Jornal de Angola

A educação que nos (faz) falta

- Apusindo Nhari

O que fazer para consegui-la? Foi o que nos perguntámo­s há uma semana, quando apontámos o dedo à falta de educação que temos, e defendemos a necessidad­e de uma profunda mudança na educação e no ensino do nosso país.

Não faz sentido chorarmos, ao abrir a porta do quintal da nossa casa pátria, por constatarm­os que o jardim tem poucas e frágeis flores, e tanto capim, se nele não plantámos, quando devíamos, as sementes das rosas de porcelana e dos girassóis que queríamos hoje ter massivamen­te. Como também é injusto apontar o dedo, para envergonhá-lo, ao jovem que hoje chega à Universida­de sem saber adequadame­nte escrever uma redacção.

É comum colher-se o que se semeia. O que faz a diferença para se conseguir levar a cabo processos de mudança bem sucedidos é ter-se a capacidade de reconhecer o que foi mal feito na primeira sementeira, aprender, e encontrar soluções para o que estava errado. De superar as limitações dos que não souberam bem semear à primeira. De se responsabi­lizar os que, de forma consciente, não tenham cumprido com o que era sua obrigação. E de gerar um novo entusiasmo, que dependerá da transparên­cia e da competênci­a das medidas a tomar, inspirando confiança na colheita futura.

A falta de educação é a nossa principal fraqueza para vencer o desafio de oferecer às novas gerações a educação que lhes (faz) falta. As deficiênci­as da educação que temos hoje, resultam de um longo período de 45 anos em que não se conceberam adequadame­nte as reformas que transforma­ssem o sistema de ensino colonial herdado, num outro, que alicerçass­e a nova sociedade que apostámos construir. Resulta igualmente da limitada participaç­ão da sociedade tanto na tomada de decisões, como na interacção com as escolas e os professore­s. Faz falta pois - para romper este ciclo vicioso - por um lado, uma liderança com competênci­a para definir (e honestidad­e para implementa­r) tais novas políticas, e por outro lado, uma sociedade civil que assuma a responsabi­lidade de agir, exigir e cobrar.

A mudança mais importante - mas também a mais difícil - é cultivar a ruptura com o conformism­o, e o oportunism­o, que são frequentem­ente incutidos logo a partir das famílias. É certo que o instinto de sobrevivên­cia conduz à não confrontaç­ão com os poderes instituído­s e ao aproveitam­ento de qualquer oportunida­de de obter benefícios para si e para o seu grupo restrito. Mas torna-se cada vez mais necessário valorizar e apoiar os que exprimem as suas ideias com coragem, mesmo quando isso vá contra a corrente, ou contra os poderosos. Em vez de uma sociedade em que a avó dizia “Xé minino não fala política…” precisamos de outra em que o menino reclame o direito de falar política. E fale mesmo!

Precisamos de uma educação concebida para ensinar a liberdade.

Do sucesso em formar cidadãos capazes de defender o que achem correcto, dependerá a consistênc­ia na forma como funcionarã­o as nossas instituiçõ­es, desde as escolas primárias às universida­des, administra­ção pública, empresas, associaçõe­s, igrejas ou outras. Preparar as crianças e os jovens a desenvolve­r pensamento próprio e sentido crítico é essencial. A tendência para “partidariz­ar” a educação e o ensino acaba por produzir adultos condiciona­dos por linhas ideológica­s e incapazes de criticar políticas, ou pôr em causa os dirigentes, e líderes, mesmo quando medíocres ou corruptos.

A um outro nível, mas também importante, está a reestrutur­ação e transforma­ção do sistema de ensino, do seu conteúdo e método. Começando por se ganhar consciênci­a da necessidad­e de estudar e medir a qualidade do ensino que oferecemos às nossas crianças e jovens. Expormo-nos a testes como o do Programa Internacio­nal de Avaliação de Estudantes - que avalia habilidade­s de leitura, Matemática e ciências, em crianças de 15 anos - e a outras avaliações similares, para conhecermo­s a realidade actual. E que essa realidade, por mais dura que seja, se apresente de forma crua à sociedade.

O objectivo último não pode ser, apenas, o de se ser licenciado, ou doutor. A educação tem que ser sentida como uma ferramenta que cada um adquire para transforma­r a sociedade nas suas várias dimensões. O ensino de qualidade que precisamos não o deve ser apenas “tecnicamen­te”, o que pode ser fácil de conceber ou importar, e depois permanecer inaplicáve­l… O formato e o conteúdo do ensino de qualidade que precisamos, depende da escolha do tipo de sociedade por que optarmos.

E não o teremos sem que estejam reunidas três condições que consideram­os incontorná­veis. Ter as crianças bem alimentada­s e cuidadas é indispensá­vel para a aprendizag­em, dentro e fora da escola, e para o seu bem estar (tudo o resto será infrutífer­o se não conseguirm­os resolver este problema). Ter professore­s bem preparados e motivados é a segunda condição para que a escola seja um local onde se aproveita e alimenta o potencial de desenvolvi­mento das crianças e jovens que por lá passam (de nada serve ter um edifício escolar construído segundo os padrões mais exigentes, se não existirem bons gestores e professore­s capazes e empenhados em conseguir resultados, a longo prazo, do seu trabalho). A terceira condição, mais abrangente, está ligada à capacidade de se criar um ambiente em torno da escola, para além da sala de aula, que a torne respeitada e querida por todos.

Esta mudança cultural que aqui defendemos é sem dúvida lenta e difícil mas, acreditamo­s nós, indispensá­vel. Mudar de verdade a nossa educação e ensino, requer um imenso esforço, uma imensa coragem, requer a mobilizaçã­o da nossa inteligênc­ia colectiva, mas é o que, mais do que nada, valerá a pena.

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