A educação que nos (faz) falta
O que fazer para consegui-la? Foi o que nos perguntámos há uma semana, quando apontámos o dedo à falta de educação que temos, e defendemos a necessidade de uma profunda mudança na educação e no ensino do nosso país.
Não faz sentido chorarmos, ao abrir a porta do quintal da nossa casa pátria, por constatarmos que o jardim tem poucas e frágeis flores, e tanto capim, se nele não plantámos, quando devíamos, as sementes das rosas de porcelana e dos girassóis que queríamos hoje ter massivamente. Como também é injusto apontar o dedo, para envergonhá-lo, ao jovem que hoje chega à Universidade sem saber adequadamente escrever uma redacção.
É comum colher-se o que se semeia. O que faz a diferença para se conseguir levar a cabo processos de mudança bem sucedidos é ter-se a capacidade de reconhecer o que foi mal feito na primeira sementeira, aprender, e encontrar soluções para o que estava errado. De superar as limitações dos que não souberam bem semear à primeira. De se responsabilizar os que, de forma consciente, não tenham cumprido com o que era sua obrigação. E de gerar um novo entusiasmo, que dependerá da transparência e da competência das medidas a tomar, inspirando confiança na colheita futura.
A falta de educação é a nossa principal fraqueza para vencer o desafio de oferecer às novas gerações a educação que lhes (faz) falta. As deficiências da educação que temos hoje, resultam de um longo período de 45 anos em que não se conceberam adequadamente as reformas que transformassem o sistema de ensino colonial herdado, num outro, que alicerçasse a nova sociedade que apostámos construir. Resulta igualmente da limitada participação da sociedade tanto na tomada de decisões, como na interacção com as escolas e os professores. Faz falta pois - para romper este ciclo vicioso - por um lado, uma liderança com competência para definir (e honestidade para implementar) tais novas políticas, e por outro lado, uma sociedade civil que assuma a responsabilidade de agir, exigir e cobrar.
A mudança mais importante - mas também a mais difícil - é cultivar a ruptura com o conformismo, e o oportunismo, que são frequentemente incutidos logo a partir das famílias. É certo que o instinto de sobrevivência conduz à não confrontação com os poderes instituídos e ao aproveitamento de qualquer oportunidade de obter benefícios para si e para o seu grupo restrito. Mas torna-se cada vez mais necessário valorizar e apoiar os que exprimem as suas ideias com coragem, mesmo quando isso vá contra a corrente, ou contra os poderosos. Em vez de uma sociedade em que a avó dizia “Xé minino não fala política…” precisamos de outra em que o menino reclame o direito de falar política. E fale mesmo!
Precisamos de uma educação concebida para ensinar a liberdade.
Do sucesso em formar cidadãos capazes de defender o que achem correcto, dependerá a consistência na forma como funcionarão as nossas instituições, desde as escolas primárias às universidades, administração pública, empresas, associações, igrejas ou outras. Preparar as crianças e os jovens a desenvolver pensamento próprio e sentido crítico é essencial. A tendência para “partidarizar” a educação e o ensino acaba por produzir adultos condicionados por linhas ideológicas e incapazes de criticar políticas, ou pôr em causa os dirigentes, e líderes, mesmo quando medíocres ou corruptos.
A um outro nível, mas também importante, está a reestruturação e transformação do sistema de ensino, do seu conteúdo e método. Começando por se ganhar consciência da necessidade de estudar e medir a qualidade do ensino que oferecemos às nossas crianças e jovens. Expormo-nos a testes como o do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - que avalia habilidades de leitura, Matemática e ciências, em crianças de 15 anos - e a outras avaliações similares, para conhecermos a realidade actual. E que essa realidade, por mais dura que seja, se apresente de forma crua à sociedade.
O objectivo último não pode ser, apenas, o de se ser licenciado, ou doutor. A educação tem que ser sentida como uma ferramenta que cada um adquire para transformar a sociedade nas suas várias dimensões. O ensino de qualidade que precisamos não o deve ser apenas “tecnicamente”, o que pode ser fácil de conceber ou importar, e depois permanecer inaplicável… O formato e o conteúdo do ensino de qualidade que precisamos, depende da escolha do tipo de sociedade por que optarmos.
E não o teremos sem que estejam reunidas três condições que consideramos incontornáveis. Ter as crianças bem alimentadas e cuidadas é indispensável para a aprendizagem, dentro e fora da escola, e para o seu bem estar (tudo o resto será infrutífero se não conseguirmos resolver este problema). Ter professores bem preparados e motivados é a segunda condição para que a escola seja um local onde se aproveita e alimenta o potencial de desenvolvimento das crianças e jovens que por lá passam (de nada serve ter um edifício escolar construído segundo os padrões mais exigentes, se não existirem bons gestores e professores capazes e empenhados em conseguir resultados, a longo prazo, do seu trabalho). A terceira condição, mais abrangente, está ligada à capacidade de se criar um ambiente em torno da escola, para além da sala de aula, que a torne respeitada e querida por todos.
Esta mudança cultural que aqui defendemos é sem dúvida lenta e difícil mas, acreditamos nós, indispensável. Mudar de verdade a nossa educação e ensino, requer um imenso esforço, uma imensa coragem, requer a mobilização da nossa inteligência colectiva, mas é o que, mais do que nada, valerá a pena.