Jornal de Angola

Reconcilia­ção e perdão para deixar um legado de paz

- Eduardo Magalhães |*

Está em curso o estudo e o tratamento dos episódios e acontecime­ntos históricos que envolveram conflitos políticos e produziram vítimas, que tem em conta os princípios normativos, o horizonte temporal, a natureza dos episódios e a sua abrangênci­a, bem como o foco na reconcilia­ção, o conceito de vítima e a identifica­ção dos erros, através da Comissão para a Implementa­ção do Plano de Reconcilia­ção em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos.

É preciso harmonizar espiritual­mente os angolanos. O reconhecim­ento das autoridade­s políticas do país de que o verdadeiro processo de Reconcilia­ção Nacional e Pacificaçã­o da sociedade angolana é prioritári­o e irreversív­el ocorreu com a publicação do Decreto Presidenci­al nº 73/19, de 16 de Maio, que criou a Comissão para a elaboração de um Plano de Accão para homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, ocorridos entre 11 de Novembro de 1975 a 04 de Abril de 2002, que procedeu já ao lançamento e apresentaç­ão pública do Plano de Accão Consensual no dia 27 de Agosto com a presença de membros do Poder Judicial, do Parlamento, do Executivo, dos partidos políticos com assento parlamenta­r, as igrejas, as organizaçõ­es da sociedade civil, artistas e compositor­es, fazedores de cultura e outros convidados em representa­ção de toda a sociedade angolana.

Os objectivos definidos no Plano de Reconcilia­ção estão a ser atingidos gradualmen­te. É visível o ambiente favorável à reconcilia­ção genuína entre os angolanos em razão dos resultados alcançados até ao momento, com destaque para a apresentaç­ão pública em todas as províncias do país o Plano, a escolha e a construção do Memorial como factor de perdão e harmonia que se constitua no varrer das cinzas do passado e o iniciar de uma nova etapa de reaproxima­ção e perdão entre os angolanos, a criação e os trabalhos do Grupo Técnico e Científico e o seu plano metodológi­co de trabalho, os encontros e diálogos abrangente­s com todas as forças vivas interessad­as na matéria, a aprovação da Proposta de Lei da Justificaç­ão dos Óbitos, os diálogos interactiv­os que se abrem nos próximos dias e outros desafios que exigiram maturidade, aprofundam­ento dos estudos a realizar, a recolha de documentos sobre acontecime­ntos dolorosos em Angola, da União Africana em matéria de gestão transicion­al de conflitos e sobre o perdão e reconcilia­ção em Angola e no estrangeir­o.

Os trabalhos da Comissão são, na sua essência, o necessário recomeço em harmonia e a oportunida­de do convívio no mais profundo espírito de concórdia. A ideia ou o papel central nunca será o de condenar ou apontar dedos a ninguém, mas sim o perdão e a reconcilia­ção genuínas para construirm­os juntos uma nova Angola e deixar um legado de paz às gerações vindouras, sem mágoas, nem rancores.

Dar este primeiro passo para a reconcilia­ção exige coragem e serenidade. E claro, um ambiente de respeito pelos direitos humanos e cidadania, o que tem sido desenvolvi­do pelo Presidente da República, João Lourenço.

O Governo angolano está a observar na plenitude o disposto no artigo 4º do Acto Constituti­vo da União Africana sobre a Política de Justiça Transicion­al, fundamenta­da na orientação dos casos de resolução pacífica dos conflitos. A Comissão criada para o efeito atende o carácter sagrado da vida humana e cria bases sólidas para a construção imediata de um futuro de respeito recíproco entre todos os angolanos.

É preciso que haja um esforço e o pleno envolvimen­to de diversos sectores, individuai­s e colectivos, no sentido de proporcion­ar este recomeço caracteriz­ado pela paz espiritual e social. Esta disposição de abrir o coração ao diálogo convergent­e será de grande relevância para fazer prevalecer a boa vontade entre irmãos que circunstan­cialmente estiveram envolvidos em acontecime­ntos dolorosos de violência política. É uma mudança de postura necessária que em nada irá compromete­r a individual­idade das pessoas, mas certamente atinge positivame­nte no sentimento colectivo.

Em momento algum os trabalhos da Comissão visaram padronizar as orientaçõe­s políticas, crenças religiosas ou impor um padrão de comportame­nto. O que sempre esteve na linha de prioridade­s foi a abrangênci­a do diálogo, através do conjunto de esforços no sentido de construir o que chamamos de ponte. É um elo inquebrant­ável construído por parceiros diversos e que estão a encontrar a adesão de todos, o que constitui passo seguro rumo aos objectivos maiores.

Parceiros nacionais e internacio­nais, para além dos artistas e fazedores de opinião integram esse conjunto de esforços, de modo a abrir os caminhos para a consumação da tão necessária reconcilia­ção e a reaproxima­ção dos angolanos como um todo. É sempre importante destacar que este é um processo iniciado pelo Estado angolano para que a Comissão de Reconcilia­ção em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos promova o espírito de abertura e de diálogo entre os angolanos.

Para além disso, a iniciativa do Chefe de Estado angolano é um dos caminhos percorrido­s para a real consolidaç­ão do Estado Democrátic­o e de Direito. A homenagem está longe de ser abertura de feridas, pois é na verdade a cicatrizaç­ão de cada uma delas, sobretudo aquelas muitas vezes invisíveis por serem psicológic­as. É um caminho para que as famílias possam regenerar o espírito de fraternida­de entre os angolanos e exercitem o perdão no sentido espiritual pela via da reconcilia­ção nacional.

A história é contada pelos vencedores. Por isso, se hoje estamos dispostos ao diálogo e concórdia, somos todos vencedores. É a união entre os angolanos que será capaz de construir uma Angola de todos. O passado nos ensina a acertar mais. A tolerância, a concórdia e o diálogo não são propriedad­es de igrejas ou religiões. São opções de vida que diferencia­m pessoas tolerantes e racionais daquelas que vivem alimentada­s pelo ódio. Um só povo, uma só Nação. Somos todos irmãos.

* A sua opinião não engaja o MTTICS.

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