O lirismo do trombone de vara de João Sabalo
Instrumentista de raro talento, fez parte dos “Diamantes Negros” e do histórico agrupamento “Semba Tropical”, duas formações musicais criadas pela antiga Secretaria de Estado da Cultura
Embora
encontremos aerofones no carnaval e na música tradicional angolana, segundo a classificação, desenhos e mapeamento do etnólogo, José Redinha, no seu livro, “Instrumentos musicais de Angola”, sua construção e descrição, notas históricas e etno-sociológicas da música angolana”, edição do Instituto de Antropologia, 1972, a classe dos metais foi durante muito tempo estranha às origens acústicas da Música Popular Angolana.
Curiosamente, o trombonista João Sabalo é oriundo do grande movimento cultural do Bairro Prenda, facto que explica, em parte, a sua propensão para a música, numa linha de continuidade dos grandes artistas e bandas musicais que fizeram época no seu bairro, “Nasci e cresci no Bairro Prenda, espaço que considero um dos maiores viveiros da Música Popular Angolana. Foi nos Kutonocas, espectáculos musicais itinerantes organizados por Luís Montês, que assisti pela primeira vez, várias sessões de música ao vivo. Tenho o privilégio de fazer parte de um grande movimento cultural que inclui os conjuntos, “Dikanzas do Prenda”, “Os Prendas”, “Ases do Prenda”, “Os Ekos”, “Os Jovens do Prenda”, “Os Corimbas”, cantores como Dino Kapakupaku, incluindo os grandes grupos de carnaval, com destaque para, o “União 54” e “Amazonas do Prenda”. Sou contemporâneo do Pedro Vidal, o grande comandante do União 10 de Dezembro, recentemente falecido. Todos estes factores levaram-me, inevitavelmente, para o mundo da música”.
Na verdade, de 1969 a 1971, João Sabalo, com apenas oito anos de idade, gostava muito de ouvir o cantor e compositor, Faustino Augusto, líder e fundador dos “Dikanzas do Prenda”, autor do grande sucesso, “Brinca na areia”, em tertúlias à volta do “Mbondoyámbulungo”, emblemático e frondoso embondeiro do Bairro Prenda. Muito ousado, os gostos de João Sabalo estendiam-se aos conjuntos, África Show, África Ritmo, Águias-Reais, Kiezos, e cantores da estirpe de Urbano de Castro, David Zé e Artur Nunes.
João Sabalo, um dos raros executantes de trombone de vara no cenário actual da Música Popular Angolana, deu início à sua carreira profissional, em Janeiro de 1980, como integrante dos “Diamantes Negros” e depois do agrupamento, “Semba Tropical”, duas formações musicais ligadas à então Secretaria de Estado da Cultura, a última criada para a divulgação da Música Popular Angolana no exterior de Angola, convidado pelos cantores e compositores, Mamukueno e Santocas. À época, faziam parte dos “Diamantes Negros”, Santocas, Mamukueno e Dina Santos, nas vozes, Betinho Feijó, viola ritmo, Zeca Pilha Secas, viola baixo e guitarra solo, Didi, igualmente na viola baixo, Chico Santos, guitarra ritmo, Hilário, tumbas, Jesus, bateria, e nos metais, Jesus Paulo, saxofone, clarinete, e flauta, Fausto, trompete, e, João Sabalo, no trombone.
Depois da extinção dos “Diamantes Negros”, em Fevereiro de 1982, João Sabalo passou a integrar o agrupamento “Semba Tropical”, do qual foi um dos seus fundadores, onde permaneceu até 1993. No âmbito do projecto “Canto Livre de Angola”, João Sabalo viajou com o “Semba Tropical” para o Brasil e Inglaterra, países onde participou em vários concertos que culminaram na gravação do LP “Semba Tropical in London”, em 1983, que inclui os temas: “Tona Kaxi”, Carlos Burity, “O anel”, Dina Santos, “Monapeta”, Joy Artur, “Idimakaji”, Mamukueno, “Zinha”, Joy Artur, “Semba novo”, instrumental, Carlos Vieira Dias, “Kissanguela”, Pedrito, “Pôr-do-sol”, instrumental, Sanguito, e “Monami” de Carlos Burity. Martinho da Vila lembrou o impacto da digressão angolana no Brasil, “Os artistas fizeram apresentações também em São Paulo e Salvador e o projecto foi encantador, porque deu a oportunidade para os brasileiros assistirem o trabalho dos angolanos, coisa que nunca tinha acontecido no Brasil. Foi emocionante”.
Filho de Miguel Francisco Sabalo e de Florinda António, João Manuel Miguel Sabalo, nasceu em Luanda no dia 3 de Outubro de 1961.
Formação
João Sabalo concluiu o curso de instrutor de música, até o 5º ano, na Academia de Música de Luanda, de 1978 a 1985, com a intenção de estudar trompete com o Professor, Nando Tambarino. No entanto, influenciado pela versatilidade de execução do professor, Paulo Mayete, substituiu o trompete pelo trombone. João Sabalo possui mais de trinta e cinco anos de experiência como instrumentista profissional, qualidade que possibilitou a sua participação em várias digressões, a nível internacional, pela África do Sul, Burundi, Cabo-Verde, Congo Democrático, Cuba, Espanha, França, Inglaterra, Holanda, Moçambique, Namíbia, Portugal, São Tomé e Príncipe, Zâmbia, Zimbabwe e Brasil.
Bandas
Para além dos “Diamantes Negros” e “Semba Tropical”, João Sabalo passou pela Banda Maravilha, de 1997 a 1998, “Banda Tropicalíssimo”, “Banda Xangola” e “Kimbambas do Ritmo”. Integrou várias bandas de instrumentistas seleccionados para a gravações de discos e deu o suporte instrumental a vários cantores profissionais com destaque para, Carlos Burity, Dionísio Rocha, Teta Lando, Bonga, Elias diá Kimuezo, Pedrito, Lourdes Van-Dúnem, Dina Santos, Clara Monteiro, Nany, Calabeto, Eduardo Paim, incluindo consagrados artistas estrangeiros.
Influências
João Sabalo aponta, Tony Almeida, ex-trombonista do conjunto, “Os Merengues”, como sendo um dos instrumentistas com o qual se assemelha e identifica pela polivalência, porque tocava dois tipos de trombones, piston e vara, capacidade rara entre os trombonistas. Na verdade, os instrumentistas que tocam trombone de vara, encontram dificuldades em tocar o de
piston e vice-versa. Em relação aos instrumentistas internacionais, João Sabalo revelou possuir influência dos brasileiros, Zeca do Trombone e Serginho do trombone.
História
O saxofone, nos seus variados timbres, o trompete, a flauta e o trombone tiveram, fundamentalmente a Casa dos Rapazes de Luanda, a Academia de Música de Luanda, a catequese missionária e outras instituições de caridade, tal como a Casa Pia como principais divulgadores e incentivadores de ensino. A história dos aerofones regista os nomes de Tony Almeida, trombone de vara, Fernando Nunes, trompete, e Nelo Duarte, saxofone alto, que, em 1964, formaram “Os Gansos”, formação musical que interpretava música instrumental variada. Nelo Duarte, falecido num acidente de viação em 1975, é um dos saxofonistas mais representativo da geração dos anos sessenta que marcou o seu timbre nos Gambuzinos, formação que fundia ritmos de base angolana com vertentes da música pop-rock. No entanto, com os Gambuzinos, surgiram, em 1973, o África Show com Fernando Nunes, vulgarmente conhecido por, Nando Tambarino, trompete, e os ÁguiasReais, com Manuel António, saxofone alto, a introduzir instrumentos de sopro com alguma vitalidade. A história da Música Popular Angolana regista os nomes de Tony Almeida, do conjunto “Os Merengues” e André Sanzassaka, do Instrumental 1º de Maio e “Os Merengues”, como executantes do trombone.
Trombone
Segundo João Sabalo, a grande família dos trombones é constituída pelo trombone alto, tenor e baixo. No entanto, existem algumas diferenças técnicas, ou seja, há três modelos de tenor, ou seja, o modelo conservatório próprio para alunos, modelo sinfónico ou jazzístico para profissionais, e o modelo fanfarra para profissionais e alunos. O mais usual nas orquestras e bandas é o trombone de vara, tenor, modelo sinfónico. João Sabalo estudou o trombone de piston na Academia de Música de Luanda, por estar familiarizado com os sons deste tipo de trombone. Na sequência, passou a fazer estudos do trombone de vara, de forma auto-didacta, até aos dias de hoje. Na verdade, o trombone de vara é mais difícil de aprender em relação ao de pistons ou válvulas. O trombone de vara possui sete posições delimitadas a distâncias aproximadas de oito centímetros entre cada uma delas, o que resulta em variações acústicas entre os seus sons harmónicos.