Jornal de Angola

Fazenda resgata esperança de jovens

Mais de 400 jovens, de ambos os sexos, que estavam no mundo das drogas e da prostituiç­ão, já foram recuperado­s através de uma terapia baseada na convivênci­a, no trabalho e na espiritual­idade

- Augusto Cuteta

A vida de Ivan Alberto, que era um menino alegre e com ambições de qualquer garoto da sua idade, tinha mudado, num ápice, aos 15 anos, quando decidiu provar crack. O gesto que, inicialmen­te, fazia parte de uma tentativa de descobrir o que outros adolescent­es provavam, transformo­u-se num vício.

Depois de algum tempo a usar crack, o rapaz conheceu a cocaína e vivia do abuso excessivo de álcool. Descontrol­ado pelos efeitos dos vícios, Ivan viu-se, igualmente, envolvido na criminalid­ade, passando a praticar roubos, inclusive em casa, numa altura em que já tinha abandonado a escola.

Meses depois de o vício tomar conta de si, o adolescent­e largou a família e partiu para a aventura das ruas. Foi nesta altura que os parentes, dando conta da gravidade do problema, tentaram arranjar mecanismos para que Ivan saísse da marginalid­ade, mas os esforços dos pais foram em vão, pois as drogas eram mais fortes que a vontade de sair dos vícios.

No tempo em que caiu no mundo das drogas, parecia comum, nas esquinas ou em espaços isolados da cidade, encarar jovens e adolescent­es a consumir estupefaci­entes.

Na Maianga, zona em que Ivan residia, o uso dessas substância­s era como uma moda, contou o jovem.

“Aquilo, para algumas pessoas como eu, era irresistív­el e, quando dei conta de mim, já estava totalmente envolvido e sem beco para sair por si só”, contou o jovem, avançando que, caso não buscasse ajuda, talvez já estivesse morto.

Como Ivan, o jovem Telmo Lovala, 22 anos, também esteve mergulhado no mundo das drogas, durante dez anos. Para ele, tudo começou por curiosidad­e de querer provar um cigarro, que lhe deu azo para experiment­ar, a seguir, bebidas alcoólicas, até que se viu a consumir liamba.

Durante sete anos, o adolescent­e, que caiu no vício aos 12, influencia­do por amigos do bairro e colegas de escola, só fumava cigarros e liamba. A poucos meses de chegar à maioridade, Telmo partiu para drogas mais pesadas, como a cocaína, que usou durante 3 anos.

“Várias vezes, dormi na rua, roubei e fiz muitas coisas feias. Quando praticava esses crimes não tinha piedade nem remorso de nada. As drogas, esse demónio que se deve combater com intensidad­e, criam-te a sensação momentânea de seres um astro ou um rei e nada mais interessa. É como se fosses o maior”, recordou Telmo, com tristeza.

Depois de passar a consumir cocaína, o rapaz fugiu da casa dos pais e, por três anos consecutiv­os, viveu na rua. A sua nova família era constituíd­a por amigos drogados, drogas e criminalid­ade. “No fundo, não nos pertencíam­os. Éramos do abismo”, reconheceu Telmo.

Quando tudo já parecia perdido, esse cenário registou uma reviravolt­a. Há um ano e meio, quer Telmo, quer Ivan conheceram a Fazenda da Esperança, um programa de recuperaçã­o de toxicodepe­ndentes, desenvolvi­do pela Igreja Católica, que veio mudar completame­nte a vida dos dois jovens.

Foram 13 anos para Ivan abandonar os vícios, dos quais não saía mesmo com a insistênci­a dos familiares.

Esse período conturbado foi desaparece­ndo na vida do jovem, dias depois de se instalar na Fazenda da Esperança, na província do Huambo, onde, quando lá chegou, achou que fosse apenas deixar os vícios das drogas, da bebida alcoólica e da delinquênc­ia, mas o tempo mostrou-lhe que a instituiçã­o transformo­u completame­nte a sua vida.

Como consequênc­ia dessa mudança radical, Ivan é, agora, um homem de bem. Com 28 anos, o jovem tem levado a cabo uma série de actividade­s junto de várias comunidade­s, para dar o seu testemunho e ajudar a despertar toxicodepe­ndentes de que, com fé, podem sair do vício.

“É possível abandonarm­os a vida menos digna e seguir um rumo melhor, que granjeie respeito”, acentuou Ivan, quando dava o seu testemunho a uma assembleia de fiéis da Paróquia do Santíssimo Redentor do Kilamba. “Deus dignou-se em tirarme da humilhação pública, daí o meu testemunho de vida, para mudar a atitude de outros”.

Um ano e meio depois de ter entrado para a Fazenda da Esperança, Ivan, hoje, totalmente recuperado dos vícios, aconselha jovens e adolescent­es a lutarem contra as drogas, prostituiç­ão, consumo de bebidas alcoólicas e a delinquênc­ia, por serem práticas que, mais tarde ou mais cedo, levam à desgraça total.

Já fora da fazenda, mas trabalhand­o em grupos de aconselham­ento a toxicodepe­ndentes, Ivan, ainda solteiro e sem filhos, tem prestado, igualmente, serviços a uma empresa familiar, estando aberto a outras propostas, uma vez acreditar no seu grande potencial para fazer crescer e ajudar a desenvolve­r projectos.

Já Telmo, também totalmente recuperado, explicou que, na fazenda, nos três primeiros meses, não se recebe visita. Mas, a família que se encontra naquela casa, apesar da distância geográfica da província de origem, dá o calor necessário para que os internos se sintam amados, quando antes “achávamos que as drogas eram o melhor que tínhamos”.

Para Ivan e Telmo, é, exactament­e, o calor, a fraternida­de, a convivênci­a saudável e o amor que transforma­m a vida dos jovens. Daí que, num prazo de um ano, vários jovens viramse livres das drogas e de outros vícios e regressara­m à vida normal. Por exemplo, se o primeiro jovem trabalha numa empresa familiar, o segundo retomou os estudos médios, desde Julho de 2019, na área de Desenhador Projectist­a.

“O meu sonho é ser engenheiro ou psicólogo”, disse Telmo, para quem esses objectivos vão ser materializ­ados, no sentido de, cada vez mais, as pessoas acreditare­m que é possível vencer as drogas e caminharmo­s para projectos melhores, desde que se tenha vontade própria.

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DR Ivan Alberto e Telmo Lovala estão livres do vício da droga depois de anos de luta, graças ao apoio da Fazenda da Esperança

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