“Sacudir” os sapatos para afastar a Covid-19
Uma das recomendações das entidades sanitárias nacionais e, inclusive, da Organização Mundial da Saúde (OMS) prendese com a particular atenção que se deve dar e ter com a higienização dos sapatos, por estar provado que, à falta de um eficiente controlo na utilização e preparação diária dos mesmos, podem ser fontes de contágio do novo coronavírus.
À saída e à chegada de casa devem ser lavados de modo que os engraxadores, no contacto com os clientes, são, particularmente, chamados a usar máscaras, luvas e álcool-gel, o que muitas vezes não acontece. Os que assim não cumprem ficam expostos a perigos de contracção do vírus, estendendo este melindre, também, aos clientes e vice-versa.
Por esta razão, o Jornal de
Angola saiu à rua e constatou que, entre alguns desses profissionais, há os que seguem à risca as recomendações de protecção e outros ainda alheios.
Hilário Matuva, 19 anos, sapateiro, exerce o ofício próximo à sede do Banco de Fomento Angola, na Maianga. Bieno, residente em Luanda há sete anos, onde chegou à procura de melhores condições de vida, não subestima as orientações das autoridades sanitárias.
“Vivo no Morro Bento e todas as manhãs chego aqui cedo, cumpro todos os cuidados recomendados. Faço isso já a partir dos táxis que apanho. Para vir aqui, não subo no táxi sem colocar máscara para proteger a boca e o nariz. E quando aqui chego, não aceito dar brilho aos sapatos dos clientes sem que falem comigo também protegidos”, conta
“As pessoas que procuram os meus serviços sem corresponder às minhas exigências, não atendo, não engraxo os sapatos. Uns compreendem e vão-se embora, outros teimam, mas não aceito mesmo”, disse.
Não muito longe de Hilário, defronte à dependência do Banco de Comércio e Indústria (BCI), na Maianga, está permanentemente uma fileira de engraxadores em que perfila Hélder António, 26 anos. “Diariamente, nos bons dias, chego a engraxar os sapatos de vinte e cinco a trinta clientes. Agora diminuiu um pouco, porque as pessoas estão a andar pouco devido à doença”, respondeu quando indagado sobre o número de pessoas que assentam os pés sobre a “caixa do seu sustento".
Conta que apenas desce à Baixa porque tem de lutar pela vida e, nesta luta, nestes tempos da Covid-19, fá-lo com a maior cautela possível. “O cabedal dos sapatos, atadores e a poeira que sacudimos, contendo vírus, podem ser perigosos. Uso máscara. Há quedes e sapatilhas que apenas trato com água e sabão”, esclareceu.
Alfredo Munzinzi, de 27 anos, engraxador na Baixa há sete anos, tem a noção das medidas de higienização e prevenção contra a Covid-19 e, por esta razão, agora acautela-se no dia-a-dia.
Confessa que não usava a máscara, nem gel ou recipiente com água e sabão para lavar as mãos. A responsabilidade pessoal antes e depois do seu labor é outra, nestes dias:”Eu, anteriormente, esquecia, inclusive, de lavar as mãos: Não estava preocupado. Sabia que a doença só estava a afectar as pessoas que viajaram para o exterior, eu nunca viajei”, explicou.
Questionado se tem conhecimento de que em Angola só há casos de transmissão local e, também, se não corria o mesmo risco no contacto diante de um cliente não precavido, Alfredo Munzinzi, de 27 anos, mostra-se surpreso e responde apenas que, de agora em diante, jamais abdicará das medidas de segurança e higienização pessoal e colectiva no seu trabalho e em casa, para onde regressa ao encontro da mulher e dois filhos, depois de tocar e engraxar dezenas de pares de sapatos de clientes desconhecidos e provenientes dos mais diversos bairros da cidade.
Desatento e negligente é Paulo Abreu, que montou o seu “posto de trabalho”debaixo da pedonal que fica a cerca de trezentos metros da passagem superior do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro.
Engraxador hábil, com pregões que se convertem em eficiente chamariz para clientes, vimo-lo na manhã fria de sábado a ganhar os seus “tostões”. É dos que, como se diz, leva dois ossos ao mesmo tempo: engraxador e sapateiro.
O seu primeiro cliente - mal pousou a caixa no banco protegido por um embondeiro que cresce com sinais de ser frondoso - desceu de um “candongueiro” (táxi) da rota Tourada-Rocha Padaria, como apregoava o cobrador, que o fez apear ali e receber a moeda que directamente atirou para o porta moeda, na ignorância de sequer ter algum “spray” para a desinfectar.Grave!
Com o rosto completamente desguarnecido, o passageiro, porque levava a mão à máscara, levantou primeiro o pé direito, pousou-o sossegadamente sobre a caixa, para que Paulo Abreu começasse o serviço.
O freguês, com a máscara arreada para baixo, entre os lábios e o queixo, permaneceu num silêncio tumular durante aproximadamente oito minutos. Jamais indagou pela máscara do jovem. Estava apenas preocupado com o “bolo” taxado para o engraxamento, com todos os perigos daí decorrentes.
O mais que, de facto, fez com entusiasmo e visível avidez, no final, foi isso mesmo: receber o que monetariamente lhe era devido. Uma moeda de 100 kwanzas que colou com cuidado na algibeira, para lá a ter em segurança. Essa mesma segurança que, também, devia obrigatoriamente demonstrar, com o uso de máscara, luvas e outros meios de higienização.
É esta falta de cuidados que se vislumbrou num velho sapateiro, Domingos Capaça, que se dedica a remendar sapatos a poucos metros da ex-praça da Tourada, no bairro Calemba.