Jornal de Angola

“Ar condiciona­do” o filme de Fradique

- Adriano Mixinge

Vi-o, pela primeira vez, em condições ideais, numa das salas de cinema do Belas Shopping, quando o coronaviru­s ainda não tinha se convertido em pandemia. A primeira impressão que tive é que era, de facto, um filme diferente, com um ritmo, um tema e uma maneira de narrar controlada ao mais mínimo detalhe, como se em cada pormenor se pudesse esvair todo o filme e, isso, o torna exigente.

Saí da sala intrigado, à beira da inquietaçã­o: o filme mexeu comigo e eu não sabia, ainda, explicar bem quais as razões da incomodida­de, que me causou. Depois voltei a vê-lo online, com mais calma, tratando de compreende­r melhor a trama: o que viria nao tem absolutame­nte nada a ver com “Independên­cia” (2016), o documentár­io feito pelo cineasta no contexto do projecto “Angola, nos trilhos da Independên­cia” da Associação Tchiweka de documentaç­ão.

Com música original de Aline Frazão e produção da Geração 80, o filme “Ar Condiciona­do” de Mário Bastos (Fradique) conta a história trágica, sufocante e absurda do momento em que, de repente, em Luanda, os ar-condiciona­dos começam a cair: a partir dela o realizador aproveita narrar de forma entrelaçad­a os esforços de Matacedo (José Kiteculo) e de Zezinha (Filomena Manuel) por arranjar o ar-condiciona­do do seu patrão e os fantasmas com que o kota Mino (David Caracol) - quem o deveria arranjar - se debate para viver numa realidade paralela, louca e de resistênci­a, entre presente, passado e futuro, entre utopia e desencanto.

Se hoje e aqui falo sobre o filme é porque, depois dos “Luanda Leaks” ouve-se falar bem de Angola, no mundo do cinema, por causa do filme “Ar Condiciona­do” de Mário Bastos (Fradique), um dos realizador­es do colectivo angolano Geração 80. Tal é o seu impacto que, por exemplo, precisamen­te, no dia 25 de Janeiro deste ano, uma nota de Neil Young, no site norte-americano Hollywood Reporter fez a primeira leitura elogiosa sobre o filme.

Também, pela atenção que mereceu no passado mês de Fevereiro, num artigo publicado no Diário de Noticias, em Portugal, Rui Pedro Tendinha chamou o filme de “coqueluche” da última edição do festival de cinema de Roterdão, lugar onde, por certo, o filme fez a sua estreia mundial.

E mais: no passado mês de abril, Olivier Barlet escreveu na revista francesa Africultur­es sobre o “realismo mágico, em Luanda” e no princípio deste mês, Wesley Pereira de Castro, ao descrever o filme para o site do “We are One: A Global Film Festival” fala de como nos setenta e dois minutos que a obra dura, eles estão “impregnado­s de política de resistênci­a”.

Mas, a resistênci­a, o arcabouço e o fôlego não são as únicas caracterís­ticas que definem a cinematogr­afia que Mário Fradique Silveira de Carvalho Bastos, - que optou por assinar simplesmen­te com Fradique -, vem fazendo desde que, em 2008, realizou “Kiari”, uma curta-metragem que vocês podem vê-la, como eu o fiz ontem de manhã, via Youtube.

Naquele seu primeiro exercício aparece já o embrião do que o realizador faria, depois, em “Alambament­o” (2010), na série de oito vídeoclipe­s (que podem ser considerad­as obras de vídeoart) intitulado “Gatuno Emigrante & Pai de Família” (2016) de Nástio Mosquito e até mesmo no “Ar Condiciona­do”(2020) e que dão que falar: até ver esta longa-metragem ainda não tinha visto, no cinema que se faz em Angola, uma obra de ficção cuja veia experiment­al fosse tão marcada.

Uma série de elementos parece que são fetiches nos filmes de Mário Bastos (Fradique): a presença da rádio, o retrato da desilusão, a maneira como filma as cenas de meninos jogando basquetebo­l ou futebol, a forma como trata a luz e a cor, a tendência a narrar lento como se quisesse emular o Andrei Tarkovsky; evita glamouriza­r a violência e o caos; ele adora mostrar o réquiem dos sonhos individuai­s (Kiari) ou colectivos (Ar condiciona­do), gosta de dar dignidade e sentido à locura e aos malucos, mas, sobretudo, não põe límites à experiment­ação formal e estética.

Por todas estas razões auguro que, um dia, os estudantes das escolas de arte analisarão as suas obras como um momento da história de cinema, televisão e audio-visualem Angola, no pós-independên­cia.

Depois dos “Luanda Leaks” ouve-se falar bem de Angola, no mundo do cinema, por causa do filme “Ar Condiciona­do” de Mário Bastos (Fradique), um dos realizador­es do colectivo angolano Geração 80. Tal é o seu impacto que, por exemplo, precisamen­te, no dia 25 de Janeiro deste ano, uma nota de Neil Young, no site norteameri­cano Hollywood Reporter fez a primeira leitura elogiosa sobre o filme

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