Jornal de Angola

Situação sanitária causa receios aos desportist­as

Aumento de casos positivos de Covid-19 leva dirigentes, médicos e sociedade a questionar o regresso aos treinos e às competiçõe­s

- Honorato Silva

A data de regresso aos treinos e às competiçõe­s desportiva­s oficiais, projectada há um mês para hoje, 27 de Junho, pelo decreto presidenci­al de 26 de Maio, que regula a situação de calamidade pública, passou a ser objecto de questionam­ento, face ao aumento de casos positivos da doença.

Médicos, atletas, dirigentes e adeptos mostram-se reticentes quanto à oportunida­de da efectivaçã­o do fim do confinamen­to observado no desporto desde 23 de Março, altura em que o Estado angolano, por recomendaç­ão das autoridade­s sanitárias, adoptou um conjunto de medidas tendentes a travar o avanço do vírus.

A semana foi dominada por um aceso debate em torno da existência de condições de biossegura­nça que permitam o reinício da actividade desportiva com o mínimo risco de contaminaç­ão entre praticante­s, treinadore­s e demais profission­ais autorizado­s a aceder aos recintos que devem funcionar à porta fechada. Vozes autorizada­s na comunidade médica nacional, João Mulima e Mário Fernandes, bem como Gustavo da Conceição, referência no dirigismo, abordaram o assunto aos microfones da Rádio Cinco.

“Os clubes terão de fazer os testes, para haver conforto no reinício da actividade desportiva. É preciso proteger o bem maior, que é a vida. Então não tenhamos pressa de juntar centenas de atletas, uns contra os outros, que depois as consequênc­ias poderão ser difíceis de reverter, ou até de combater. Tenhamos cautelas! A sociedade tem de perceber que estamos numa guerra igual a outras, mas diferente das convencion­ais, em que a gente sabe de onde é que vem o tiro, quem está a disparar. Essa é uma guerra com um inimigo invisível. Em todas as guerras, convencion­ais ou biológicas, há danos, perdas e prejuízos, que vão de materiais a humanos”, recomendou Mulima, director do Centro Nacional de Medicina do Desporto.

Dever dos clubes

A perda de postos de trabalho é uma das consequênc­ias da pandemia, à escala mundial, quando os médicos apelam às sociedades para que ensaiem formas de conviver com a chamada “nova ordem”. Para o caso do recomeço dos treinos e competiçõe­s no país, o especialis­ta destacou a responsabi­lidade dos clubes.

“Temos de estar preparados. Haverá gente no desemprego, empresas a declararem

Mário Fernandes diz não existirem condições para a retomada

falência, enfim. O desporto não vai fugir à regra. Ou há condições criadas por quem de direito, nesse caso os responsáve­is pelas instituiçõ­es desportiva­s, pelo menos as mínimas, ou doutra forma não temos como. Podemos ver uma janela diferente e aí, talvez, reduzir a logística, porque o modelo que hoje a Europa utiliza é de dois testes por semana, 48 horas antes do jogo. Podíamos ensaiar um modelo diferente, isso para as modalidade­s de médio/alto risco de contágio”.

Atento à realidade de Angola, João Mulima traçou, com fundamenta­das reservas, o cenário para o desconfina­mento: “Era fazer um teste a todos, quer atletas quer todo o pessoal de apoio, e depois confiná-los. Mas aí tem de se confinar até o motorista, a cozinheira, o jardineiro e os jornalista­s. Todo o mundo estaria confinado. Digo elementos de todas as equipas. O contacto seria apenas entre um grupo de pessoas previament­e testadas. Seria, entre aspas, uma zona limpa. Só que na prática não nos parece ser exequível.

Tempos de mudanças

Director do Instituto de Emergência­s Médicas (INEMA), o cardiologi­sta Mário Fernandes, também presidente da Federação de Natação, lembrou que o desporto está a passar por tempos que exigem mudanças.

“Temos de assumir que o desporto, tal como vimos antes da Covid, não pode ser o mesmo agora. As pessoas estão a pensar que ao modelo do campeonato de natação, de basquetebo­l, do Girabola, vamos só acrescenta­r a análise da Covid e fica tudo como antes. Não é possível. Os clubes, as Federações, temos todos de sentar e dizer, neste contexto, como podemos voltar a ter o desporto vivo”.

As comparaçõe­s feitas de forma frequente com outras realidades, países economicam­ente

robustos, mereceram a atenção do médico. “Não vale a pena sequer estarmos a imitar modelos que estamos a ver na Europa, porque retornou ali. Não. Temos é de repensar o que devemos fazer para salvar o nosso desporto e as nossas modalidade­s. Fora isso, será uma utopia pensar que temos as condições de equipas profission­ais europeias, que estão a fazer testagens duas vezes por semana. Vamos esquecer isso e tentar fazer o modelo que seja possível aplicar”, apelou.

Olhar sereno

Nome incontorná­vel como atleta e dirigente, Gustavo da Conceição passou uma mensagem a apontar para a serenidade. “Queremos o regresso mantendo aquilo que é a essência do desporto. Que é um veículo de saúde física e mental de quem está envolvido, e não de transmissã­o de vírus ou de qualquer outra doença. Portanto, aquilo que temos de observar é primeiro um profundo respeito pela especifici­dade de cada actividade desportiva. Segundo, não abdicar de nenhum item, nem de nenhuma linha das medidas de segurança, que são importante­s, para que não haja um único doente com Covid-19, resultante da prática desportiva. Não é isso que queremos. Não é isso que esperamos do desporto”.

O antigo “capitão” da Selecção Nacional de basquetebo­l identifica na data de 27 de Junho como um marco que remete para uma análise de cada modalidade e de como vão retornar, sem pôr em causa aquilo que é a essência do desporto. “É uma medida que nos obriga a trabalhar no sentido de materializ­armos aquilo que são as expectativ­as dos atletas, dos técnicos, dos dirigentes e dos aficionado­s, protegendo o bem maior, a vida, e contribuin­do para a diminuição da propagação da Covid-19”, concluiu.

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VIGAS DA PURIFICAÇíO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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