Crianças perdidas no meio da selva no Lunachi
Nada justifica que, em pleno século XXI, haja pessoas a viver como autênticos “primatas”, como Mutangu Chitombi e tantos outros meninos do Lunachi, na comuna de Mussuma Mitete, município dos Bundas, no Moxico, que por circunstâncias diversas perderam a fe
De tronco nu e pés descalços, o menino, de apenas 15 anos, evidencia sinais de velhice precoce. Mutangu Chitombi nasceu no meio da selva, onde falta tudo, e já perdeu o brilho que tinha na pele. Assustouse, quando uma caravana de viaturas invadiu a sua aldeia, no Lunachi, comuna de Mussuma Mitete, no município dos Bundas, província do Moxico.
Mesmo com o coração ainda a palpitar, teve coragem de aproximar-se do local onde estava concentrado o grupo de visitantes, enquanto outros garotos da localidade olhavam a distância. “Gostaria um dia de viver na cidade, porque os meninos de lá são mais bonitos, têm boa roupa e comem muito bem. Aqui nós não temos sabão, nem óleo alimentar. Não há lojas onde podemos comprar isso”, disse o rapaz, cujo aspecto físico chamou a atenção da equipa de reportagem do Jornal de Angola.
Chitombi fala dos momentos difíceis que a população do Lunachi enfrenta, para sobreviver, e conta que nunca frequentou a escola. Já faz muito tempo que não usa sabão na hora do banho. Sonha ser um grande jogador de futebol. Lembra que apaixonou-se ainda mais pela modalidade, depois de permanecer algum tempo na Zâmbia. Foi acompanhar a mãe ao tratamento médico.
“A bola que eu trouxe da Zâmbia já estragou. Mas já tenho outra, improvisada. Jogo todos os dias com os meus amigos, naquele campo aí”, disse Chitombi, que apontava para o campo pelado, onde são realizados os “trumunos” na aldeia.
A caminho de uma longa e dura viagem ao posto fronteiriço do Zovo, na comuna de Mussuma Mitete, a equipa de reportagem do Jornal de Angola, que integrou a comitiva chefiada pelo governador do Moxico, Gonçalves Muandumba, radiografou momentos dramáticos de várias famílias entregues a sua sorte, numa Angola independente há 45 anos. Não se justifica que, em pleno século XXI, haja pessoas a viver como autênticos “primatas”, como o Mutangu Chitombi e tantos outros meninos do Lunachi, que por circunstâncias diversas perderam a felicidade e o gosto de viver.
Vias intransitáveis
Sem escolas, unidades de saúde e vias de acesso intransitáveis, a má qualidade dos solos agrava ainda mais a condição social das famílias. O terreno arenoso torna quase que impraticável a actividade agrícola. A população local, que se alimenta essencialmente de mandioca, milho e massango, desloca-se a vizinha República da Zâmbia em busca de serviços de assistência médica, e bens de primeira necessidade.
De Lumbala Nguimbo até ao posto fronteiriço de Zovo, passando pela sede comunal de Mussuma Mitete, a distância é de 98 quilómetros, que em boa estrada seriam percorridos em menos de uma hora. Mas a via está muito degradada e a viagem, com uma viatura todo terreno (4x4), só pode ser concluída depois de seis ou sete horas.
Além da robustez do veículo, o troço exige maior habilidade aos motoristas, no sentido de evitarem que, por exemplo, discos de embraiagem e amortecedores danifiquem. Devido a quantidade de poeira produzida durante a viagem, os automobilistas fazem algumas paragens para assoprar os filtros de ar.
Na sede comunal de Mussuma Mitete existe apenas uma casa de construção definitiva, onde funciona a Administração comunal.Aestrutura,quecarece de reabilitação, representa a única lembrança da presença colonial na localidade.