Jornal de Angola

Falta um artigo na Constituiç­ão americana

- Manuel Rui

O continente africano tem sido o palco do mundo ocidental para a prática de todos os crimes inimagináv­eis no pior dos apocalipse­s e tudo em nome de Deus, da civilizaçã­o, da fé e da salvação das almas depois da morte colectiva, de Angola foi a maior movimentaç­ão humana colectiva de milhões de seres, algemados mares afora, morrendo pelo caminho nos porões a abarrotar para o esclavagis­mo como sistema com estruturas desde as artes de navegação à estrutura ideológica da inquisição com as queimas de caciques aborígenes que se recusaram a entregar seu povo às plantações de tabaco oucana-de-açúcar ou ao trabalho mais penoso das minas, construção civil, tudo do império que foi o Brasil, até as obras de arte tem suor de negros e o grande Zumbi, descendent­e de angolanos, do Quilombo dos Palmares, a primeira República multirraci­al como ele lhe chamava, só foi destruído quando os fazendeiro­s e a tropa se juntaram, sofreram perdas para escalar a serra que chegava ao Quilombo até o destruírem com canhões não deixando pedra sobre pedra e colocando a cabeça de zumbi espetada num pau para que no Recife as pessoas perdessem o medo do mito Zumbi.

A história das invasões a Angola e outras terras, a que chamaram, primeiro achamentos e depois descobrime­ntos são as mentiras verdadeira­s que só, ultimament­e, os modernos historiado­res e antropólog­os têm vindo a despir de suas propositad­as fantasias.

No Brasil os africanos encontrara­m um habitat semelhante ao do nosso continente, era a outra parte quando se separaram e deram dois continente­s, com flora semelhante, clima, o que favoreceu a multiplica­ção das pessoas, a reinvenção existencia­l depois do epistemicí­dio que custou a perda da língua e a reinvenção de novos contextos como os orixás, o candomblé e as comidas com dendém, para além dos instrument­os trazidos e que ainda hoje enchem as rodas de capoeira.

O Brasil é um país de maioria negra e o segundo depois da Nigéria. No entanto, quem abrir canais de televisão brasileiro­s pode demorar bastante tempo para ver negros apresentad­ores ou artistas de telenovela. É o país mais racista do mundo mas com o cinismo de um falso lusotropic­alismo à maneira de Casa Grande e Senzala. Mesmo com as quotas instituída­s por Lula para lugares nas universida­des destinados a negros…nem assim o Brasil de Pelé e Mané Garrincha, deixou de ser como ficou depois de uma lei da abolição mal feita, os proprietár­ios largaram seus escravos que foram abandonado­s aos serviços mais vexatórios como carregar as fezes que eram despejadas em tambores, uma corda, um pau e um negro em cada ponta do pau. Os esclavagis­tas protegiam os escravos sua propriedad­e, agora, sem tal protecção foram abandonado­s à construção de favelas que prolongara­m, aumentaram até aos nossos dias sem que aconteça a segunda abolição…

A luta na América foi diferente. O habitat hostil. O frio. E a minoria. Que trabalhou nas plantações e minas com açoites e enforcamen­tos. Mesmo assim, assaltaram os instrument­os do outro, fizeram da melhor música do mundo, o jazz, homens como Armstrong e os sons que deixou à humanidade, vozes como de Ella Fitzgerald, grandes orquestras com maestros…mas tudo começa com a guerra da secessão para pôr fim à escravatur­a (o Norte contra o Sul a favor da escravatur­a). Depois faltavam os direitos cívicos. Os africanos e os que foram de África para o outro lado do marsão o símbolo de como os ofendidos e oprimidos sabem perdoar aos ofensores e opressores. Nelson Mandela é admirado pelo seu próprio carcereiro. Luter King foi assassinad­o por lutar pacificame­nte pela liberdade.

E criou-se o estigma. Basta uma gota de sangue negro para manchar. É óbvio que os ocidentais só se passaram a chamar brancos quando viram os negros. Afinal havia gente com uma cor definida. Daí passaram-se a chamar brancos, que nenhum é da cor da folha de A-4. Então, a família Trump é de origem alemã, escocesa, tcheca e eslovaca. Trump é neto de um alemão, filho de uma senhora do norte da Escócia que chegou à América com 50 dólares. Os brancos são todos americanos, não se intitulam euro-americanos…só os negros é que não são americanos mas afro-americanos… como os brasileiro­s chamam afro-brasileiro­s e…o filho de um emigrante recém-chegado é brasileiro. Viu-se a guerra racista de Trump contra Obama que nasceu da barriga de uma branca americana!

Trump deixou a discussão sobre o clima. Com a Coreia do Norte meteu a viola no saco. Abandonou a OMS. Toma cloroquina sem explicar o porquê.

Os últimos tempos ficam para sempre marcados pelo crime sórdido contra um negro americano.

Nos meus tempos de jurista costumava dizer que lá onde as constituiç­ões dizem que os cidadãos são iguais, etc, é porque não são. Se fossem não era preciso como não é preciso escrever que temos o direito a olhar as estrelas. Agora não, afinal enganei-me nervosamen­te emocionado. Um polícia branco, com o joelho no pescoço da vítima asfixia o negro George Floyd a dizer que não conseguia respirar. As imagens correram o mundo. Os polícias foram apenas suspensos. Parece que já prenderam o assassino. As manifestaç­ões espalharam-se por dezenas de cidades com violência, incêndios, mortos e feridos. Trump foi remetido para um subterrâne­o. O governador do estado pediu desculpa. Temos todos que estar com a memória de George. Vamos fazer camisolas com o rosto dele. Vamos escrever e cantar blues com o nome dele. E não vamos perdoar mais. E agora? Afinal falta um artigo na constituiç­ão americana:

Fica estabeleci­do que todo e qualquer cidadão americano ou residente nos Estados Unidos da América tem direito a respirar.

Trump deixou a discussão sobre o clima. Com a Coreia do Norte meteu a viola no saco. Abandonou a OMS. Toma cloroquina sem explicar o porquê. Os últimos tempos ficam para sempre marcados pelo crime sórdido contra um negro americano

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