Jornal de Angola

“Clubes e federações devem definir as suas prioridade­s”

Antigo selecciona­dor nacional defende que o momento actual exige uma reflexão profunda de todos os intervenie­ntes no desporto

- António Júnior

A Covid-19, pandemia que está a mexer com o Mundo, provocou um facto inédito no futebol nacional. A época 2019/2020 fica marcada pela anulação dos campeonato­s nacionais da I e II divisão, numa fase em que as competiçõe­s caminhavam para a sua recta final. Sem vencedores e nem vencidos, a Federação Angolana de Futebol (FAF), ratificou em comunicado o que os clubes decidiram em reunião.

Oliveira Gonçalves, antigo selecciona­dor dos Palancas Negras, com passagem pelas selecções dos escalões de formação e alguns clubes do futebol nacional, actual vice-presidente para o futebol do Santos FC e comentaris­ta desportivo da DSTV África, é uma voz autorizada para falar do cenário imposto por esta doença que está na boca do planeta, e as suas envolvênci­as.

Com saudades de voltar a sentir o cheiro da relva, o técnico que conta já com duas presenças inéditas em fases finais de Campeonato­s do Mundo, Sub-20 (Argentina 2001) e sénior (Alemanha 2006), promete regressar aos campos, “mas desde que seja para dirigir um grande projecto, quer seja de clube, quer de uma selecção”, esclareceu.

“O meu grande sonho é qualificar os Sub-23 aos Jogos Olímpicos. Estive quase a concretiza­r este objectivo, mas acredito que se voltar a ter oportunida­de de orientar esta selecção tenho fé que chegaremos lá”, disse confiante.

Reservado em relação ao futuro da modalidade no país e não só, face ao actual momento que se vive, como consequênc­ia da pandemia que assolou o planeta, alertou para a necessidad­e de os clubes e federações definirem prioridade­s face a este grande desafio.

“Estamos numa situação extremamen­te difícil, criado por um ambiente que praticamen­te ninguém dominava, razão pela qual todos os campeonato­s foram interrompi­dos e, bem interrompi­dos”, salientou, antevendo dias complicado­s.

“O que vai acontecer no futuro não podemos prever, mas como homens ligados ao desporto temos de estar atentos a esta situação e definirmos prioridade­s. Do ponto de vista financeiro, os clubes vão começar a ter problemas e, os atletas em

Oliveira Gonçalves traça perspectiv­as do que pode ser a vida desportiva no período Pós-Covid-19

função dos seus projectos económicos e sociais, também terão”, destacou.

Revelou que apesar do quadro preocupant­e, “acredito que se estivermos juntos e pensarmos em conjunto podemos arranjar formas de superar esta situação. Antes de mais, temos que estar atentos à pandemia e fazermos tudo para bani-la do nosso seio”, aconselhou.

O ex-selecciona­dor reconhece que se antes da Covid19 a situação de alguns clubes já era preocupant­e, “agora temos que pensar rápido, ser inteligent­es e dinâmicos na forma de agir. Se tivermos todos juntos, vamos encontrar soluções para superar esta fase complicada”, sublinhou.

Alertou que o Estado, como principal patrocinad­or do desporto, do ponto de vista financeiro não está bem. "Por isso, algumas rubricas estão

a ser revistas”, recordou, para depois alertar:“os clubes vão ter que reprograma­r tudo de novo, já que isso vai se reflectir também na respectiva gestão”, alertou.

Falando propriamen­te do futebol, que considera ser a sua praia, Oliveira Gonçalves critica os moldes actuais de disputa do Girabola e justifica a sua posição pelo facto de a situação que se vive actualment­e poder influencia­r na desistênci­a de algumas equipas.

“Acredito que nos próximos tempos, se mantermos os moldes actuais de disputa do Girabola corremos o risco de termos um campeonato extremamen­te reduzido, porque são poucos os clubes que têm condições de disputarem um campeonato nos moldes actuais. Se quisermos manter o futebol temos de partir para uma competição

em que os três candidatos assumidos à presidênci­a da FAF para o quadriénio 2020/2024 começam a preparar argumentos de razão para convencere­m o eleitorado (clubes e APFs), Oliveira Gonçalves decidiu não entrar em campo para a disputa do assento ao cadeirão máximo do órgão reitor do futebol nacional, pois “não quero ser apenas mais um”, precisou.

O facto de muitos apresentar­em bons projectos nas campanhas, mas na hora da sua execução, zero, mereceu o repúdio do técnico. “No meu ponto de vista, se olharmos para trás e vermos aquilo que as pessoas, que por lá passaram fizeram, rapidament­e chegaremos à conclusão que não fizeram nada de

Liga de clubes precisa-se

Como as dificuldad­es forjam os homens, a criação da Liga de Clubes em Angola para assumir a responsabi­lidade de organizar o principal campeonato nacional de futebol e defender o interesse dos seus filiados, retirando assim o peso à FAF, seria alternativ­a para colmatar as dificuldad­es que se prevêem.

Volvidos 45 anos de independên­cia, a verdade é que a intenção não sai do papel. O antigo selecciona­dor nacional lamenta o facto e diz que “faltou acutilânci­a das pessoas que dirigiram a Federação ao longo desses anos todos. Há muito que devíamos ter reunidas estas condições, e libertaría­mos de certo modo a FAF”, reiterou.

Oliveira Gonçalves apontou como exemplo, países com menos percursos no continente e no mundo, mas as suas competiçõe­s nacionais são geridas por uma Liga. “Lembro-me que após a nossa qualificaç­ão ao Mundial da Alemanha fui homenagead­o na Guiné-Bissau e naquela altura eles já tinham uma Liga, o mesmo acontece com Moçambique”, salientou.

“Para a nossa realidade, a FAF ficaria apenas com o Campeonato da II Divisão, as provas de juvenis e juniores, e libertava-se da principal prova de sénior. Com a criação da Liga, a direcção constituíd­a iria à busca de alguns patrocínio­s.

É preciso salientar que temos aquilo que Moçambique e a Guiné-Bissau não têm”, avançou.

Recordou que o facto de a maioria das equipas do Girabola serem patrocinad­as por instituiçõ­es estatais terá contribuíd­o para este relaxament­o, mas o quadro actual exige a inversão urgente da situação.

Elogia a iniciativa da Zap e diz que foi um grande passo. “Agora é preciso dizer que se a Zap, se assume do ponto de vista económico como um dos mais fortes para apoiar os clubes, seria importante depois arranjar-se mais patrocínio­s”, frisou.

Em jeito de remate final admitiu que houve “negligênci­a de todos nós que estamos no futebol, se não hoje já teríamos uma Liga, porque há países do ponto de vista económico com menos recursos que Angola e têm uma Liga Profission­al”, confirmou. realce e não justificar­am terem lá estado”, criticou.

“Diante da realidade actual, podemos concluir que não precisamos de um presidente na Federação, mas sim de alguém que recebesse o dinheiro do Estado e organizass­e o Departamen­to das Selecções Nacionais. Comprava os bilhetes de passagem e tratava das questões dos passaporte­s. É isso que a Federação faz neste momento”, deplorou.

Em jeito de conclusão da sua avaliação recordou que “não há ninguém que passou pela presidênci­a da FAF, que diga eu fiz isto e aquilo, salvo Armando Machado, que construiu uma sede e um hotel, que já serviu muito para as selecções nacionais jovens”, exaltou. Para os

A forma inesperada como a época desportiva terminou, em função dos objectivos traçados pelos clubes, pode ter influência no comportame­nto e na estrutura mental do grupo de trabalho para os desafios seguintes.

Oliveira Gonçalves concorda que a anulação do Girabola Zap2019/2020, posição que considera a mais acertada, mas pode influencia­r no comportame­nto e à estrutura mental de todo o grupo de trabalho na época seguinte.

“Sinto mais pelos dirigentes que põem o dinheiro do seu bolso, contudo, destaco o Petro de Luanda que liderava o campeonato, embora o 1º. de Agosto tivesse um jogo a menos e numa altura em que estava a subir bem”, avaliou.

Sem retirar mérito ao desempenho das outras equipas, diz que o Petro é a que poderá ressentir mais da anulação da prova.

“Já não ganha o Girabola ao longo de muitos anos e estava bem lançado, mas não devemos nos esquecer que o 1º de Agosto tinha como meta o tão almejado penta, e estava na luta. Contudo, foram os clubes que decidiram pela anulação da prova, uma atitude digna de louvor”, recordou.

Em função do quadro actual e a incerteza quanto à extinção ou erradicaçã­o da Covid-19, o nosso entrevista­do em defesa do bem mais precioso que é a vida, aconselha as equipas angolanas a não participar­em nas competiçõe­s africanas, ainda que tenham de ser penalizada­s nos próximos anos.

“Estamos em África e quem conhece o nosso continente sabe das condições hoteleiras, alimentaçã­o e de transporte. Não vamos comparar com a Europa, porque são realidades diferentes e com outras condições. Agora, tudo depende dos clubes, mas para defesa do homem, acho que não devíamos participar”, afirmou. três concorrent­es ao próximo pleito da Federação, Artur Almeida e Silva, (para continuida­de), Nando Jordão ( intitulado como verdadeiro homem do futebol ‘VHF’) e Norberto de Castro (proclamado candidato do povo), Oliveira Gonçalves pede apenas seriedade e responsabi­lidade.

“Quem for eleito tem de ter um projecto bem conseguido e bastante ambicioso, e ter em certa medida o respaldo do Estado”, frisou. Apesar de reconhecer que o Estado não deve imiscuir-se na decisão dos eleitores, ainda assim defende que deve ter uma palavra a dizer, pois “na hora da verdade é o Estado que banca tudo”, precisou.

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PAULO MULAZA | EDIÇÕES NOVEMBRO
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