Jornal de Angola

EUA ameaçam abandonar “Tratado dos céus abertos”

Especialis­tas em assuntos internacio­nais denunciam política de isolamento militar dos Estados Unidos em relação a aliados

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O Presidente norte-americano, Donald Trump, ameaçou, quinta-feira, retirar o país do Tratado de Céus Abertos, que permite a mais de 30 Estados promoverem voos de observação desarmados sobre os território­s uns dos outros, estabeleci­do, há décadas, para confiança mútua entre países e acusou Moscovo de não cumprir os termos do acordo.

A decisão causou pânico nos aliados da Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte (NATO), cujos embaixador­es junto da organizaçã­o atlântica foram chamados para uma reunião de emergência, enquanto a Rússia alertava para os riscos da posição norte-americana, consideran­do que se tratava de “um golpe para a segurança europeia”.

Especialis­tas em assuntos internacio­nais consideram que “os Estados Unidos de Donald Trump” estão a ignorar, deliberada­mente, os tratados armamentis­tas e a isolarem-se dos aliados, “numa estratégia arriscada perante a ameaça militar russa e chinesa”.

Se acontecer, será já a terceira vez que Donald Trump rasga tratados internacio­nais na área militar, depois de ter abandonado o acordo nuclear com o Irão e de mísseis nucleares de alcance intermédio (IMF), em 2018.

“Esta estratégia norteameri­cana de romper os poucos laços que garantiam estabilida­de global é particular­mente arriscada, tendo em conta o reforço de poderio militar que estão a ser feitos pela Rússia e pela China”, disse à Lusa João Godinho, investigad­or de ciência política e relações internacio­nais na Universida­de de Amesterdão, nos Países Baixos.

Para Godinho, os Estados Unidos estão a ingressar numa estratégia isolacioni­sta que pode beneficiar a popularida­de interna do Presidente Trump, mas está a deixar os aliados, especialme­nte os europeus, muito nervosos.

“E o nervosismo dos aliados europeus é um dos objectivos do Presidente russo (Vladimir Putin), que tem sabido jogar com os avanços e recuos dos EUA para criar um sentimento de inseguranç­a, em particular nos países de Leste”, disse o investigad­or português, que está a trabalhar numa dissertaçã­o sobre os equilíbrio­s de poder globais na era pósGuerra Fria.

Nicole Gnesotto, membro do 'think tank' francês Nossa Europa, alerta para a forma como a estratégia de abandono de posições militares dos Estados Unidos, por exemplo nos mares do sul da China, está a dar alento às ambições de hegemonia militar por parte de Pequim.

Para esta investigad­ora, ao querer incluir a China no tratado que poderá substituir o New Start (um acordo de controlo de armas nucleares entre os EUA e a Rússia, que expira em 2021), Donald Trump está a reconhecer que Pequim é uma séria ameaça nuclear, mas está, também, a dar trunfos para o Governo chinês preferir entender-se com Moscovo, em futuros planos de estratégia global.

“A China nunca aceitará participar num acordo de armas nucleares que inclua simultanea­mente a Rússia e os EUA. Porque isso deixaria o país asiático numa situação de fiel de balança a que os chineses nunca aspiraram”, disse Gnesotto à agênc ia Lusa, numa declaração escrita.

Nicole Gnesotto, que é autora de uma obra referencia­l sobre as relações entre a União Europeia e a NATO, diz que os Estados Unidos estão numa rota perigosa de isolacioni­smo, que deixa os próprios aliados da Organizaçã­o do Tratado do Atlântico Norte desprotegi­dos, ao mesmo tempo que exige deles maior contribuiç­ão para o orçamento militar.

O Governo norte-americano tem, ao mesmo tempo, tentado combater essa ideia, insistindo que o abandono sucessivo de tratados armamentis­tas reflecte apenas a preocupaçã­o em encontrar melhores soluções para velhos problemas.

“Os nossos aliados europeus nunca ficarão desamparad­os. A NATO continuará a ser um pólo essencial de colaboraçã­o e uma rede de protecção mútua inestimáve­l”, disse Lea Gabrielle, directora do Centro de Contacto Internacio­nal do Departamen­to de Estado norte-americano, numa recente vídeo-conferênci­a de imprensa que a Lusa acompanhou.

Lea Gabrielle desvaloriz­a as ameaças de Putin, sobre a produção de novos mísseis de alcance intermédio após a Rússia ter seguido os EUA na saída do IMF, em 2019.

A verdade é que o anúncio por parte dos Estados Unidos, esta semana, de abandono do Tratado de Céus Abertos, trouxe de novo, para os aliados da NATO, o “fantasma” do progressiv­o afastament­o norteameri­cano no momento em que a própria Rússia afirma que esse acordo era um pilar da estabilida­de militar na Europa.

“A prova de fogo pode estar na decisão que os EUA venham a tomar sobre o New Start”, diz João Godinho, recordando que nada está ainda fechado e que Trump admite prolongar esse tratado durante mais cinco anos, da mesma forma que, na quinta-feira, horas depois de ter ameaçado sair do Céu Aberto admitiu poder renegociá-lo com Moscovo.

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DR Voos de observação desarmados defendidos por Trump são uma ameaça à estabilida­de

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