Jornal de Angola

A curva (acentuada) de aprendizag­em

- Adebayo Vunge

A expectativ­a de todos os angolanos é de que não nos podemos permitir aos erros do passado, os que nos deixaram num estado calamitoso, seja por negligênci­a, gangsteris­mo ou a impunidade selectiva. São tempos pretéritos que a nossa vontade individual e colectiva não mais permitem que se conjuguem no presente. É imperativo que não percamos memória sobre ao que nos levou o culto de personalid­ade. Conhecemos o desfecho do nepotismo. Temos uma noção clara do quão perniciosa é a corrupção e o silêncio da imprensa ou conivência das instituiçõ­es judiciais, que no lugar de se preocupare­m com a mensagem, vezes sem conta se preocupara­m (não deixou de ser cabalmente assim) com o mensageiro.

Por isso, não podemos deixar de reconhecer o mérito e a vontade do Presidente da República, secundado pelas instituiçõ­es, no combate à corrupção. É óbvio que pelo facto de estar entranhada no nosso seio – aqui ninguém se pode atrever a dizer que dessa água jamais bebi, inclusive as igrejas, partidos da oposição e ONGs - precisamos de nos deitar num divã freudiano e reconhecer o “trauma”, a “culpa” ou o “pecado” e não apenas rezar as “avé Maria”. Temos, acima de tudo, de fazer de novo e fazer diferente.

É esse fazer de novo, fazer diferente, que se nota no trabalho que está a ser desenvolvi­do no quadro do PIIM. Se formos sérios, o resultado será benquisto. A premissa, não tenho dúvidas, é visionária e desafiante para a nossa governação. Até aqui, tudo (ou quase tudo) era feito e pensado centralmen­te, seja em Luanda, seja nas 18 capitais de províncias. O PIIM traz uma abordagem diferente.

Porquê? Porque os projectos foram identifica­dos pelos administra­dores municipais. O que se espera é que os conselhos de concertaçã­o tenham participad­o na identifica­ção dos projectos, com base na lógica do que é urgente, prioritári­o e necessário. Esperamos todos que o mesmo processo venha a ocorrer também na fiscalizaç­ão das suas empreitada­s. Pelo menos está dito pelas instâncias de monitorame­nto, particular­mente pelo Ministro de Estado para a Coordenaçã­o Económica, Professor Manuel Nunes Júnior, durante a recente deslocação à Huila. Esta é a curva de aprendizag­em para os administra­dores municipais, directamen­te envolvidos na concepção e materializ­ação dos projectos.

Não bastam ideias. É necessário elaborar os projectos para que estes sejam inscritos. Não bastam os projectos, é necessário cumprir os requisitos de contrataçã­o. Não basta contratar, é necessário que haja fiscalizaç­ão, acompanham­ento, monitorame­nto e escrutínio popular. E no final do dia, que o próprio povo saiba cuidar dos bens-equipament­os que ficam. Quem os vandalizar deve ser punido, com base nos mecanismos comunitári­os.

Como postulam, e bem, os economista­s, acredito que hoje em dia um qualquer administra­dor que está envolvido nestes processos leva necessaria­mente menos tempo para realizar este ciclo. Fá-lo-á com mais experiênci­a, com menos erros e com ganhos claros para a vida dos cidadãos das suas circunscri­ções. Cumprindo o desígnio elementar de um político: servir (bem) a colectivid­ade. A experiênci­a do combate à corrupção e da implementa­ção do PIIM permite-nos, hoje, aferir o grande aprendizad­o do poder judicial e do poder político. Esperamos que não se perca a aprendizag­em.

O mesmo se passa com o igualmente desafiante tema da dívida pública. Os rácios, quando olhamos desde 2017, começam a dar um claro sinal de redução. É importante que estas conquistas também sejam preservada­s. Como é evidente, ninguém imagina um Estado que não faça recurso ao endividame­nto. Contudo, impõe-se que seja feito com absoluto rigor, sobretudo quanto aos seus fins, uma vez que compromete sobremanei­ra as futuras gerações. No nosso contexto, já as actuais estão a sofrer as consequênc­ias de um alto endividame­nto. Que as euforias sejam contidas e aproveitem­os as moratórias para nos reorganiza­rmos, numa altura em que a austeridad­e está a provocar uma incontestá­vel queda dos números, sobretudo em dólares. Em kwanzas estão a deteriorar-se apenas por culpa da desvaloriz­ação cambial.

Outra aprendizag­em que temos de fazer é investir seriamente na Saúde e na Educação. O investimen­to nem sempre seguiu o melhor caminho. Eu não alinho nas discussões percentuai­s. Prefiro antes olhar para os números inteiros ou para a distribuiç­ão per capita da despesa pública nestes sectores e o tipo de investimen­to público feito.

Afinal, por estes dias chegamos todos à conclusão de que a Covid-19 veio desmascara­r a tendência daqueles líderes (africanos) que, por não investirem na Saúde nos seus próprios países, ao mais pequeno sintoma de gripe embarcam no primeiro jacto que lhes aparece. Só que hoje a gripe é pandémica, está em toda a parte. Por isso, saltou-me a tampa quando ouvi há uns dias um dado revoltante: os Camarões têm mais médicos a exercer medicina em França do que aqueles que a exercem no país. E é este tipo de absurdos que a Covid-19 veio destapar em todos os países, sem excepção, com sistemas de saúde maltratado­s ou negligenci­ados. Desta vez, e para aplanar a curva, temos de acentuar os picos do investimen­to na Saúde e na Educação. Sim, essa é a lição essencial da Covid-19 que precisamos de aprender. Num tempo de incerteza, essa parece-me a única certeza que vamos tendo.

É óbvio que pelo facto da corrupção estar entranhada no nosso seio – aqui ninguém se pode atrever a dizer que dessa água jamais bebi, inclusive as igrejas, partidos da oposição e ONGs – precisamos de nos deitar num divã freudiano e reconhecer o “trauma”, a ”culpa” ou o “pecado” e não apenas rezar as “avé Maria”. Temos, acima de tudo, de fazer de novo e fazer diferente

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola