Angola e a gestão da crise pandémica
Com 60 casos confirmados, três óbitos, 18 recuperados e 39 activos, números registados até ontem, Angola figura na lista dos países que têm feito uma gestão qualificada como sendo surpreendente e extremamente positiva da crise pandémica provocada pelo novo coronavírus.
Esta avaliação é ainda mais realçada pelo facto de o país possuir um sistema sanitário com fragilidades visíveis a olho nu, como resultado da falta de políticas coerentes e acertadas de investimento no sector da saúde, que, ao longo de décadas, foi dos que também ficou severamente assolado pelo fenómeno da corrupção, deixando na sua passagem um rasto de devastação tal qual uma tempestade.
O ponto-chave desse trabalho, que permitiu os sucessos até agora obtidos, residiu na decisão, tomada em tempo útil, de fechar todas as fronteiras nacionais e controlar, a partir daí, a entrada de todos os passageiros, que, a título excepcional, foram chegando ao país. O abandono da opção pela quarentena domiciliar e a implementação, apenas, da quarentena institucional, foi outra das decisões que, aconselhada pela realidade dos factos, concorreu para se evitar que a situação escapasse do controlo das autoridades. Em tempo de balanço daquilo que tem sido a gestão da crise pandémica, o que todo mundo pode constatar é que comportamentos que já se adivinhavam são precisamente os que estão na origem de 57 dos 58 casos confirmados de Covid-19 no país.
A grande incógnita reside em relação ao paciente de 82 anos, regressado de Portugal em Fevereiro, cujo falecimento a Comissão Multissectorial de Prevenção e Combate à Covid-19, na voz do secretário de Estado Franco Mufinda, deu a conhecer segundafeira (18.05), na habitual conferência de imprensa diária que tem sido realizada para informar o público em geral sobre a evolução da pandemia no país. Um caso, portanto, fora do quadro dos chamados “voos críticos” (dos dias 17 e 18 de Março) e que, por isso mesmo, está a merecer investigação.
Assunto que, pela sua especificidade, interessa não apenas às autoridades sanitárias angolanas. As hipóteses em equação, que não excluem pesquisa exaustiva sobre o período de latência do vírus no paciente em causa e, concomitantemente, a possibilidade de Angola estar diante de transmissão comunitária, são razões mais do que suficientes para não se relaxar nas medidas de prevenção e combate ao novo coronavírus. Ficar em casa, lavar sempre as mãos com água e sabão, usar sempre a máscara, observar o distanciamento físico e evitar deslocações desnecessárias são recomendações, mesmo em tempo de aligeiramento das medidas de confinamento, no âmbito do Estado de Emergência, e mesmo que esse estado de excepção venha a ser levantado e passar a vigorar o Estado de Calamidade Pública.
É preciso entender que o conjunto dessas medidas visa salvaguardar a vida das pessoas; visa salvaguardar a economia nacional. Ou seja, visa salvaguardar a capacidade produtiva nacional. A protecção dessa capacidade não deve ser vista na perspectiva apenas de manter intactas as infra-estruturas, até porque não se põe o caso. A questão está em evitar perdas humanas que podem condicionar a reactivação da economia nacional e o alcance dos níveis de produção pré-pandemia.
A Covid-19 tem estado a provocar danos severos no tecido social dos países fortemente afectados pela enfermidade, tanto que, nalguns casos, pode haver sectores que, no imediato, se vão ressentir da falta de pessoal com know-how para voltar a laborar como antes.
As grandes pandemias, e até mesmo as epidemias e as pestes que só atingem animais, sempre tiveram, na história, repercussões sociais, económicas e também políticas. Com a Covdi-19, o cenário não está a ser diferente. Estão já instaladas mudanças no comportamento humano, com consequências no plano social, particularmente, no que diz respeito aos afectos. No plano económico, fala-se no fim da globalização e vamos vendo o surgimento de uma tendência dos países fecharem-se mais em si mesmos, procurando reactivar primeiro a economia nacional, impondo restrições aos produtos de fora, pois todos precisam de voltar a ganhar fôlego.
No panorama político-económico internacional está a crescer, nos países ocidentais, e muito particularmente nos Estados Unidos, a tendência, que já vinha de trás, de rejeitar produtos da China e de estigmatizar este país. Os ventiladores e as máscaras que ontem foram comprados às pressas à China hoje já não servem e apresentam defeitos.
Como nota de rodapé, vale recordar que, entre 1888 e 1897, a peste bovina africana matou 90 por cento do gado no continente, deixando vastas comunidades do sudeste e sudoeste de África e da África Ocidental literalmente devastadas, com consequências como a fome, o colapso das sociedades e a migração de um grande número de refugiados que abandonaram as áreas afectadas. Isso facilitou a expansão colonial. Se na década de 1870 apenas 10 por cento do território africano estava sob controlo europeu, como resultado disso em 1900 essa cifra passou para 90 por cento.