Jornal de Angola

“Ar condiciona­do ” o filme de Fradique

- Tazuary Nkeita

Não sou especialis­ta nem adestrador de cães, mas aprendi desde pequeno a gostar destes animais e a tê-los em casa como fiéis amigos do homem. Eles adquiriam o estatuto de membros da família e recordo que tantos eram os cuidados que os talhos da época promoviam a venda de “carne para cão...”, como ingredient­es mais baratos para a sopa dos desgraçado­s...

O primeiro cão de que me lembro, foi o Bobby. Apesar de ter sido confiado a vizinhos que também o adoravam, morreu desgostoso,prematuram­ente e à porta de casa, depois que a família se transferiu de Luanda para Ndalatando, em 1963. Uma longa história...

Depois, veio o Beatle, um elegante galgo preto; a Boneca,uma cadela castanha de raça alemã...; até chegar o mais carismátic­o e o mais célebre: o Nokeite!

Para perceber a tamanha importânci­a que o Nokeite teve na hierarquia dos cães de família, basta verificar a semelhança do seu nome com “Nkeita”. E, está tudo dito! Era um recém-nascido chegado a casa,no longínquo ano de 1969.

O Nokeite é aquele cão de luxo que em Janeiro de 1980 teve a sua história publicada aqui no “Jornal de Angola”, antes de merecer honras no livro “A Voz do Dibengo”, quinze anos depois da sua morte. Foi unanimemen­te amado e respeitado até ao dia em que disse “Adeus, eu vou morrer...!”

E, como a história já foi escrita e bem guardada, vou contá-la sem plágio, como se fosse um «Conto da Infância e do Lar» dos Irmãos Grimm. É vulgar ouvir chamar «Cão, cadela, lambebotas...!» a quem se quer tratar com desdém, mas é injusto. Esses bichos não merecem epítetos tão pejorativo­s. Contrariam­ente ao cão vadio, são fiéis ao «dono» e adaptam-se às dificuldad­es de qualquer casa; e também sabem identifica­r os cheiros, aparência e falas mansas!

Alguém iria ser queimado... Na madrugada de uma segunda-feira, Nokeite farejou o perigo e, fazendo jus à caracterís­tica animal, evitou consequênc­ias trágicas.

Tudo isto aconteceu quando Nokeite começou a ladrar intensamen­te contra faíscas vindas de uma instalação eléctrica, ao lado de botijas de gás! As chamas iam na direcção fatídica, mas o minuto seguinte foi fatal. Imaginem um incêndio à madrugada!

Ao lado das botijas de gás, um cabo de luz cuspia faíscas assassinas na pior direcção. Em casa também vivia uma gata, a Maria, mas esta encolheu-se de medo receando o pior. Nokeite confirmou o perigo, encheu o peito de ar e antecipou-se a todos os cenários. Sabia que tinha de agir rápido, para evitar mortes. A sua pulsação aumentou e a temperatur­a também:

- Unhão, unhão, unhão! Acordem! Há sinais de perigo em casa...! -, e ladrou como nunca.

«Acordados pelo latir do cão, os donos da residência correram, atrás dele, até à cozinha, onde se surpreende­ram com a instalação eléctrica totalmente em brasa, enquanto a arca frigorific­a já ardia, parcialmen­te.»

E «foi assim que tudo aconteceu...!»

Após subir as escadas, o Nokeite arranhou a porta do quarto, entrou, saltou pelas camas como se tivesse o demónio no rabo e gemeu numa aflição incrível:

- Caim! Caim! Caim!

“Nem Caim, nem Abel! Os dois já morreram há milhares de anos, rua daqui!” – relata a página 32 do livro “A Voz do Dibengo”.

Mas o cão foi imparável e impression­ante...

- Caim!, Caim!, Caim..! -, se vocês não me ouvirem, vão morrer carbonizad­os!

«Foi aí que percebemos tudo. Orientando-nos pelas escadas abaixo, rumo à cozinha, o cão ladrou até às botijas de gás de 20 quilos, ameaçadas pelo fogo (naquele tempo ainda não havia as famosas botijas de 50 para uso doméstico) e prontas a explodir; além da arca já em chamas».

«Meu Deus! Vamos morrer, socorro !!!! », gritamos.

Naqueles anos, acreditamo­s que o incidente se deveu a um curto circuito provocado pela infiltraçã­o da água das chuvas. Nokeite tinha então 11 anos e, nessa noite de domingo para segunda-feira, havia pernoitado dentro de casa por causa das chuvas que assolavam a cidade de Luanda.

Nokeite, um verdadeiro herói para a família, morreu por velhice, com 17 anos, sem dentes e com o pêlo sem o brilho dos anos passados. Apesar de novas gerações e novos consulados terem ocupado as atenções da família depois da sua morte – recordando o Strapy, a Laika, o Astor, a Vénus, a Gata, o Goody e a Suchi - nenhum teve as suas qualidades inéditas.

Ao ser enterradon­o quintal, depois de embrulhado num lençol branco como prova de carinho, a família descobriu que a cova parecia ter “diamantes”. Era uma mina e foi fechada em segredo! Um tesouro inviolável por respeito à honra e à memória de um cão de família, o que nunca teria sido possível na lógica e no raciocínio de um cão vadio. A grande diferença entre uns e outros está aqui e o pacto secreto, então selado, poderá ser o tema para a próxima semana.

Alguém iria ser queimado... Na madrugada de uma segunda-feira, Nokeite farejou o perigo e, fazendo jus à caracterís­tica animal, evitou consequênc­ias trágicas. Tudo isto aconteceu quando Nokeite começou a ladrar intensamen­te contra faíscas vindas de uma instalação eléctrica, ao lado de botijas de gás! As chamas iam na direcção fatídica, mas o minuto seguinte foi fatal. Imaginem um incêndio à madrugada!

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