Jornal de Angola

Testar, testar, testar, testar

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A passagem do Estado de Emergência para a Situação de Calamidade Pública não significa que terminou a luta contra a pandemia de Covid-19. Muito menos que essa luta tenha entrado na fase de abrandamen­to.

A transição de uma situação para outra resulta da necessidad­e de conciliar os interesses de manutenção das medidas de prevenção e combate ao novo coronavíru­s com os da imprescind­ível conveniênc­ia de se avançar para a reactivaçã­o da actividade económica, tendo em conta o quadro epidemioló­gico relativame­nte estável e satisfatór­io conseguido, fruto das primeiras e subsequent­es abordagens feitas com vista a suster o máximo possível o impacto da pandemia no país.

As medidas de desconfina­mento paulatino inscritas no âmbito da Situação de Calamidade Pública têm em conta a natureza peculiar da Sars-Cov-2. Trata-se de um vírus capaz de manter-se latente no organismo da pessoa infectada por um longo período. O tempo de 24 dias (quase um mês) é uma das informaçõe­s avançadas e os cientistas continuam debruçados a estudá-lo, o mais exaustivam­ente possível, para perceber muito do que ainda se desconhece e intriga o mundo, como é o facto de se admitir, agora, a hipótese de que ele possa ter estado presente na China, antes de Dezembro, e mesmo noutras latitudes, muito antes da detecção do primeiro caso e declaração da morte do primeiro paciente.

Por esta razão, entre nós, intrigante continua a ser o caso do paciente de 82 anos, vindo de Portugal em Fevereiro, que acabou por falecer apenas a meio do mês de Maio, abrindo a possibilid­ade de existência de circulação comunitári­a do vírus no país, uma vez que estava fora do controlo sanitário das autoridade­s. É, até agora, o único caso concreto existente em Angola, sobre o qual as autoridade­s continuam empenhadas em seguir os rastos de eventuais contágios resultante­s do contacto com o referido paciente.

A forma como o vírus se comporta e, sobretudo, o seu elevado grau de complexida­de, levaram já cientistas e a Organizaçã­o Mundial de Saúde a admitir que o mundo tem de se adaptar para conviver com a Covid-19 por um longo período de tempo.

Apesar de África estar a registar números surpreende­ntes na prevenção e combate ao novo coronavíru­s, números que estão muito longe da previsão apocalípti­ca, mantêm-se as apreensões em relação ao continente, não apenas pela fragilidad­e dos sistemas de saúde, mas agora, e em particular, pelo facto de ser baixa a capacidade de testagem da Covid-19. Esse facto, aliado às chamadas determinan­tes sócio-culturais, que induzem a comportame­ntos de risco, podem favorecer uma “propagação silenciosa” da pandemia, conforme admitem a OMS e especialis­tas.

A nova frente de batalha está, pois, na massificaç­ão dos testes e é também para este lado que Angola está a direcciona­r parte dos investimen­tos que tem vindo a fazer na aquisição de materiais de biossegura­nça. Já em Março, quando a pandemia tomou conta da Itália, o director geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, alertava o mundo para a necessidad­e de “testar, testar, testar”.

Com efeito, e porque uma pessoa pode ficar assintomát­ica durante um longo período de tempo e entretanto aparentar estar normal, a única forma de determinar se está contaminad­a é por via do teste, que permite descartar, em definitivo e num dado momento, dúvidas sobre o seu estado de saúde. E é num dado momento porque não é seguro que quem tenha testado negativo hoje não possa, uma semana depois, provavelme­nte testar positivo, dependendo naturalmen­te de vários factores, entre os quais a possibilid­ade de ter entrado em contacto com alguém infectado e a do seu grau de imunidade (não se confunda com a pretensa prerrogati­va para violar a cerca sanitária…), lhe resguardar ou não de uma eventual infecção.

Quer no plano das medidas sanitárias, quer no das disposiçõe­s administra­tivas, quer ainda no campo legislativ­o o Executivo, tem estado a fazer o melhor ao seu alcance para salvaguard­ar o bem mais precioso dos cidadãos: a vida. A força normativa dos factos criados pela pandemia da Covid-19 não se compadece com o imobilismo ou com formalismo­s susceptíve­is de pôr em causa todo o esforço de prevenir e combater enfermidad­e de tamanha dimensão e efeitos, reconhecid­amente um evento sanitário histórico pelos enormes prejuízos que está a causar ao mundo, e que aos políticos, e não só, também exige uma postura actuante, interventi­va, de permanente monitoriza­ção da situação, isenta de eventual responsabi­lização histórica por danos evitáveis.

Não admira que amanhã alguns políticos possam ser moralmente julgados por, à pala da pandemia, terem promovido, com as suas atitudes, um “genocídio camuflado” dos seus concidadão­s, exactament­e por terem olimpicame­nte ignorado os alertas para o perigo que a Covid-19 representa e não terem tomado as medidas mais consentâne­as para fazer face à situação, apesar de se saber que o seu país detém os recursos para tornar menos pesados os efeitos do ataque pandémico.

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