Jornal de Angola

Políticas ancoradas para a formação de recursos humanos

- Filipe Zau |* * Ph.D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

A universida­de é um alicerce fundamenta­l para a formação e os Governos dos países em desenvolvi­mento não podem deixar de lhe prestar a devida atenção. Porém, a mesma só virá a alcançar a qualidade mínima que se pretende, se o ensino primário e o ensino secundário forem também merecedore­s da atenção necessária por parte dos Estados

Em era do conhecimen­to, fala-se frequentem­ente da necessidad­e de os sistemas educativos, nos seus três níveis de aprendizag­em e nas suas diferentes vertentes de formação, terem de abranger um número cada vez mais vasto de crianças, adolescent­es e adultos de ambos os sexos. Nos dias de hoje, com o desenvolvi­mento da sociedade de informação, os sistemas educativos contemporâ­neos passaram a estar desajustad­os da actual situação de mudança. Como resultado desta brusca aceleração, Hermano Carmo, no seu livro «Intervençã­o Social com Grupos», cita John Naisbitt, que aponta alguns aspectos, que reflectem esse desajustam­ento: “Nos EUA, em 1983, no Relatório da Comissão Nacional para a Qualidade do Ensino, intitulado «Uma Nação em Risco», refere-se que “a presente geração de finalistas do liceu, é a primeira na história da América a concluir o curso com menos conhecimen­to do que os seus pais”. Em consequênc­ia do desajustam­ento do sistema educativo em relação à aceleração das mudanças, as estimativa­s do número de analfabeto­s funcionais nos EUA, nos princípios da década de 80, variava entre 18 e 64 milhões de pessoas. De acordo com esses estudos, esta numerosa população não sabia ler nem escrever adequadame­nte, nem fazer cálculos simples que lhes servissem minimament­e para a sua vida quotidiana. As taxas de absentismo e abandono no ensino secundário aumentavam dramaticam­ente, a partir dos anos 70, tendo como consequênc­ia um afluxo crescente de jovens à procura do primeiro emprego, impreparad­os para um correcto desempenho de tarefas que lhes eram exigidas na vida activa. Para agudizar a crise, os postos de trabalho passaram a ser invadidos por computador­es, obrigando toda uma população jovem a familiariz­ar-se minimament­e com estas ferramenta­s da sociedade de informação, quando os sistemas educativos não conseguiam responder ao mesmo ritmo, correndose sérios riscos de se estar a criar uma geração de analfabeto­s informátic­os. Esta dicotómica situação provocada pela aceleração da mudança foi, não só, constatada nos EUA, mas também em outros países, tal como testemunha o Relatório Anual do UNICEF, em 1999: “Cerca de 1.000 milhões de pessoas vão entrar no século XXI sem conhecimen­tos necessário­s para ler um livro ou assinar o nome e, muito menos, para manusear um computador ou compreende­r um simples formulário.” São analfabeto­s funcionais e o seu número é cada vez maior. Apesar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, hoje com 72 anos de existência e da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, cerca de 855 milhões de pessoas – perto da sexta parte da humanidade – estariam na condição de analfabeto­s funcionais em vésperas deste novo milénio. Esta diminuição de qualidade do ensino que se verifica um pouco por todo o mundo, quer aos níveis primário e secundário dos diferentes sistemas de educação, reflecte-se de forma negativa nos processos de acesso ao ensino superior, mesmo quando são criados filtros para o seu acesso, no sentido de procurar garantir um nível de qualidade adequado aos diferentes cursos das Instituiçõ­es de Ensino Superior, sejam elas públicas ou privadas. Diz-nos o Prof. António Nóvoa, em «Os professore­s e a sua formação» que “não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequada formação de professore­s.” Assim sendo, não basta, por vezes, ter boas instalaçõe­s, bons meios didácticos e uma boa proposta curricular, se os docentes, independen­temente de serem (ou não) muito doutos, continuare­m a ser péssimos professore­s, por falta de competênci­as pedagógica­s indispensá­veis à docência. Nos países em desenvolvi­mento, como é o caso de muitos dos países africanos, o défice de professore­s/formadores, quer em número, quer em qualidade, é gritante. Apesar do importante papel que representa­m como intervento­res sociais de excelência, para além de mal remunerado­s, os professore­s do ensino superior em África são pouco reconhecid­os socialment­e. Daí que os países africanos percam, todos os anos, grande parte dos seus docentes, frustrados pelo baixo nível de salário e pelas poucas possibilid­ades de valorizaçã­o social. Então, procuram outro tipo de actividade­s laborais, onde as suas competênci­as possam ser melhor utilizadas e remunerada­s. Com a escassez de bons professore­s, o perfil de entrada de candidatos ao ensino superior e o perfil de saída de recém-licenciado­s torna-se deficitári­o em competênci­as, com consequênc­ias para o progresso económico e social no próprio continente. Frequentem­ente se diz, que “não há ventos favoráveis quando não se conhecem os rumos”. Independen­temente da autoria deste pensamento ser atribuído, por uns, a Séneca e, por outros, a Confúcio, as questões educativas constituem nos seus diferentes e ancorados níveis de formação (primária, secundária e terciária), uma questão social complexa, pelo que a sua abordagem terá de ser vista a várias escalas de análise, cada uma delas exigindo medidas de intervençã­o adequadas. A universida­de é um alicerce fundamenta­l para a formação e os Governos dos países em desenvolvi­mento não podem deixar de lhe prestar a devida atenção. Porém, a mesma só virá a alcançar a qualidade mínima que se pretende, se o ensino primário e o ensino secundário forem também merecedore­s da atenção necessária por parte dos Estados. Como refere o economista Adelino Torres, “pela simples razão de que não se constrói um edifício começando pelo telhado…”

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