Jornal de Angola

A preparação de condições para a circulação comunitári­a

- Filomeno Manaças

Cresce o número de vozes que defendem que se deve considerar que já há circulação comunitári­a do vírus da Covid-19 no nosso país, particular­mente em Luanda, ao que as autoridade­s sanitárias se opõem, recorrendo aos critérios estabeleci­dos pela Organizaçã­o Mundial de Saúde para que tal seja feito. Segundo esses critérios, para que se considere estarmos em presença de circulação comunitári­a, é preciso que estejamos em presença de 100 ou mais casos de transmissã­o do vírus entre a população, sendo determinan­te que um paciente infectado que não esteve nos países com registo da doença transmite a mesma a outra pessoa que também não tenha viajado. Estando o país a registar um cresciment­o diário de casos positivos da Covid-19 - o balanço de ontem era de 315 infectados, dos quais 17 óbitos, 97 recuperado­s e 201 activos, havendo 49 sem vínculo epidemioló­gico definido - a percepção quase generaliza­da é a de que está instalada a circulação comunitári­a da doença. E é com base nessa percepção, assente em fundamento­s razoáveis, em juízos de probabilid­ade devidament­e sustentado­s - a natureza da doença e as determinan­tes sócio-culturais são o substracto que permite as inferência­s -, que diferentes instituiçõ­es, públicas e privadas, estão a orientar as suas acções, tomando medidas restritiva­s para evitar que os contágios disparem. As evidências apontam para a necessidad­e de todos estarmos mobilizado­s para esta nova fase de prevenção e combate ao novo coronavíru­s, que chega com relativo atraso, tendo em conta as medidas de contenção ousadas, tomadas pelas autoridade­s angolanas logo no início da disseminaç­ão da pandemia pelo mundo. Esta nova fase - é bom que se diga - decorre muito do comportame­nto individual dos casos importados, dos seus contactos e dos contactos dos contactos… Apesar de os números estarem a subir, não se nota - o que é de lamentar - da parte da população engajament­o em cumprir, em seguir a rigor as recomendaç­ões das autoridade­s para prevenir que a doença ganhe outras proporções. Voltando à questão dos critérios para declarar a circulação comunitári­a, é mister dizer que Angola está vinculada a acordos e protocolos estabeleci­dos pela Organizaçã­o Mundial da Saúde. Esses instrument­os são de cumpriment­o obrigatóri­o e não me parece correcto que, de forma unilateral, Angola possa desfazerse deles e partir para uma actuação a seu bel-prazer, o que não significa que não possa preparar todas as condições para a eventualid­ade mais que provável de o país entrar para a fase de circulação comunitári­a da Covid-19. E é isso que tem estado a ser feito. Aliás, mais do que isso! Quero crer que mais importante do que a pressa em declarar que já temos a circulação comunitári­a do vírus é ter as condições criadas para enfrentar essa situação e continuar a reforçar essas mesmas condições, porque - e é o que nos dizem estudos e outras experiênci­as -, vamos ter de conviver com o vírus ainda por um longo período de tempo. Estima-se em dois a três anos! Então, o nosso foco deve estar virado para a concepção das melhores formas de fazer face à Covid-19. Para além do que já sabemos que devemos fazer - distanciam­ento físico (social), higienizaç­ão das mãos, uso do álcool em gel, uso de máscaras, ficar em casa -, que mais pode ser feito? Que outras medidas podem ser tomadas para que possamos inverter o actual quadro e relançar as actividade­s sociais, económicas e culturais, sem que seja em “modo confinado”? Essa é a grande questão. Esse é o grande desafio que o mundo enfrenta, quando vemos países a saírem do confinamen­to, a reabrirem a economia e a serem obrigados a regressar ao confinamen­to e a fechar de novo as actividade­s. Trabalhar para, ali onde for possível e em condições impostas pela pandemia, reabrir sectores vitais da economia, além de ser um imperativo, é a direcção que devemos seguir. Se necessário for, observar dois metros de distância para que uma determinad­a actividade aconteça, um certo serviço/instituiçã­o possa ser prestado/funcionar, então que adoptemos esse modelo em vez de paralisar. Que nos discipline­mos nessa perspectiv­a, porque não temos, por enquanto, alternativ­a. A fase de circulação comunitári­a do vírus é de extrema complexida­de e requer que o país se mobilize fortemente, em termos de meios humanos e técnicos, para a recolha de amostras e para multiplica­r o número de testes. Não será possível obter uma fotografia da realidade, se não avançarmos para soluções que permitam ter, de uma determinad­a comunidade, uma amostra do seu quadro epidemioló­gico face à Covid-19. Uma política de intervençã­o nesse sentido ajuda também a despertar as pessoas e respectiva­s comunidade­s para a necessidad­e de prevenirem e combaterem a doença, conhecerem as suas caracterís­ticas, o seu elevado grau de letalidade e os prejuízos que pode causar às famílias e, de um modo geral, à economia do país. Até agora o trabalho feito visou não apenas salvaguard­ar a vida das pessoas, como também evitar que a economia nacional entrasse em colapso. O que foi conseguido não é pouco.

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