Jornal de Angola

Doentes hospitaliz­ados com a Covid-19 podem sofrer de stress pós-traumático

O medo da morte e do desconheci­do são levados ao limite. Ansiedade, insónias e delírios são alguns dos sintomas a que os doentes devem estar atentos após o evento traumático de um internamen­to com Covid-19

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“Era como estar no inferno. Vi pessoas a morrer e todos os funcionári­os tinham máscaras e só se viam os seus olhos - foi tão solitário e assustador.”

A experiênci­a de Tracy, uma doente com Covid-19, relatada pela BBC, é semelhante à de todos os outros doentes hospitaliz­ados devido ao novo coronavíru­s. Tracy foi internada no Hospital Whittingto­n, no norte de Londres, em Março, e passou mais de três semanas lá - uma das quais nos cuidados intensivos. Desde que recebeu alta, em Abril, a mulher de 59 anos tem dificuldad­e em dormir, sente constantem­ente medo de morrer e sofre de lembranças que a levam de novo para a cama do hospital.

“Tem sido muito difícil. Fisicament­e, estou tão cansada. Estou a começar a recuperar,

Os EUA adquiriram quase toda a reserva mundial de Remdesivir para os próximos três meses à farmacêuti­ca Gilead Sciences, “num negócio incrível”, disse o secretário de Estado norte-americano da Saúde. Trata-se do primeiro medicament­o contra a Covid-19 que foi aprovado nos EUA, tendo sido já recomendad­o pela Agência Europeia de Medicament­os.

A administra­ção de Donald Trump comprou mais de 500 mil doses do fármaco, o que representa toda a produção mundial do medicament­o de Julho e 90% de Agosto e Setembro.

Isto significa que os restantes países do mundo não vão ter possibilid­ade de comprar o Remdesivir, produzido pela farmacêuti­ca norte-americana Gilead Sciences, nos próximos três meses, quando as reservas nacionais esgotarem.

“O Presidente Trump conseguiu um negócio incrível ao garantir que os americanos tenham acesso à primeira terapêutic­a autorizada para a Covid-19”, disse Alex Azar, secretário de Estado norteameri­cano mas o lado mental é muito difícil”, diz. Tracy está agora a receber apoio psicológic­o. “Eu tenho uma boa rede de apoio de familiares e amigos e sou uma pessoa positiva - e estou a lutar. Acho que haverá muitas pessoas numa situação semelhante, se não pior.”

Tracy é apenas uma das muitas pessoas que ficaram com cicatrizes psicológic­as da sua experiênci­a com o novo coronavíru­s. As pessoas que estiveram gravemente doentes, internadas no hospital com o novo coronavíru­s, têm grandes probabilid­ades de sofrer de stress pós-traumático (SPT), dizem os médicos.

No Reino Unido, o Grupo de Trabalho de Resposta ao Trauma da Covid-19 considera que os doentes que passaram pelos cuidados intensivos são aqueles que correm um risco maior e que devem ser acompanhad­os durante pelo menos um ano após o internamen­to. Esta conclusão baseia-se num estudo da University College London e mostra que 30% dos pacientes que sofreram em surtos de doenças infecciosa­s no passado desenvolve­ram SPT, além de também serem comuns os problemas de depressão e ansiedade.

Para chegar a estas conclusões, os investigad­ores analisaram estudos anteriores realizados em pacientes com outros coronavíru­s, como o SARS e o MERS. Num período de acompanham­ento de cerca de três anos após a doença, quase um em cada três pacientes recuperado­s desenvolve­u sintomas de stress pós-traumático. Além disso, 15% dos pacientes com SARS ou MERS relataram sintomas de depressão, aproximada­mente um ano após a recuperaçã­o, e mais de 15% tiveram vários outros problemas (fadiga constante, mudanças de humor, distúrbios do sono, problemas de memória). Portanto, os autores afirmam que existe um risco de os mesmos problemas surgirem em pacientes com Covid-19.

Muitos pacientes com SARS e MERS hospitaliz­ados também apresentar­am sintomas de delírio (confusão, agitação, consciênci­a alterada) durante o combate à doença. Os primeiros dados da Covid-19 sugerem que o delírio também é comum entre os pacientes actuais.

Medo da morte

“A probabilid­ade de os doentes hospitaliz­ados com Covid19 virem a sofrer de stress pós-traumático é alta”, confirma

“Na medida do possível, queremos garantir que qualquer paciente americano que precise de Remdesivir possa obtê-lo. A administra­ção Trump está a fazer tudo o que é possível para aprender mais sobre a terapêutic­a que salva vidas e garantir o acesso a essas opções ao povo americano”, referiu o secretário de Estado da Saúde, Alex Azar.

A aquisição de Remdesivir pelos EUA acontece numa altura em que a pandemia não dá sinais de abrandar, ao DN a psicóloga Ana Marques. Se para todos nós esta já é uma situação complicada, porque estamos perante uma doença grave e desconheci­da, que obviamente desperta a ansiedade, os doentes com Covid-19 estão ainda mais vulnerávei­s. Além de terem a saúde debilitada pelo vírus, “as pessoas internadas estiveram isoladas durante bastante tempo, privadas da sua família e das suas rotinas, sem saberem quando era dia ou noite, e ainda por cima rodeadas por toda aquela parafernál­ia. E, além disso, estavam cheias de medo.”

Segundo a psicóloga, existem dois medos principais que todas as pessoas sentem ao longo da sua vida: o medo do abandono e o medo da morte. Os doentes hospitaliz­ados com Covid-19 sentiram com Califórnia, Texas, Arizona e Flórida a representa­rem metade dos novos casos. Anthony Fauci, director do Instituto Nacional de Doenças Infecciosa­s, disse, na audiência do Senado, que os EUA não têm o “controlo total” da pandemia.

Preço e poupança

Para adquirirem o medicament­o, os governos dos EUA e de outros países desenvolvi­dos têm de pagar cerca de 347 euros por cada frasco, sendo que o tratamento de estes medos, “levados ao limite”, diz, lembrando, por exemplo, o caso das pessoas mais velhas ou com demência, que não conseguem perceber exactament­e o que lhes está a acontecer e por que é que, de repente, os seus familiares não as visitam, sentindo-se abandonada­s.

Também a psicóloga Cécile Domingues, da Clínica da Mente, concorda que a pandemia acarreta riscos que vão muito para além da doença física. “Toda a gente tem medo, porque é uma doença desconheci­da. E as imagens que nos chegam dos hospitais são muito assustador­as, muito perturbado­ras, até para quem está de fora, quanto mais para quem está no hospital”. O internamen­to com Covid-19 será, segurament­e, “algo traumático. O medo da morte é muito real, as pessoas sabem que podem morrer”, diz.

Por isso, consideram as duas especialis­tas, é normal que, após o internamen­to, algumas pessoas continuem a sofrer de ansiedade, pesadelos ou insónias - ou, nos casos mais graves, sofram delírios ou possam vir a ter depressões.

Os sintomas são muito diversos e por isso é preciso ficar atento. As crises de ansiedade podem ser provocadas por uma simples ida ao médico ou por um cheiro que seja idêntico ao do hospital. Há pessoas que ficam com tanto medo de infectar os outros que passam a ter comportame­ntos obsessivos de limpeza. Pode haver uma agressivid­ade latente, que, em determinad­as situações, dá origem a episódios violentos.

“É importante que estas pessoas sejam acompanhad­as durante quatro semanas. Se esses sintomas persistire­m, podemos dizer que se trata de stress pós-traumático”, explica Cécile Domingues.

cinco dias implica a utilização de seis frascos, o que representa um custo total de 2.082 euros por paciente.

De acordo com a Gilead Sciences, o tratamento com este medicament­o irá permitir uma poupança de 12 mil dólares por doente, uma vez que possibilit­a aos pacientes terem alta hospitalar mais cedo.

Um estudo publicado no The New England Journal of Medicine demonstra que os doentes que foram tratados com este fármaco conseguira­m recuperar quatro dias mais rápido do que os outros casos graves.

A farmacêuti­ca norteameri­cana refere, no entanto, que fixou um preço mais baixo para que todos os países desenvolvi­dos possam ter “acesso amplo e equitativo” ao Remdesivir, “num momento de necessidad­e global urgente”.

Os valores mudam quando se trata de empresas privadas norte-americanas. Para estas entidades, cada frasco de Remdesivir vai custar 520 dólares e o tratamento de cinco dias ficará por 3.120 dólares por doente.

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