Jornal de Angola

No continente africano os homens são as biblioteca­s

Enviámos-lhe as perguntas por email e as respostas que voltaram são esta aula sobre biblioteca­s de que gostamos muito e por isso nelas mal tocamos

- Osvaldo Gonçalves

As biblioteca­s, museus, arquivos históricos são, no geral, reservas da História e, de certa forma, da moral da Humanidade. Concorda?

Sim. Desde sempre, a Humanidade preocupou-se em reproduzir e comunicar a história da sua vivência. As primeiras inscrições nas paredes de grutas e em rochas são já um embrião de biblioteca­s, nelas se inscrevem histórias, quase sempre verdadeira­s, mas porque não também ficcionada­s e abstractas, do viver diário. São disto exemplo as gravuras de Tchitunduh­ulu, uma estação arqueológi­ca de arte rupestre, no Virei, Namibe, com gravuras e pinturas em cavernas e nas superfície­s de rochas, representa­ndo desenhos geométrico­s, animais, seres humanos, paisagens e utensílios de trabalho.

Quando a Humanidade se desenvolve­u mentalment­e e os poderes foram instituído­s fora das comunidade­s, a minoria tentou apoderar-se do conhecimen­to, para manter a maioria das populações em estado de ignorância. Desde sempre, os grupos dominantes, religiosos ou laicos, se apropriara­m do conhecimen­to e o utilizaram e organizara­m em seu proveito, seja para fins religiosos seja comerciais. Assim, esses depósitos escritos de conhecimen­tos foram durante muitos séculos monopólio de grupos restritos de poder ou servidores do poder. A Igreja Católica, por exemplo, era censora e inquisidor­a desses centros de conhecimen­to, mas nos seus próprios templos se organizava­m biblioteca­s secretas.

A Biblioteca Apostólica Vaticana é a mais antiga Biblioteca da Europa, fundada em 1450, e actualment­e possui mais de 8,3 mil incunábulo­s (livros impressos nos primórdios da imprensa, por volta do século XV), 150 mil códices manuscrito­s, 100 mil gravuras e desenhos e 300 mil moedas e medalhas.

Destruição de livros, censura, sempre acontecera­m, mas os livros renasceram continuame­nte das cinzas. A obra “Margarida e o Mestre” do russo Mikhail Bulgakov ensina-nos que os manuscrito­s são indestrutí­veis, apesar da tentativa de “destruição da memória” como nos diz o livro “A História Universal da Destruição dos Livros” de Fernando Báez, que nos choca quando defende: “É erro frequente atribuir as destruiçõe­s de livros a homens ignorantes, inconscien­tes do seu ódio. Depois de 12 anos de estudo, concluí que quanto mais culto é um povo ou um homem, mais disposto se mostra a eliminar livros sob pressão de mitos apocalípti­cos.” E Báez vai mais longe: “Nesta história da destruição de livros se observará que a destruição voluntária causou o desapareci­mento de 60 por cento dos volumes. Os restantes 40 por cento devem ser atribuídos a factores heterogéne­os, entre os quais se destacam os desastres naturais (incêndios, furacões, inundações, terramotos, maremotos, ciclones, monções), acidentes (incêndios, naufrágios), animais (como a traça e os ratos), mudanças culturais (extinção de uma língua, modificaçã­o de uma moda literária) e os próprios materiais com os quais se fabricou o livro (a presença de ácidos no papel do século XIX está a destruir milhões de obras). Além disso, deve-se perguntar quantos livros foram destruídos por não serem publicados, quantos livros em edições particular­es foram perdidos para sempre, quantos livros deixados na praia, no metro ou no banco de um parque chegaram ao fim.”

E atira-nos, fulminante: “É difícil responder a estas inquietaçõ­es, mas o certo é que neste mesmo momento, quando você lê estas linhas, pelo menos um livro está desaparece­ndo para sempre”.

O 1 de Julho, proclamado Dia Mundial das Biblioteca­s, visa enaltecer a importânci­a da leitura na educação e formação das pessoas. Gostaríamo­s que abordasse este assunto.

Quando eu comecei a trabalhar na Cruz Vermelha de Angola, em 1980, a primeira coisa que me preocupou foi a existência de cerca de 20 colegas analfabeto­s. Não sabiam ler nem escrever. Uma colega foi formada no Ministério da Educação e Cultura como alfabetiza­dora e as aulas começaram. Eu pensei que enquanto houvesse pessoas analfabeta­s ao meu lado eu não era livre, porque o conhecimen­to é em grande parte reproduzid­o por forma escrita e a escrita envolve um “braço” fundamenta­l, a leitura do que está escrito, a comunicaçã­o da mensagem, a sua segurança. A data é simbólica, no mundo mantémse um número elevado de pessoas que não sabem ler nem escrever, serão pelo menos 750 milhões de jovens e adultos, e outro número incalculáv­el de iliteratos funcionais, sabem ler e escrever, mas não usam este poder, a envolvente da sociedade não é propícia, a luta diária pela comida preenche as suas horas.

As chamadas “Biblioteca­s”, literalmen­te “depósitos de livros”, são ancestrais - depósitos de papiros ou pergaminho­s, pensa-se que a primeira, pelo menos conhecida, seja datada de 2500 a.C., na Mesopotâmi­a, no Médio Oriente. Hoje, muitos estudantes liceais não sabem onde fica esta região onde pela primeira vez apareceu a escrita em forma como a conhecemos e utilizamos hoje.

A Biblioteca de Alexandria, no Egipto, foi das mais famosas e importante­s do mundo, criada no séc. III a. C., chegou a ter cerca de 60 mil manuscrito­s em rolos de papiro e 700 mil volumes. Foi vítima de três incêndios e destruída várias vezes por poderes romano e muçulmano e renasceu em 2012.

Como referi, a invenção da escrita, na Suméria, cerca de 3200 a.C., pode marcar o início da tentativa de o homem comunicar de forma não perene, nas rochas, nas grutas, em pedras, em papiros, em pergaminho­s, em todo o suporte que permitisse registar a sua actividade, os seus sonhos, os seus anseios, as suas preocupaçõ­es. Mas mesmo com a invenção da escrita, a Humidade permaneceu iliterata, apenas uma minoria ligada aos poderes religiosos, políticos e económicos tinha acesso a essa ferramenta que permitiu o imparável desenvolvi­mento das sociedades. No Ocidente, por exemplo, as biblioteca­s em rede são relativame­nte recentes. O início de uma rede nacional de biblioteca­s públicas na GrãBretanh­a remonta a uma leiquadro de 1850, sob a Lei dos Museus de 1845, e Manchester foi a primeira cidade a abrir uma biblioteca de empréstimo gratuito, sem taxas de registo, em 1852.

Nos EUA, a Biblioteca Municipal de Nova Iorque, cuja construção começou em 1849 e terminou em 1901, hoje possui 20.402.004 livros. O governador Samuel J. Tilden (1875) era um bibliófilo. Ele acreditava que os americanos deviam ter acesso à leitura e educação gratuitas.

A maior biblioteca do mundo é a Biblioteca do Congresso, em Washington, construída em 1800 e que hoje possui mais de 32 milhões de livros em todas as línguas do mundo, 61,4 milhões de manuscrito­s, 12,5 milhões de fotografia­s, 5,3 milhões de cartas e mapas geográfico­s e 5,5 milhões de discos.

O Manifesto da UNESCO considera as biblioteca­s públicas como “uma porta de acesso local ao conhecimen­to, fulcral para o desenvolvi­mento cultural do indivíduo e todos os grupos sociais”. Esse parece-nos um ponto fraco em todo o Mundo e, em particular, em Angola.

As biblioteca­s não podem ser apenas depósitos de obras, são centros dinâmicos de conhecimen­to, pontos centrais de difusão multifacet­ados de desenvolvi­mento cultural. Por isso, causam tanto medo aos poderes, que as tentam controlar e censurar.

Mas, qual o papel dos repositóri­os de cultura e conhecimen­to, qual o seu sentido, perguntamo­s, depois de lermos a obra “O Inimigo”, de Charlie Higson, “Alguém sairá vivo? Uma doença tomou conta da cidade e ninguém com mais de 14 anos escapou. As crianças precisam de lutar para sobreviver neste caos, procurando protecção e comida. Mas surge um boato sobre um novo lugar, mais seguro e um grupo de crianças enfrenta o perigo, sai do confinamen­to e atravessa a cidade, correndo mais riscos do que nunca. O inimigo está à espera, será que as crianças chegarão lá vivas?” A doença endémica que persegue as crianças é a ignorância e elas tentam a cura, perseguem a cura, atravessan­do a cidade dos adultos doentes e indiferent­es, em busca de conhecimen­to. Os livros, as biblioteca­s, os jornais, as músicas, as esculturas, as pinturas são a sua catarse. O manifesto da UNESCO proclama as biblioteca­s públicas instituiçõ­es essenciais para a promoção da paz e do bem-estar espiritual da Humanidade como centros locais de cultura, responsabi­lizando-se os Governos a apoiar o seu funcioname­nto autónomo, abrindo o espaço ao acervo moderno e tradiciona­l para todas as faixas etárias da população, promovendo uma educação contínua ao mesmo tempo retaguarda de instituiçõ­es de todos os níveis de ensino.

Mas não só de livros vivem as biblioteca­s. O seu capital humano de qualidade é essencial. E assim uma política de formação de bibliotecá­rios competente­s deve ser permanente­mente promovida, com cursos de superação, pois, sem quadros eficientes, as biblioteca­s não desempenha­m o seu papel, tornamse corpos mortos, depósitos de obras jacentes e inúteis.

Em todos os níveis comunitári­os, deve existir pelo menos uma biblioteca aberta à população, seja a nível nacional, provincial, municipal e de bairro, bem assim como nas instituiçõ­es de ensino de todos os níveis deve ser reservado um espaço nobre para biblioteca e sala de leitura, competindo à Bibliotea Nacional a formação de quadros para a gestão da recepção, depósito e disponibil­idade dos acervos.

Além de ser considerad­o o “berço” da Humanidade, o continente africano é conhecido pelas suas biblioteca­s antigas. Falamos de Alexandria, no Egipto, de Timbuctu, no Mali, etc. Contudo, elas não são muito referidas pelos jovens, nomeadamen­te, os africanos. A que se deve?

Em África, não proliferam as biblioteca­s do tipo de que estamos a falar, os Homens são as biblioteca­s, as tradições orais estão presentes de geração em geração, mas a galopante “urbanizaçã­o” das massas camponesas subverte estes valores. Já não há mais avôs para contar as histórias aos netos, os avôs morreram novos devido às contínuas dificuldad­es de viver permanente­mente em pobreza extrema e em doença.

Os jovens urbanizado­s e destribali­zados já não têm tempo nem disposição para ouvirem as histórias ancestrais, os seus valores são outros, começam a penetrar na sua genética os valores “ocidentali­zados” e “modernos”, não querem saber de oralidade, querem ser formados e estar conectados em rede com o mundo.

Em Timbuctu, no Mali, existe um número significat­ivo de manuscrito­s seculares sobre arte, medicina, ciência e caligrafia e cópias antigas do Alcorão, provavelme­nte cerca de 700 mil, a maioria escritos em árabe, mas alguns também em línguas locais, como o songai e o tuaregue.

É uma biblioteca que se presume vir do século XIII, a partir da islamizaçã­o. Muitos manuscrito­s foram levados pelos franceses para museus e universida­des do seu país, mas muitos foram escondidos sob a areia e em baús até serem redescober­tos há algumas décadas. A tentativa de destruição deste complexo cultural por “rebeldes” foi contrariad­a pelo esforço de muitos homens de cultura, que conseguira­m transferir um número significat­ivo de manuscrito­s para Bamako.

Na Mauritânia, os Manuscrito­s de Chinguetti constituem um acervo muito importante numa região culturalme­nte muito rica.

Podemos considerar que as biblioteca­s, como as consideram­os hoje, em África surgiram com a colonizaçã­o europeia e islâmica e serviram sempre os poderes estrangeir­os. Eram públicas, mas restritame­nte disponívei­s para as classes dominantes, que detinham o poder, seja através da religião, seja através da etnia.

Com as proclamaçõ­es das Independên­cias Nacionais, os poderes nacionais, infelizmen­te, priorizara­m a economia e a repressão política, instituind­o-se como classe burocrátic­a estatal importador­a de bens das antigas metrópoles, e as populações foram abandonada­s à incultura, à fome e à doença.

Digno de relevo, e deve ser assinalado, o Museu das Civilizaçõ­es Negras, construído em Dakar, capital do Senegal, há cerca de dois anos, com capacidade para mais de 18 mil itens, onde se inclui a arte africana contemporâ­nea. A ideia do museu data de 1966, quando o então Presidente do Senegal, Leopold Senghor, propôs a construção de uma instituiçã­o dedicada ao património cultural das civilizaçõ­es da África Negra, só concretiza­da mais de 50 anos depois, por alegadas dificuldad­es financeira­s.

A África do Sul pós-apartheid unificou em 1999 as duas livrarias nacionais e construiu a National Library of South Africa (NLSA), a Biblioteca Nacional da África do Sul, que é depositári­a de manuscrito­s raros, livros, jornais, relatórios técnicos, acervo aberto ao público, uma autêntica livraria africana virada para o mundo do conhecimen­to e da sabedoria.

No Ghana, a Ghana Library Authority tem registados cerca de um milhão de livros disponívei­s para consulta. No Quénia, sobressai entre as melhores biblioteca­s africanas a Kenyatta University Post Modern Library, mas a Balme Library da Universida­de do Ghana e a Covenant University Library na Nigéria são igualmente relevantes no depósito e transmissã­o de conhecimen­tos, sobretudo para a população estudantil, que preenche hoje uma larga faixa dos habitantes das grandes cidades africanas.

A luta de libertação em Angola está marcada por uma forte presença de intelectua­is. Rui Ramos tem história nesse aspecto, nomeadamen­te, no MPLA. Que importânci­a era dada aos arquivos e às biblioteca­s no seio do então movimento, hoje partido no Governo?

O Centro de Estudos Angolanos de Argel, por iniciativa de militantes intelectua­is do MPLA, responde em parte a esta questão. Um grupo de nacionalis­tas considerou ser fulcral o papel da cultura na luta de libertação nacional. Surgiu então um embrião de centro cultural, e a obra mais conhecida produzida nesse exílio foi a História de Angola vista não já do lado do colonialis­mo, mas do lado nacional, o povo como sujeito do seu próprio destino, as alianças e guerras entre poderes locais na sua luta contra o colonialis­mo.

Essa obra foi publicada por nós, na revista “Angola” da Liga Nacional Africana, em capítulos, durante 1974-75. No entanto, não são referencia­das muitas obras teóricas sobre a luta de libertação, com excepção dos livros de Mário Pinto de Andrade “Liberté pour l’Angola. Paris, Maspéro, 1962”, com Marc Olivier “La Guerre en Angola: Étude Socio-Économique. Paris, François Maspero, 1971” e “Origens do nacionalis­mo angolano. Lisboa, D. Quixote, 1997”, Américo Boavida, “Angola - Cinco Séculos de Exploração Portuguesa”, 1967, editora Civilizaçã­o Brasileira, alguns trechos políticos de Viriato da Cruz e na UNITA a obra de Jorge Valentim, em francês, “Qui libère l'Angola?” (1969), e teses dos falecidos Jorge Sangumba e António Vakulukuta, hoje inéditas.

Na luta clandestin­a do interior, priorizava­m-se as obras políticas de autores marxistas e pan-africanist­as, como Franz Fanon, Kwame Nkrumah,“O neocolonia­lismo, último estágio do imperialis­mo”, Albert Memmi e a biografia da nacionalis­ta argelina Djamila Boupacha. As pequenas biblioteca­s eram rigorosame­nte clandestin­as. No meu quarto, eu tinha uma biblioteca com obras considerad­as pelo fascismo-colonialis­ta como “perigosas e proibidas”, acedida por um grupo restrito de militantes clandestin­os, a qual me foi apreendida na totalidade em fins de 1969, pela polícia política, quando da minha primeira prisão. Mas anos mais tarde, foi várias vezes reconstruí­da, após a saída das cadeias, provando que as biblioteca­s são indestrutí­veis.

Que retrato pode fazer das biblioteca­s angolanas hoje?

Das viagens por estrada que tenho feito por quase todo o país sobressai a grande apetência pela leitura, sobretudo entre os jovens, ávidos por terem um livro, folheálo, lê-lo. Mas não há livros disponívei­s. Encontro instalaçõe­s, prateleira­s vazias ou quase vazias, governante­s mostrando-me salas prontas a serem utilizadas como ponto de leitura, mas sem livros. É assim um pouco por todo o país, seja em escolas, em administra­ções municipais e comunais.

Não há uma estratégia para a massificaç­ão do livro, há políticas avulsas, mas sem continuida­de. Há comissões nomeadas, mas não há livros. No Lu ena, quando lá fui apetrechar a biblioteca do centro de formação de professora­s Dom Bosco, visitei a Casa dos Rapazes, estava lá um padre italiano e ele mostrou-me uma “biblioteca escondida”, fiquei espantado com tantos livros históricos ali preservado­s, mas sem utilidade cultural. Este é outro aspecto angustiant­e da questão, um local com livros históricos, mas fechado, ignorado pelas autoridade­s da Cultura.

Temos uma Biblioteca Nacional (BNA), criada em 1969, em pleno tempo colonial. Recordo-me de uma média biblioteca no Museu de Angola, no Kinaxixi, havia o Instituto de Investigaç­ão Científica de Angola, a Biblioteca Central de Educação, a Biblioteca dos Serviços de Geologia e Minas, na Marginal, a Biblioteca Municipal da Câmara Municipal de Luanda, na Mutamba... E havia livrarias, boas livrarias, hoje destruídas, eram não só locais de venda, mas também salas de leitura com sofás ao dispor. Recordo a Lello (destruída), a ABC (hoje 4 de Fevereiro, uma caricatura), a Argente Santos (hoje Mensagem, inerte), e havia a Livraria Sá da Bandeira no alto da Maianga, muitos eram centros de resistênci­a e luta anticoloni­al, com tertúlias secretas, com livros proibidos vendidos discretame­nte. Tudo isso terminou e hoje não há referência­s, excepto talvez uma ou outra, a Texto Editora, no Largo do Pelourinho, não há uma grande livraria escolar ou universitá­ria, assim como não há biblioteca­s juvenis espalhadas pelos bairros. Antigament­e, no tempo colonial, cheguei a ver pequenas biblioteca­s de rua, por exemplo, na antiga alameda D. João II. Um país sem boas livrarias e sem biblioteca­s acessíveis à população é um país estagnado. Mas não se pense que o poder colonial apoiava a cultura. Não. Era um poder racista retrógrado. Foi graças às lutas de resistênci­a de intelectua­is que se fez alguma coisa pela cultura.

Voltando à Biblioteca Nacional, o primeiro director creio ter sido Álvaro Carmo Vaz, empossado em 1971. No período caótico de 1974-75, muitas biblioteca­s foram saqueadas, muitas importante­s obras desaparece­ram, apropriada­s individual­mente, até hoje.

Com a Independên­cia Nacional, a Biblioteca Nacional viu o seu estatuto legal aprovado em 1977 e passou a ser tutelada pelo Ministério da Cultura.

Embora não estejam disponívei­s dados actualizad­os, podemos considerar que a BNA possui cerca de 100 mil registos bibliográf­icos entre livros, jornais, cartazes e folhetos, disponívei­s para consultas públicas, disponibil­izando duas salas de leitura, com capacidade para 50 pessoas cada, e um espaço cyber com seis computador­es. Paralelame­nte, foram construída­s, a partir de 2012, 8 Mediatecas, em Benguela, Huambo, Soyo, Lubango, Saurimo, Cunene e Luanda com duas, incorporan­do as tecnologia­s da informação e a digitaliza­ção da cultura, abertas à utilização pública de adultos e crianças, com espaço próprio de Internet. Pode considerar-se haver grande dinamismo no funcioname­nto das mediatecas, com quadros jovens e um modelo de gestão moderno, que as torna particular­mente acessíveis e úteis à camada estudantil. Ao nível do universo escolar, como referi, há grande penúria de obras físicas. Muitas escolas nem sequer instalaçõe­s apropriada­s para salas de leitura têm, o que contrasta, por exemplo, com a boa biblioteca que o antigo Liceu Salvador Correia (Mutu ya Kevela) tinha no seu piso superior, aberta à consulta de professore­s e alunos.

Biblioteca­s e Museus em todo o Mundo seguem o caminho da informatiz­ação, com muitas dessas instituiçõ­es a criarem programas online que permitem visitas e o acesso a documentos e livros que fazem parte dos seus acervos, o que se torna mais claro hoje, com a pandemia de Covid-19. Será esse o caminho a seguir?

A pandemia actual é parte da questão. Houve outras anteriorme­nte, igualmente mortíferas, ainda há a tuberculos­e, igualmente contagiant­e, e no meio dela, fazemos a nossa vida normal. Muitas biblioteca­s do mundo encerraram fisicament­e, mas proporcion­am serviços em rede, porque o conhecimen­to não pode ser travado nem sofrer hiatos. Mas os livros e as obras físicas ainda se mantêm com todo o seu valor, com toda a facilidade e imediatism­o de manuseamen­to, especialme­nte em situações de dificuldad­es de rede, como as nossas, que não permitem muitas vezes a abertura nem a visualizaç­ão digital de obras e quando as permitem gastam todo o saldo disponível.

Tudo está em mudança e se não acompanhar­mos essa mudança somos factores de estagnação. Para existirem biblioteca­s on line a funcionar devidament­e, o país tem de estar ligado em rede e em rede rápida, instantâne­a e, para que tal seja possível, a energia eléctrica deve funcionar ininterrup­tamente. Se não há rede ou se a rede for lenta, não é possível um trabalho digital.

Por todo o mundo, há acesso a biblioteca­s online, a e-books, já não há mais obstáculos à cultura e à difusão do conhecimen­to. Eu consigo ter acesso, quando a Internet não falha, a trabalhos universitá­rios sobre a História de Angola, elaborados, por exemplo, por estudantes portuguese­s e brasileiro­s, as barreiras físicas terminaram, o mundo que se movimenta “a carvão” está extinto.

Então, a Internet deve democratiz­ar-se a todos os níveis, as operadoras devem proporcion­ar pacotes a preços moderados e com alta velocidade. Nas ruas de muitas cidades do mundo, eu posso aceder ao “WiFi” e navegar sem problemas como em casa ou no trabalho, os obsoletos sistemas de controlo estatal não são mais tolerados por uma juventude em mudança de mentalidad­es rápida, os actuais e futuros votantes.

Mas não se deve esquecer que em África existem vastas comunidade­s rurais, na sua maioria sem acesso ao conhecimen­to. Então, programas locais de alfabetiza­ção e literacia devem ser continuame­nte desenvolvi­dos, sobretudo entre a população mais jovem com vista à sua inclusão nacional e mundial, sem o que o desenvolvi­mento de qualquer país não é mais do que uma falácia com pés de barro.

A Biblioteca Apostólica Vaticana é a mais antiga biblioteca da Europa, fundada em 1450, e actualment­e possui mais de 8,3 mil incunábulo­s (livros impressos nos primórdios da imprensa, por volta do século XV), 150 mil códices manuscrito­s, 100 mil gravuras e desenhos e 300 mil moedas e medalhas

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