Falta de conversa
As autarquias podem ser importantes nas democracias parlamentares por permitirem a descentralização do poder executivo e facilitar a aplicação da política de proximidade entre eleitores e eleitos, mas, igualmente, pelas mesmas razões, o nepotismo e a corrupção.
A aplicação do poder autárquico, entre nós, independente de opiniões de cada um, é dado adquirido, apenas questão de tempo. Quase todos estamos de acordo que a Covid-19 é, por ora, a maior preocupação nacional, por ceifar vidas, mas, também, por afectar a economia, desde sempre debilitada, com todos os reflexos que tal representa, alguns deles já sentidos.
A própria oposição parlamentar, com um outro reparo inerente à democracia, que tem na pluralidade de opiniões um dos alicerces que a sustenta, é unânime na prioridade a dar ao combate à pandemia, pelo que procurar, nesta fase durante a qual os esforços de todos, mais do que nunca, não são demais, trazer à discussão pública temas que, directa ou indirectamente. não lhes estejam ligados, é, para sermos benevolentes nas palavras, “falta de conversa”.
A UNITA, principal força da oposição parlamentar, tem manifestado preocupações quanto ao momento que vivemos, mesmo em assuntos que não estão, de modo aparente, relacionados com a pandemia. Neste caso, está o apelo à criação urgente de uma comissão que detecte causas e responsáveis pelos escandalosos e sucessivos desfalques de fortunas no BPC.
O assunto não está aparentemente ligado ao coronavírus. Muito antes de surgir, havia quem roubasse no BPC e noutras instituições. Também antes de ser conhecido sucediam-se os desvios do erário, gente a morrer por falta de medicamentos, infra-estruturas, bem como de pessoal médico em quantidade e qualidade. A pandemia em Angola começou com a epidemia dos marimbondos, da qual ainda nos não livrámos, apesar dos reveses que ela tem sofrido.
Com a soma dos desvios ocorridos deste então, estávamos, sem sombra de dúvidas, melhor preparados para enfrentar o inimigo que atemoriza e tolhe o mundo. Por isso, a iniciativa dos “galos”, de antecipação ao MPLA, que sustenta o Governo, foi bem acolhida pela generalidade dos angolanos, por ser dos bolsos deles que saem parte das verbas destinadas a colmatar desvios.
A mesma UNITA, contudo, insiste na questão das autarquias e na importância de começar a serem instaladas, ainda este ano, como se em seis meses fosse possível resolver o problema da Covid-19, sem solução à vista, ou realizar as autárquicas, ignorando-a, como se ela fosse coisa de somenos. Os apelos da ribalta têm de ser encarados com prudência, frieza, até, para se poder resistir, principalmente, quando estão em causa valores maiores, como a saúde pública. Na política há gestos que colhem votos, mas, também, os que ditam derrotas. Não vale tudo, ao contrário do que alguns pensam.
A insistência de responsáveis da maior força política da oposição parlamentar quanto à importância de realizar este ano as autárquicas é, para sermos comedidos, “falta de conversa”, não de assuntos que os há para resolver e criticar. O debate, dentro das regras de urbanidade, faz parte da democracia, que dispensa a unanimidade sistemática de opiniões. Ou estão à espera que as eleições para a instalação do poder local sejam adiadas, por constituírem perigo anunciado e certo da propagação da doença, que escolhe, preferencialmente, vítimas entre multidões, para se apresentarem como vítimas?
Não criem casos onde os não há. Bastam os que temos e é preciso resolvê-los quanto antes. Não sigamos os exemplos vindos de fora, dos que desvalorizaram a doença com bazófias e estão agora a pagar bem caro.
A insistência de responsáveis da maior força política da oposição parlamentar quanto à importância de realizar este ano as autárquicas é, para sermos comedidos, “falta de conversa”, não de assuntos que os há para resolver e criticar. O debate, dentro das regras de urbanidade, faz parte da democracia, que dispensa a unanimidade sistemática de opiniões. Ou estão à espera que as eleições para a instalação do poder local sejam adiadas, por constituírem perigo anunciado e certo da propagação da doença, que escolhe preferencialmente vítimas entre multidões, para se apresentarem como vítimas?