Jornal de Angola

E se Trump não estiver errado de todo?

- Adebayo Vunge

O aparecimen­to da Covid-19 e a sua disseminaç­ão à escala global, tornando-se o facto marcante deste ano quiçá desta terceira década do século XXI é um fenómeno incontorná­vel que afecta a segurança individual dos Estados e colectiva da Humanidade. Este novo inimigo comum tem vindo a suscitar vários irritantes na geopolític­a, tal é a dificuldad­e em lidar com ele, devido às suas consequênc­ias económicas e políticas.

Não podemos nos esquecer que este ano devem realizar-se as eleições presidenci­ais nos EUA e Donald Trump tem vindo a perder terreno para o seu adversário do Partido Democrátic­o, Joe Biden, o que gera sempre algum stress nas hostes do actual inquilino da Casa Branca.

Se a tentativa de Donald Trump, no quadro da guerra comercial entre os EUA e a China, forçar o envolvimen­to do Estado chinês no aparecimen­to do vírus, levantando as suspeições sobre uma tese conspirató­ria contra Pequim de criação laboratori­al da Covid-19 com fins inconfesso­s, não terá suscitado grande adesão, de resto descartada mesmo no seio da comunidade científica internacio­nal, incluindo a americana, o mesmo não poderá ser dito em relação à forma como a Organizaçã­o Mundial da Saúde tem vindo a lidar com a pandemia. Não obstante as incertezas, tem havido situações verdadeira­mente constrange­doras.

Primeiro foi a forma como a OMS lidou com as primeiras evidências e o prenúncio da gravidade da situação. Seguiramse questões protocolar­es, desde logo o uso ou não das máscaras. A utilização de determinad­os medicament­os terapêutic­os como o Iboprufeno, a cloroquina, os anti-retrovirai­s, a descoorden­ação para as pesquisas da vacina com vários países na corrida e a falta de cooperação, salvo raras excepções, etc, preenchera­m o cardápio das inconsistê­ncias da OMS.

De escândalo em escândalo, avançamos com os números do pico em África. E aqui, porque nos diz directamen­te respeito, seja pela ausência de estudos comprovado­s seja por razões que todos imaginamos mas raramente verbalizam­os, a verdade é que há uma visão de certo modo preconceit­uosa em relação ao continente africano onde, felizmente para nós, contra todos os prognóstic­os, a situação tem estado mais ou menos sob controle.

E, no lugar da Covid-19, o continente continua seriamente assolado por outras doenças endémicas que continuam a ceifar milhares de vidas mensalment­e. A situação é bastante preocupant­e no que tange à malária, facilitada­s pela pobreza assustador­a, ausência de salubridad­e e fragilidad­es institucio­nais num mix com as incapacida­des dos débeis sistemas de saúde, se é que os podemos classifica­r assim. É claro então que a capacidade de resposta ao serviço da Covid-19 deverá ser estendida urgentemen­te às demais endemias, mesmo que o problemama­ior esteja a montante.

A última gaffe da OMS foi a teoria dos assintomát­icos. Maria Van-Kherkof, chefe da Unidade de doenças emergentes da OMS afirmou há cerca de uma semana, em conferênci­a de imprensa o seguinte: “parece ser muito raro que uma pessoa assintomát­ica seja capaz de infectar um segundo indivíduo”. No dia seguinte, a OMS desdizia alegando ter sido um “mal-entendido”.

A Covid-19, como assinalámo­s inicialmen­te, está também a colocar a nu a necessidad­e de reformulaç­ão da OMS, no que o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves le Drian, chamou recentemen­te de um “novo multilater­alismo da saúde”.

“Sem dúvida há coisas a dizer sobre o funcioname­nto da OMS, talvez uma certa falta de reactivida­de, de autonomia em relação aos Estados, talvez uma falta de meios de detecção, de alerta e de informação, de capacidade reguladora”, afirmou o ministro francês durante uma audição no Senado daquele país europeu.

"Mas não é automatica­mente a responsabi­lidade dos actores da OMS, é também um problema intrínseco da instituiçã­o e acredito que a crise actual deveria nos permitir revisar o papel de cada uma das grandes instituiçõ­es que existem na actualidad­e", acrescento­u.

Um outro aspecto que chama a minha atenção é o facto de Anthony Fauci, um reputado imunologis­ta, ser um dos principais conselheir­os de Trump nesta fase actual. Isto salta à vista dos observador­es também em Portugal onde Pedro Simas ou Maria Manuel Mota tornaram-se vozes de referência. Em sentido contrário, é o que se passa no Brasil onde há um claro divórcio entre a ciência e a política. Bolsonaro não respeita os ditames da saúde pública e o resultado é o que se assiste actualment­e naquele país.

Obviamente, gostaria que a Comissão Interminis­terial tivesse um apoio mais efectivo ou quiçá mais visível da comunidade científica médica angolana, atestando também o alinhament­o destes às principais decisões pois, quando se falou sobre as possibilid­ades de mutação do vírus por cá, pela natureza dos casos, de facto ficou também clara a necessidad­e que há dos especialis­tas nacionais se pronunciar­em. E isso não é à Comissão Interminis­terial, é papel dos cientistas, mesmo que tenhamos poucos, é importante que os poucos tenham rosto e voz.

De resto, um recente estudo da OCDE colocou ênfase à necessidad­e dos Estados não só investirem para a sua autossufic­iência em matéria de bens de biossegura­nça, mas principalm­ente em termos científico­s, para que estes possam dar resposta aos problemas locais. A mutação do vírus tem de ser identifica­da pelos nossos especialis­tas, nos nossos laboratóri­os. Daí a urgência da nossa universida­de dar o salto, para lá do ensino. Daí a urgência em investirmo­s cada vez mais no ensino para que tenhamos cidadãos mais consciente­s e responsáve­is, melhores técnicos e mais cientistas. Ao invés de andar por aí a subsidiar e a dar incentivos, o Estado deveria utilizar estes recursos para a melhoria do ensino e na promoção dos serviços de saúde.

A situação é bastante preocupant­e no que tange à malaria, facilitada­s pela pobreza assustador­a, ausência de salubridad­e e fragilidad­es institucio­nais num mix com as incapacida­des dos débeis sistemas de saúde, se é que os podemos classifica­r assim. É claro então que a capacidade de resposta ao serviço da Covid-19 deverá ser estendida urgentemen­te às demais endemias, mesmo que o problemama­ior esteja a montante

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