Populares no Bengo pedem flexibilidade
A história de Fátima Francisco, uma anciã de 68 anos, chamou particular atenção à nossa equipa de reportagem, pelo trajecto que percorreu para tentar chegar à capital do país, onde tem a sua residência fixa. É na sua lavra, localizada em Nambuangongo, no Bengo, de onde sai o sustento para a família
De um lado estão os que tentam entrar em Luanda e, do outro, os que pretendem chegar às várias localidades do Bengo. São mais de duas centenas de populares, incluindo mulheres com crianças ao colo, que estão retidas nestas duas províncias fronteiriças, no ponto de intercepção entre o Cacuaco (Luanda) e o Panguila (Bengo).
A barreira de contenção está montada à entrada da ponte do Kifangondo. Dentre as longas filas que, conforme apurou o Jornal de Angola, começam a se formar às primeiras horas do dia, destacase a dos detentores de credenciais e declarações de serviço, que não enfrentam grandes dificuldades para circular de um lado para outro.
Já os indocumentados, estão cada vez mais agastados com as medidas de confinamento social previstas no Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência, para combater a Covid-19.
Na última pedonal de Cacuaco, a poucos metros da barreira policial, a equipa de reportagem do JA encontrou, na manhã de domingo, 17, um grupo maior de pessoas sem documentos emitidos pelas presumíveis entidades patronais e que, apesar dos diferentes destinos que cada um tem em perspectiva, aguardavam por uma oportunidade para “furar” a cerca sanitária.A maioria destas pessoas reside a escassos quilómetros da ponte do Kifangondo. Infelizmente, a barreira de contenção formada no local acabou por trazer ao de cima algumas das incompatibilidades a que o confinamento social obriga.
Sem condenar as medidas impostas pelo Estado de Emergência, ajustadas em defesa de um bem maior, que tem que ver com a vida de todos, grande parte das pessoas contactadas defendem a necessidade do Executivo tornar as coisas mais flexíveis e adequadas ao nosso “modus vivendis”. Consideram que as medidas adoptadas estão eivadas de alguns excessos. “Nós somos africanos, temos os nossos hábitos e costumes que não podemos descurar”, disse a cidadã Maria da Costa.
Credencial vs malabarices
O que representa para uns o seu “livre-trânsito”, para outros o credencial é visto como um grande problema, se tivermos em conta as regras definidas sobre quem pode ter direito ao documento. “Temos aqui pessoas que vivem em Luanda, mas fazem as suas vidas em Caxito, Panguila, Nambuangongo e noutras localidades do Bengo”, lamenta o jovem Marques Mungongo.
De forma propositada e mal intencionada, muitos dos que tentam furar a cerca sanitária de Luanda, alegando motivos laborais, familiares, saúde, óbito, e outros, são apanhados do lado errado da quarentena. O credencial, que alguns chamam “passaporte”, é o documento indispensável para quem quiser cruzar um dos lados da barricada, como nos confirma a jovem Maria de Fátima Pascoal.
Residente na Barra do Dande, Maria Pascoal deslocou-se a Luanda para participar do óbito de um familiar. No seu regresso ao Bengo, ficou retida em Cacuaco, onde aguardava por maior sensibilidade e entendimento dos agentes da ordem, em serviço no local, para poder chegar a casa. “Estou há mais de uma semana a tentar chegar à minha casa e até agora não consigo passar”, desabafou
Pelas mesmas razões encontra-se Maria da Costa que se deslocou a Luanda para um período de três dias. Havendo poucas possibilidades de regressar ao seu habitat, vai tentando a sorte a ver se consegue passar. O mesmo exercício está a ser vivenciado pela grande maioria de pessoas que, a partir da barreira montada em Kifangongo, tenta chegar às suas residências em condições extremamente difíceis, sem o suficiente para se alimentar e pagar o transporte.
O desespero de uma anciã
A história de Fátima Francisco, uma anciã de 68 anos, chamou particular atenção à nossa equipa de reportagem, pelo trajecto que percorreu para tentar chegar à capital do país, onde tem a sua residência fixa. É na sua lavra, localizada em Nambuangongo, no Bengo, de onde sai o sustento para a família. Sem sucesso, há dias que a velha Fátima luta para reaver os filhos, netos e bisnetos. O desespero parece se apossar dela.
“Apanhei um candongueiro que me tirou de Nambuangongo até Caxito. Daí andei a pé até ao Panguila. Estou a ficar sem dinheiro para ficar mais tempo, se não conseguir passar hoje, vou ter que dormir no capim ou morrer de fome”, afirma desolada.
Outra cidadã, depois de sair de Luanda para o Panguila (Bengo), onde foi visitar a mãe que se encontrava adoentada, Rosa Isabel vive agora um grande dilema. Como regressar a casa? Ela está preocupadíssima com os filhos menores, que deixou ao cuidado da irmã mais nova.
“Há muitos dias que estou a tentar conseguir autorização para regressar a Luanda. Tenho filhos menores em casa, que dependem de mim. Se continuar aqui, não sei o que vai ser da minha vida e dos meus filhos”, lamenta, para solicitar apoio das autoridades.
Osvaldo Jacinto exibe a sua declaração de serviço, mas foi impedido de passar, porque o documento foi emitido em Abril último. “Há excessos das autoridades”, afirma. No local, registámos uma cena caricata, do cidadão que tentou furar a cerca sanitária com um passe de serviço, cujo nome estava escrito em mandarim.