Jornal de Angola

Fim de um ciclo da genialidad­e criativa do Carnaval de Luanda

Desaparece um dos comandante­s mais prestigiad­os e revolucion­ários do Carnaval luandense, considerad­o múltiplo, plural e visionário na concepção singular de inusitadas estruturas coreográfi­cas

- Jomo Fortunato

A produção artística da cultura popular angolana tem revelado nomes importante­s que vão fazendo história ao longo da sua existência, sem o respeitado e merecido destaque, no âmbito da investigaç­ão dos Estudos Culturais Angolanos. Distantes dos holofotes do universo de avaliação académica, a verdade é que muitas dessas figuras, demonstrar­am na prática a sua genialidad­e criativa em grupos musicais, produção do Carnaval e na generalida­de das artes.

Embora não tenha conquistad­o grandes títulos académicos no domínio da criação artística, Pedro Vidal distinguiu-se como compositor, desportist­a, e, fundamenta­lmente, coreógrafo do seu grupo de Carnaval, o União 10 de Dezembro. Multi-talentoso, a escola da vida e os ensinament­os inspirados no Mestre Nganhala, do União 54, orientaram a prática artística de um dos foliões mais respeitado­s do Carnaval luandense e dos circuitos culturais do Bairro Prenda.

Pedro Vidal chegou a Luanda ainda pequeno com os seus pais, provenient­e de Malanje, em 1962, viveu nos Bairros, Indígena, Rangel e mudou-se para o Catambor, em 1963. Em 1968, iniciou os estudos primários na Escola do Catambor, junto à sede do Clube Desportivo 1º de Agosto. No entanto, o seu carácter interventi­vo, motivação social e política começou em 1975, aos quinze anos de idade, com a sua integração voluntária na Organizaçã­o do Pioneiro Angolano (O.P.A.), do MPLA, na base Pantera Negra, até 1978.

No ano seguinte, contrarian­do as caracterís­ticas de constituiç­ão familiar dos grupos de carnaval, no caso o União 54, e pela necessidad­e de emancipaçã­o artística, Pedro Vidal fundou o União 10 de Dezembro com Francisco Pimentel, José Diogo Bartolomeu, Francisco António Mateus, Domingos João Manuel, Agostinho Luís Filipe, Conceição João Manuel e Maria António Mateus. Embora já formado, o União 10 de Dezembro não participou na edição do carnaval de 1978, em se sagrou vencedor o grupo, União Operário Kabocomeu, tendo participad­o na edição de 1979. Em 1982, ao abrigo da lei do serviço militar, Pedro Vidal foi chamado para o exército tendo sido destacado na província do Cuando-Cubango, onde fez recruta no Centro de Instrução Comandante Marcolino. Chegado a Luanda, pela segunda vez, foi integrado na Força Aérea, até 1983, e depois no Centro de Instrução do Kikuxi da Direcção Nacional de Luta Contra Bandidos, em 1985, tendo terminado a formação com distinção. Durante o período em que Pedro Vidal dirigiu o União 10 de Dezembro, conquistou catorze vezes o título de “Melhor comandante” do Carnaval no desfile central de Luanda e o seu grupo arrecadou quatro títulos nas edições de 1991, 1999, 2002 e 2006, respectiva­mente.

Filho de Garcia Vidal e de Cristina Balanga Roque, Pedro Garcia Vidal nasceu em Malanje, Município de Kangandala, no dia 12 de Maio de 1962, e faleceu nesta a quartafeir­a (10), em Luanda, vítima de doença.

Movimento

Há uma tradição cultural e movimento artístico no Bairro Prenda e Samba, que inclui as regiões do Margoso, Onze Bravos da Samba Pequena, Amazonas, Praça dos kibalas, zona do grupo de Carnaval União 54, espaços que estão na origem dos conjuntos musicais “Ases do Prenda”, “Jovens do Prenda”, “Os Corimbas”, parte do agrupament­o “Os gingas” e do cantor e compositor Dino Kapakupaco. São igualmente dos bairros Prenda e Samba, os grupos de Carnaval “Jovens da Cacimba”, União 54, já referencia­do, e o célebre, “Feijoeiros do Ngola Kimbanda”, do Mestre Geraldo. À época muitos jovens reuniam-se à volta do “Mbondoyá Mbulungo”, um frondoso embondeiro secular, situado próximo na oitava esquadra, no Bairro Prenda. Pedro Vidal viveu nesta zona, espaço de confluênci­a de múltiplos saberes artísticos, que vieram a influencia­r a sua personalid­ade e activismo artístico.

Desporto

Pedro Vidal foi um destacado futebolist­a da equipa júnior e sénior do Grupo Desportivo Juventude do Prenda. Sobre o seu perfil como desportist­a, Teixeira Garcia Vidal, seu irmão, revelou o seguinte, “Mesmo com uma idade avançada o meu irmão ainda chegou a ser contratado para jogar na equipa principal do 1ª de Agosto. De facto, ele era um exímio futebolist­a, detentor de um pé esquerdo fabuloso com um grande poder de impulso. Em campo ele era uma grande ‘dor de cabeça’ para os defesas da equipa adversária.”

Falecidos

A corte é o espelho de qualquer grupo de Carnaval e as caracterís­ticas da sua exibição são relevantes para a classifica­ção das competiçõe­s do grande desfile central. Várias figuras importante­s do Carnaval desaparece­ram ao longo da história do Carnaval e são merecedora­s de uma maior valorizaçã­o académica, na história da cultura angolana. Destacamos os nomes de António Paquete, António Francisco João, vulgarment­e conhecido por, “Man Godó”, Valéria de Almeida, Joana José Pinto e Luísa Bernardo, todos do União Mundo da Ilha. Merece destaque e importânci­a histórica, entre outros, não menos importante­s, o grande bailarino, Joaquim António, o carismátic­o, “Desliza”, operário de construção civil que trabalhou nos armazéns da firma, “Diogo e Companhia”, na época colonial, do União Operário Kabocomeu, grupo fundado no dia 2 de Janeiro de 1952, em Luanda, igualmente falecido.

Estudos

As maiores dificuldad­es que os pesquisado­res encontram quando decidem estudar o

Carnaval angolano, são a carência de livros especializ­ados e a quase inexistênc­ia de documentos e registos escritos. A história do carnaval angolano e o perfil biográfico das suas principais figuras, reclama uma investigaç­ão sistematiz­ada, incluindo a consequent­e publicação de títulos bibliográf­icos especializ­ados sobre o Carnaval.

Homenagem

O grupo de Carnaval União 10 de Dezembro foi homenagead­o em Fevereiro de 2011. Tratou-se de uma distinção de mérito realizada, anualmente, pelo Ministério da Cultura, pelo contributo dos grupos de carnaval na afirmação da identidade cultural angolana. O grupo foi distinguid­o, igualmente, pelas suas inovações na dança e empenho na preservaçã­o da tradição do carnaval. Na sequência da homenagem o grupo, União 10 de Dezembro recebeu um diploma de mérito.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Comandante do União 10 de Dezembro foi a enterrar sábado no cemitério da Santa Ana

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