Processos sobre violação de direitos são sempre urgentes
A Lei do Processo Constitucional, que vai a debate no Parlamento para a sua alteração, não estabelece prazos para a apreciação de recursos extraordinários de inconstitucionalidade
O juiz jubilado do Tribunal Constitucional Onofre dos Santos defendeu que os processos cujo objecto é a violação de um direito fundamental, como a liberdade individual, devem ser sempre urgentes na apreciação do recurso extraordinário de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
A Lei do Processo Constitucional, que vai a debate no Parlamento para a sua alteração sob proposta do Executivo, não estabelece prazos para a apreciação de recursos extraordinários de inconstitucionalidade, mas Onofre dos Santos considera que, “se há casos em que a celeridade exigida pela Constituição é mais premente é nestes casos.”
“A lei não estabelece prazo para ser dada decisão, mas o Tribunal deve ter sempre em conta esse sentido de urgência que, no entanto, é diferente quando num processo de habeas corpus estamos numa fase pré-condenatória ou posterior à condenação. É compreensível que a referida presunção de inocência vá perdendo a sua intensidade à medida que vão sendo proferidas decisões no sentido de dar como provada a culpabilidade do requerente daquela medida de libertação”, sustenta o também antigo director-geral das primeiras eleições gerais de 1992 no país.
A Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal estabelece prazos diferentes para a prisão preventiva em função da fase processual. No entanto, esclareceu, não há prazo para a prisão preventiva depois da condenação em primeira instância.
Onofre dos Santos entende que caberá ao Tribunal Constitucional preencher essa lacuna da Lei caso entenda que há uma lacuna. “O Tribunal Constitucional, num acórdão proferido numa altura anterior a esta Lei das Medidas Cautelares, também preencheu várias lacunas com recurso a prazos do Código de Processo Penal, quando apenas vigorava uma Lei da Prisão Preventiva confinada à instrução preparatória. Quem lê o artigo 40º da nova Lei até parece que só há prisão preventiva até à condenação. Como se esta condenação pusesse termo ao estado de inocência presumida do réu. Isto choca, no entanto, com o efeito suspensivo atribuído por lei ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade
e com a própria presunção de inocência”, referiu.
O magistrado reformado afirmou que a jurisprudência do Tribunal Constitucional não é ainda cabal a este respeito, como também o denota a divisão dos juízes conselheiros na aprovação do recente Acórdão nº 612/2020 (Caso Augusto Tomás).
“Quando, no meu tempo, reflecti sobre a interpretação da nova lei das Medidas Cautelares pareceu-me que o Tribunal teria de preencher esta lacuna do artigo 40º, que estabelece três prazos de 4, 6 e 12 meses acrescentando um quarto prazo de 18 a 24 meses de prisão preventiva até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, nunca devendo ser excedida a metade da condenação porque, mesmo no cumprimento efectivo da pena, essa é a medida de cumprimento que dita a liberdade condicional. Aliás, o futuro Código de Processo Penal deverá incluir esta matéria e resolver definitivamente esta questão. Acho,
até, que a lacuna do artigo 40º configura uma inconstitucionalidade por omissão que já poderia ter sido requerida ao Tribunal Constitucional”, disse Onofre dos Santos.
“Caso Augusto Tomás”
Em relação ao caso judicial que envolve o ex-ministro dos Transportes, Augusto Tomás, em que o Tribunal Constitucional aceitou dois recursos extraordinários de inconstitucionalidade de sentença transitada em julgado no Plenário do Tribunal Supremo, para esclarecer questões constitucionais, Onofre dos Santos referiu que a situação de recurso de decisões transitadas em julgado só existe nos casos de recurso de revisão de sentença, o que só pode acontecer quando, depois de ser proferida uma sentença, se descobre ou aparece uma prova que não existia ou não era conhecida e que é susceptível de poder mudar o sentido da decisão.
No caso da defesa do exministro dos Transportes, Onofre dos Santos clarificou que se trataram de dois recursos extraordinários de inconstitucionalidade de duas decisões diferentes. “Para estes recursos serem apreciados pelo Tribunal Constitucional é preciso que estejam reunidas duas condições: a primeira, que haja recurso legal de qualquer das duas referidas decisões e, a segunda, que os recursos sejam interpostos dentro do prazo legal.”
“Nos termos da Lei do Processo Constitucional, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem sempre efeito suspensivo, pois, de outro modo, se esvaziaria o seu conteúdo de garantia inerente ao direito fundamental que está sempre no centro da apreciação deste tipo de recursos. A lei estabelece que cabe recurso extraordinário de inconstitucionalidade de qualquer decisão judicial que contrarie ou viole um direito fundamental exigindo, porém, que o recurso só deva ser apreciado pelo Tribunal Constitucional depois de esgotados todos os outros recursos legalmente previstos”, sustenta.
“Se todos esses recursos têm efeito suspensivo, não faria nenhum sentido que o recurso para o Tribunal Constitucional, que teve de aguardar o julgamento dos recursos ordinários, não tivesse igualmente esse mesmo efeito suspensivo”, sublinhou. “Portanto, não me parece correcto estar a dizer que a decisão apreciada pelo Tribunal Constitucional já tinha transitado em julgado”, concluiu.
“Nos termos da Lei do Processo Constitucional, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade tem sempre efeito suspensivo"