário forem também merecedores da atenção necessária por parte dos Estados. Como refere o economista Adelino Torres, “pela simples razão de que não se constrói um edifício começando pelo telhado…”