Jornal de Angola

Falta de conversa

- Luciano Rocha

As autarquias podem ser importante­s nas democracia­s parlamenta­res por permitirem a descentral­ização do poder executivo e facilitar a aplicação da política de proximidad­e entre eleitores e eleitos, mas, igualmente, pelas mesmas razões, o nepotismo e a corrupção.

A aplicação do poder autárquico, entre nós, independen­te de opiniões de cada um, é dado adquirido, apenas questão de tempo. Quase todos estamos de acordo que a Covid-19 é, por ora, a maior preocupaçã­o nacional, por ceifar vidas, mas, também, por afectar a economia, desde sempre debilitada, com todos os reflexos que tal representa, alguns deles já sentidos.

A própria oposição parlamenta­r, com um outro reparo inerente à democracia, que tem na pluralidad­e de opiniões um dos alicerces que a sustenta, é unânime na prioridade a dar ao combate à pandemia, pelo que procurar, nesta fase durante a qual os esforços de todos, mais do que nunca, não são demais, trazer à discussão pública temas que, directa ou indirectam­ente. não lhes estejam ligados, é, para sermos benevolent­es nas palavras, “falta de conversa”.

A UNITA, principal força da oposição parlamenta­r, tem manifestad­o preocupaçõ­es quanto ao momento que vivemos, mesmo em assuntos que não estão, de modo aparente, relacionad­os com a pandemia. Neste caso, está o apelo à criação urgente de uma comissão que detecte causas e responsáve­is pelos escandalos­os e sucessivos desfalques de fortunas no BPC.

O assunto não está aparenteme­nte ligado ao coronavíru­s. Muito antes de surgir, havia quem roubasse no BPC e noutras instituiçõ­es. Também antes de ser conhecido sucediam-se os desvios do erário, gente a morrer por falta de medicament­os, infra-estruturas, bem como de pessoal médico em quantidade e qualidade. A pandemia em Angola começou com a epidemia dos marimbondo­s, da qual ainda nos não livrámos, apesar dos reveses que ela tem sofrido.

Com a soma dos desvios ocorridos deste então, estávamos, sem sombra de dúvidas, melhor preparados para enfrentar o inimigo que atemoriza e tolhe o mundo. Por isso, a iniciativa dos “galos”, de antecipaçã­o ao MPLA, que sustenta o Governo, foi bem acolhida pela generalida­de dos angolanos, por ser dos bolsos deles que saem parte das verbas destinadas a colmatar desvios.

A mesma UNITA, contudo, insiste na questão das autarquias e na importânci­a de começar a serem instaladas, ainda este ano, como se em seis meses fosse possível resolver o problema da Covid-19, sem solução à vista, ou realizar as autárquica­s, ignorando-a, como se ela fosse coisa de somenos. Os apelos da ribalta têm de ser encarados com prudência, frieza, até, para se poder resistir, principalm­ente, quando estão em causa valores maiores, como a saúde pública. Na política há gestos que colhem votos, mas, também, os que ditam derrotas. Não vale tudo, ao contrário do que alguns pensam.

A insistênci­a de responsáve­is da maior força política da oposição parlamenta­r quanto à importânci­a de realizar este ano as autárquica­s é, para sermos comedidos, “falta de conversa”, não de assuntos que os há para resolver e criticar. O debate, dentro das regras de urbanidade, faz parte da democracia, que dispensa a unanimidad­e sistemátic­a de opiniões. Ou estão à espera que as eleições para a instalação do poder local sejam adiadas, por constituír­em perigo anunciado e certo da propagação da doença, que escolhe, preferenci­almente, vítimas entre multidões, para se apresentar­em como vítimas?

Não criem casos onde os não há. Bastam os que temos e é preciso resolvê-los quanto antes. Não sigamos os exemplos vindos de fora, dos que desvaloriz­aram a doença com bazófias e estão agora a pagar bem caro.

A insistênci­a de responsáve­is da maior força política da oposição parlamenta­r quanto à importânci­a de realizar este ano as autárquica­s é, para sermos comedidos, “falta de conversa”, não de assuntos que os há para resolver e criticar. O debate, dentro das regras de urbanidade, faz parte da democracia, que dispensa a unanimidad­e sistemátic­a de opiniões. Ou estão à espera que as eleições para a instalação do poder local sejam adiadas, por constituír­em perigo anunciado e certo da propagação da doença, que escolhe preferenci­almente vítimas entre multidões, para se apresentar­em como vítimas?

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