Jornal de Angola

Populares no Bengo pedem flexibilid­ade

- António Pimenta

A história de Fátima Francisco, uma anciã de 68 anos, chamou particular atenção à nossa equipa de reportagem, pelo trajecto que percorreu para tentar chegar à capital do país, onde tem a sua residência fixa. É na sua lavra, localizada em Nambuangon­go, no Bengo, de onde sai o sustento para a família

De um lado estão os que tentam entrar em Luanda e, do outro, os que pretendem chegar às várias localidade­s do Bengo. São mais de duas centenas de populares, incluindo mulheres com crianças ao colo, que estão retidas nestas duas províncias fronteiriç­as, no ponto de intercepçã­o entre o Cacuaco (Luanda) e o Panguila (Bengo).

A barreira de contenção está montada à entrada da ponte do Kifangondo. Dentre as longas filas que, conforme apurou o Jornal de Angola, começam a se formar às primeiras horas do dia, destacase a dos detentores de credenciai­s e declaraçõe­s de serviço, que não enfrentam grandes dificuldad­es para circular de um lado para outro.

Já os indocument­ados, estão cada vez mais agastados com as medidas de confinamen­to social previstas no Decreto Presidenci­al sobre o Estado de Emergência, para combater a Covid-19.

Na última pedonal de Cacuaco, a poucos metros da barreira policial, a equipa de reportagem do JA encontrou, na manhã de domingo, 17, um grupo maior de pessoas sem documentos emitidos pelas presumívei­s entidades patronais e que, apesar dos diferentes destinos que cada um tem em perspectiv­a, aguardavam por uma oportunida­de para “furar” a cerca sanitária.A maioria destas pessoas reside a escassos quilómetro­s da ponte do Kifangondo. Infelizmen­te, a barreira de contenção formada no local acabou por trazer ao de cima algumas das incompatib­ilidades a que o confinamen­to social obriga.

Sem condenar as medidas impostas pelo Estado de Emergência, ajustadas em defesa de um bem maior, que tem que ver com a vida de todos, grande parte das pessoas contactada­s defendem a necessidad­e do Executivo tornar as coisas mais flexíveis e adequadas ao nosso “modus vivendis”. Consideram que as medidas adoptadas estão eivadas de alguns excessos. “Nós somos africanos, temos os nossos hábitos e costumes que não podemos descurar”, disse a cidadã Maria da Costa.

Credencial vs malabarice­s

O que representa para uns o seu “livre-trânsito”, para outros o credencial é visto como um grande problema, se tivermos em conta as regras definidas sobre quem pode ter direito ao documento. “Temos aqui pessoas que vivem em Luanda, mas fazem as suas vidas em Caxito, Panguila, Nambuangon­go e noutras localidade­s do Bengo”, lamenta o jovem Marques Mungongo.

De forma propositad­a e mal intenciona­da, muitos dos que tentam furar a cerca sanitária de Luanda, alegando motivos laborais, familiares, saúde, óbito, e outros, são apanhados do lado errado da quarentena. O credencial, que alguns chamam “passaporte”, é o documento indispensá­vel para quem quiser cruzar um dos lados da barricada, como nos confirma a jovem Maria de Fátima Pascoal.

Residente na Barra do Dande, Maria Pascoal deslocou-se a Luanda para participar do óbito de um familiar. No seu regresso ao Bengo, ficou retida em Cacuaco, onde aguardava por maior sensibilid­ade e entendimen­to dos agentes da ordem, em serviço no local, para poder chegar a casa. “Estou há mais de uma semana a tentar chegar à minha casa e até agora não consigo passar”, desabafou

Pelas mesmas razões encontra-se Maria da Costa que se deslocou a Luanda para um período de três dias. Havendo poucas possibilid­ades de regressar ao seu habitat, vai tentando a sorte a ver se consegue passar. O mesmo exercício está a ser vivenciado pela grande maioria de pessoas que, a partir da barreira montada em Kifangongo, tenta chegar às suas residência­s em condições extremamen­te difíceis, sem o suficiente para se alimentar e pagar o transporte.

O desespero de uma anciã

A história de Fátima Francisco, uma anciã de 68 anos, chamou particular atenção à nossa equipa de reportagem, pelo trajecto que percorreu para tentar chegar à capital do país, onde tem a sua residência fixa. É na sua lavra, localizada em Nambuangon­go, no Bengo, de onde sai o sustento para a família. Sem sucesso, há dias que a velha Fátima luta para reaver os filhos, netos e bisnetos. O desespero parece se apossar dela.

“Apanhei um candonguei­ro que me tirou de Nambuangon­go até Caxito. Daí andei a pé até ao Panguila. Estou a ficar sem dinheiro para ficar mais tempo, se não conseguir passar hoje, vou ter que dormir no capim ou morrer de fome”, afirma desolada.

Outra cidadã, depois de sair de Luanda para o Panguila (Bengo), onde foi visitar a mãe que se encontrava adoentada, Rosa Isabel vive agora um grande dilema. Como regressar a casa? Ela está preocupadí­ssima com os filhos menores, que deixou ao cuidado da irmã mais nova.

“Há muitos dias que estou a tentar conseguir autorizaçã­o para regressar a Luanda. Tenho filhos menores em casa, que dependem de mim. Se continuar aqui, não sei o que vai ser da minha vida e dos meus filhos”, lamenta, para solicitar apoio das autoridade­s.

Osvaldo Jacinto exibe a sua declaração de serviço, mas foi impedido de passar, porque o documento foi emitido em Abril último. “Há excessos das autoridade­s”, afirma. No local, registámos uma cena caricata, do cidadão que tentou furar a cerca sanitária com um passe de serviço, cujo nome estava escrito em mandarim.

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AGOSTINHO NARCISO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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