Relatos na 1ª pessoa
Para assinalar o Dia da Criança Africana, o Jornal de Angola oferece aos leitores depoimentos, na primeira pessoa, de jornalistas da casa, sobre a forma como têm estado a lidar com as suas crianças, nestes tempos de pandemia e de confinamento que obrigam
Em meio
à pandemia da Covid19, tendo sido o confinamento social uma das medidas impostas para conter a propagação da doença, a criação do “programa infantil Só Notícias” foi uma aprazível surpresa proporcionada pelas minhas filhas, Maweth e Márcia Martins, de 15 e oito anos. Determinadas em driblar o tédio, criaram a brincadeira nos primeiros dias da implementação do Estado de Emergência. Ambas aproveitavam os tópicos dos principais serviços noticiosos para montar o “programa”.
“Mamã e Papá, nós temos os dados do coronavírus. Não precisam mais de esperar pelo Telejornal”, disse a Márcia para chamar a nossa atenção.
Irrequieta, a Márcia tudo fez para ser a apresentadora. Sempre tranquila, Maweth assumiu a função de repórter. Apesar do lado engraçado do “programa”, aos poucos elas demonstraram um pouco do bichinho da minha profissão.
Depois de 20 dias, ambas deixaram de “exibir o programa”, era preciso encontrar outros motivos de interesse. Se antes eu fazia o papel de professora e psicóloga em regime de”part time”, com o actual quadro não há volta a dar, tenho de assumir essas funções a tempo inteiro.
Quando se trata de crianças é preciso muita criatividade para travar o aborrecimento. Os jogos “stop” e “burrinho” tiveram a devida utilidade, mas não passou de sol de pouca dura. “Toda hora também esses jogos?!”, reclamam. A confecção de diferentes tipos de sobremesas é a actividade preferida nesta fase, pois, aproveitam para aprender a fazer doces e brincar com a farinha. Por outro lado, exige muita paciência para explicar, vezes sem conta, como devem ser feitos.
A limpeza da casa é para elas a pior das actividades. Com o gostinho pelos livros a despontar, a Maweth preenche parte das manhãs com leitura. A Bíblia ocupa o primeiro lugar. À tarde o foco recai para o “Udengue”,
de António Jacinto.
Um personagem desperta-lhe a atenção. “Mamã, esse miúdo Janeiro é malandro yá”. Encerrada a leitura do “Udengue”, agora tem as atenções viradas para “As Minas de Salomão” de Eça de Queiroz. Para a Márcia tudo é perda de tempo, excepto quando está ligada aos canais Panda, Disney Júnior e SIC K.
Questionamentos do tipo “mas assim não podemos ir visitar a mãe no Marçal? (Perguntam, referindo-se à avó materna). Estado de Emergência, prorrogação, Situação de Calamidade Pública é o quê? Nunca mais vamos à escola? Porque o Papá sempre sai e nós não?” fazem parte da rotina diária. Obviamente nem sempre tenho disposição para responder, principalmente quando já o fizera um dia antes.Por ser mais crescida, a Maweth consegue perceber algumas coisas, diferente da Márcia, inconformada com tudo. “Quando o sol baixar vamos ainda ver a rua. Nunca mais vi a rua”, reclama a mais nova. “Você trabalha? Só podem estar na rua aqueles que trabalham. Lê ali na televisão: Fica em casa”, responde a mais velha, para minha satisfação.