CARTAS DOS LEITORES
Conhecedor da polémica envolvendo a situação política no Brasil, país que tive a honra de representar enquanto ministro de Estado, no período entre 2008 e 2010, durante a presidência de Luís Inácio Lula da Silva, valhome desta carta para parabenizar o escritor JoãoMeloporsuapreocupação com o povo brasileiro. Sentimento solidário que demonstrou em momento de grande dificuldade e tristeza diante da conjunção das crises sanitária e económica que afectam o mundo, acrescida da crise política que traz insegurança ao futuro do nosso país. Não surpreende a postura de João Melo, amigo de longa data dos brasileiros, que conviveu connosco durante grande parte da década de 80 e acompanhou de perto o esforço para livrar o país de uma ditadura civil militar que, durante 20 anos, produziu inúmeras arbitrariedades. João Melo possui total legitimidade e conhecimento para tratar de questões ligadas ao passado recente e à situação presente do Brasil. Quantoàcríticasobrenossadificuldade para construir frente ampla que confronte Bolsonaro e seus arroubos autoritários, é preciso compreender que o processo golpista que retirou do governo o Partido dos Trabalhadores deixou máculas profundas na representatividade política do país, nódoas quesóotempoearazãoserãocapazes de apagar. Inúmeras notícias falsas foram usadas para aplicar o golpe de Estado que depôs Dilma Rousseff e, na sequência, afastou da corrida presidencial,comumaprisãosemprovas, o ex-Presidente Lula, candidato do PT, que àquela altura liderava todas as pesquisas de intenção de voto. O ambiente tóxico criado por essas fake news, meias-verdades e mentiras completas é a fonte da dificuldade para restabelecer o diálogo no campo oposicionista. Apesar do que, reconhecendo a necessidade de união, grandes esforços já tenham sido feitos para superar os pontos que dificultam uma acção mais ampla e coordenada da oposição.
Senhor director, esta carta tem ainda por objectivo alertar o povo angolano para a mudança de rumo na política externa do nosso país. Já não temos um Governo cuja prioridade seja o fortalecimento das relações multilaterais, com ênfase na consolidação de um mercado comum no Hemisfério Sul das Américas, sonho de todos os povos latino americanos. Da mesma forma, já não há prioridade para o
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estreitamento das relações culturais e económicas com as nações africanas, onde está a ancestralidade de grande parte do nosso povo, elemento marcante da nacionalidade do Brasil, país que possui o maior contingente populacional negro fora dos limites do continente africano. Lamentavelmente, o actual Governo se mostra totalmente submisso aos interesses do império norte-americano. Movido por fortes preconceitos ideológicos e devido à estreiteza do seu conservadorismo autoritário, abre mão de buscar interagir de forma cooperativa com o conjunto das demais nações mundiais. Contudo, certos de que a grandeza das lutas compartilhadas por nós do campo democrático e popular são muito maiores do que as questões conjunturais que nos dividem, temos grandes esperanças de que conseguiremos construir a unidade para virar essa página infeliz de nossa história e evitar retrocessos em nossa ainda jovem democracia. As palavras de solidariedade do escritor João Melo – que certamente representam o sentimento fraternal, em relação aos brasileiros, de ampla maioria do povo angolano – atravessam o Atlântico e nos animam nesse objectivo. O oceano que nos separa é o mesmo que nos une.
Saudações fraternais. EDSON SANTOS | Brasília