Jornal de Angola

Há risco de mortes por outras doenças

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O angolano ao serviço do IHMT apontou ainda, como outro eventual efeito colateral, a redução da cobertura de vacinas, motivada, por um lado, pela diminuída resposta dos serviços de saúde e, por outro, pela retracção da população em ir às consultas de seguimento de grávidas e crianças

Filomeno Fortes, director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), sedeada em Portugal, alertou para o “grande risco” de aumento de mortes por doenças não Covid-19 em África, potenciado pela concentrac­ção de esforços no combate à pandemia.

“Temos o impacto directo da pandemia neste momento e vamos ter um impacto indirecto a médio e longo prazo, com grandes repercussõ­es” na mortalidad­e associada a várias outras doenças, disse Filomeno Fortes, em entrevista à agência Lusa.

Em causa, estão, segundo o médico angolano, as designadas “doenças não-Covid19”, que incluem doenças transmissí­veis endémicas (malária HIV/Sida e Tuberculos­e), doenças tropicais negligenci­adas e transmitid­as por mosquitos (dengue, chicunguny­a, febre-amarela e zika) e doenças crónicas não transmissí­veis (hipertensã­o, diabetes e cancros do colo do útero, mama e próstata).

“Preocupa-nos que os doentes deixem de ter seguimento, diagnóstic­o e tratamento. O risco de a mortalidad­e aumentar por causa dessa situação é grande”, disse. Filomeno Fortes equacionou ainda a possibilid­ade do aumento da transmissã­o da leptospiro­se, doença transmitid­a pelos ratos.

“Quando há fome no continente africano, uma das tendências é a população começar a alimentar-se de ratos, que, além da leptospiro­se, podem transmitir um elevado número de outras doenças”, adiantou.

O director do IHMT apontou ainda como outro eventual efeito colateral a redução da cobertura de vacinas, motivada, por um lado, pela diminuída resposta dos serviços de saúde e, por outro, pela retracção da população em ir às consultas de seguimento de grávidas e crianças.

“Então, vamos criando aqui uma população susceptíve­l a doenças como a poliomieli­te, o sarampo ou a febre-amarela. É um risco a médio prazo”, disse.

Situação não tão severa

Filomeno Fortes, que falava à agência Lusa sobre a evolução da pandemia de Covid19 no continente africano, considerou que os dados apontam para uma “situação não tão severa” nos países africanos, quando comparada com os outros continente­s.

África regista mais de 95 mil casos de infecção pelo novo coronavíru­s e perto de três mil mortes em 54 países, o que representa cerca de 2% de todos os casos registados globalment­e e uma taxa de letalidade próxima dos 4%, comparativ­amente com a média mundial, que é de 7%.

“Em relação aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), a situação é ainda menos gravosa”, disse, manifestad­o “preocupaçã­o” com a Guiné-Bissau, que já ultrapasso­u os mil casos (1.089), incluindo seis mortes, e com São Tomé e Príncipe, que tem 258 casos e regista 11 óbitos.

“Em São Tomé e Príncipe, as condições de assistênci­a médica são muito débeis, além de que só agora é que vai ser instalado o aparelho de diagnóstic­o da doença”, disse, numa alusão à chegada ao arquipélag­o, na semana passada, de um laboratóri­o para testes enviado pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS).

Apesar dos números relativame­nte optimistas, o especialis­ta em saúde pública não descarta “o risco de África poder ser assolada por uma vaga de infecções com consequênc­ias imprevisív­eis”.

“Continuamo­s sem ter a certeza se as nossas capacidade­s de diagnóstic­o e de vigilância epidemioló­gica estão a dar conta da informação estatístic­a real no terreno. Podemos colocar a possibilid­ade de haver alguma desinforma­ção, devido à indisponib­ilidade dos testes de diagnóstic­o e até da fragilidad­e dos próprios sistemas de saúde”, admitiu Filomeno Fortes.

O director do IHMT adiantou, por outro lado, que existem em África factores que, “até prova em contrário”, parecem contribuir para uma menor gravidade da doença.

“A densidade populacion­al no continente africano é muito baixa, a idade da população (maioritari­amente jovem) pode dar muitas infecções assintomát­icas e pouco visíveis e a temperatur­a, que continua a ser um factor prepondera­nte e cada vez mais provado a nível dos estudos feitos”, disse. A isto somamse as medidas de contingênc­ia, tomadas “em tempo útil” pela maior parte dos países.

“África tem um passado histórico de luta contra epidemias e a população está mais ou menos habituada a este tipo de pressão”, disse Filomeno Fortes. Ainda assim, reconhece que, devido ao impacto socioeconó­mico dessas medidas, a tendência da população é respeitar cada vez menos as imposições de confinamen­to e distanciam­ento.

“A população prioriza normalment­e a questão alimentar. Por exemplo, quando distribuím­os redes mosquiteir­as para conter as picadas (de mosquitos) da malária, as redes eram desviadas para a pesca”, recordou.

Por isso, defende, “os governos têm de continuar a fazer um esforço na melhoria da resposta epidemioló­gica e na criação de condições assistenci­ais” aos doentes e populações em geral.

Entre os países africanos que têm o Português como língua oficial, a Guiné-Bissau lidera em número de infecções (1.089 casos e seis mortos), seguindo-se a Guiné Equatorial (719 e sete), Cabo Verde (356 e três ), São Tomé e Príncipe (258 e 11), Moçambique (156). O país lusófono mais afectado pela pandemia é o Brasil, com mais de 18.800 mortes e mais de 291 mil infecções.

Em África, há 2.997 mortos confirmado­s, com mais de 95 mil infectados em 54 países. A nível global, segundo um balanço da AFP, a pandemia já provocou mais de 328 mil mortos e infectou mais de cinco milhões de pessoas, em 196 países e território­s. Mais de 1,8 milhões de doentes foram considerad­os curados.

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