A estória do “Paulo”, aliás “Maneli”
“Com licença, bom dia tia, a tia não pode só me dar comida?”. Do alto, olha para o rapaz todo andrajoso: descalço, calção e camisola furados e imundos. Nas suas mãos, um saco transparente permite ver no interior alguma comida. “Sobe”, autoriza, ao que o mesmo responde: “paro no quê, tia?”. Resposta: no terceiro andar. É lá que aguarda pelo menino. “Como te chamas? Que idade tens? Onde vives?”, pergunta. Olha para a “tia” desconfiado, tenta mentir que tem seis anos, mas, exceptuando a altura, o seu desenvolvimento indica quetemmais.“Queidadetens?”, repete. “Maneli”, nome inicial, diz ter oito anos, ser morador do bairro Imbondeiro e filho de tio António e tia Feli, ambos desempregados. “Essa comida que tens no saco tiraste do lixo?”. Garante que não. “Uma tia, de um outro prédio me deu. A tia não pode só me dar também roupas?”, pergunta.
Pelo seu tamanho, dificilmente as roupas das crianças em casa da “tia” caberiam nele. Ainda assim aparece entre as peças uma t-shirt, que entrega ao rapaz, agora sorridente.
“Quem te furou a orelha, a tua mãe não ralhou contigo?”. Olha, envergonhado, para o chão e diz que a mãe ainda não o viu com a bijuteria colocada na orelha, a seu pedido, por Makaya, uma prima. Maneli abandonou os estudos porque os pais não têm condições, conta. “Como te chamas mesmo?”. “Sou o Paulo, tia”, mente. “Há bocado não disseste que o teu nome é Maneli?”, pergunta. “Eh, se esqueci, tia. É Maneli mesmo”, diz. “O que queres ser quando cresceres?”, pergunta. A resposta é demorada, mas firme: “quero trabalhar na Elisal, para recolher o lixo”, porque hoje “no lixo encontro muitas coisas boas, que ainda dá para usar”. Despede-se da criança com a satisfação de, ao menos, lhe ter arrancado um sorriso. Como ele, são inúmeros os rapazes que continuam a vaguear, diariamente, pelas centralidades, em busca do pão de cada dia. Nem sempre é possível beneficiarem da compaixão e da simpatia dos moradores, agastados e sem condições para auxiliar tanta criança faminta, rota, descalça, sem máscara nem luvas para se protegerem da pandemia que assola o país e o mundo.