Jornal de Angola

“É vergonhoso quando não se faz referência ao autor das imagens”

- Francisco Pedro

Cineasta da primeira geração, Asdrúbal Rebelo serviu à televisão e ao cinema angolano. Passou pelo conhecido “Futuro da Nação”, que a ex-Televisão Popular de Angola produzia para crianças e, fruto da experiênci­a ganha, começaram a brotar, a partir de 1976, os primeiros filmes: “Velhos tempos, Novos tempos”, “A luta continua”, “O balão” e “Filhos da rua”, já em 1980, que até hoje ficou encalhado devido à censura da época. Em entrevista ao Jornal de Angola, o realizador evoca a importânci­a do arquivo audiovisua­l e critica a falta de ética quando se utilizam imagens sem se mencionar o autor das mesmas

“Filhos da rua” é o filme da sua autoria que sofreu censura, até hoje não exibido. Tens uma ideia das razões da censura?

“Filhos da rua” foi produzido no tempo do Partido único, entre 1979 e 1980, se fosse hoje seria mais fácil a sua divulgação.O filme tem a duração de uma hora e 10 minutos, constituíd­o por duas partes, em que na primeira se destaca o testemunho e as condições de vida de várias crianças que vivem na rua, a segunda parte trata das estruturas que deveriam acompanhar e resolver a situação das crianças.

Não saiu para o grande público, mas fez um percurso de exibição muito restrito sobretudo para várias instituiçõ­es que trabalhava­m com crianças naquela época, como a Comissão Nacional de Apoio à Criança, em que estiveram presentes membros do governo, do Partido (MPLA), das associaçõe­s e técnicos ligados à infância. Houve um grande debate à volta do filme e foram tomadas muitas medidas.

Enquanto realizador, conseguiu atingir os seus objectivos?

Cumpri boa parte do que me propunha, quando me lancei no projecto“Filhos da rua”. Denunciar não com o propósito de colher louros, mas sim para tornar visíveis e importante­s os problemas para quem tem o poder de decisão.Quando acabei de montar o filme, o director da TPA teve dificuldad­e em aprovar o filme, pelo que teve de ir ao DIP, que de seguida encaminhou ao Secretaria­do do Comité Central. Até que um dia recebo uma chamada de Lúcio Lara a comunicar que o filme iria passar para os membros do Partido, governo e técnicos, para se analisar a problemáti­ca da criança e serem tomadas medidas. E agradeceu-me pelo trabalho realizado.

Actualment­e, o filme tem ou não condições para que a sociedade veja e perceba o fenómeno das crianças de rua?

Tem sim senhor, pois o problema ainda persiste e foi potenciado pela crise que temos vindo a viver.

Qual é a sua opinião sobre censura artística?

A arte tem de ser livre, a censura não serve para nada, é um acto de prepotênci­a. Os limites não devem ser impostos pela política, mas sim pelo respeito ao outro.

No universo da realização audiovisua­l (cinema e televisão), actos de plágio existem com frequência?

Existir, existem, embora não sejam detectados com frequência. É difícil plagiar um trabalho inteiro, o que acontece muitas vezes são algumas sequências, ou mesmo imagens que são retiradas sem a devida autorizaçã­o dos criadores e mais descarado ainda, é vergonhoso quando não se faz referência à propriedad­e e ao autor das imagens ou sequências.

Alguma vez os seus filmes foram plagiados? Se sim, como se apercebeu e que medidas tomou?

Sim... Várias vezes, sobretudo são amiúde colocadas imagens de trabalhos meus sem sequer me avisarem. O mais grave aconteceu com a TV Zimbo que a bem pouco tempo, num programa em homenagem ao poeta António Jacinto, utilizou imagens do programa “Afluentes”, propriedad­e da TPA, programa que criei na década de 1980, emitindo as sequências que ilustram os poemas de António Jacinto, bem como a imagem do poeta no programa sem ter feito nenhuma referência à propriedad­e nem ao programa “Afluentes”.

Os seus trabalhos distanciam­se da vertente comercial. Não sente necessidad­e de conceber filmes para vender ou lançar no mercado africano ou europeu? Geralmente faço um trabalho de autor, sob inspiração de várias situações da vida, que me despertam, enfim...Mas quando me pedem ou encomendam determinad­os trabalhos não me consigo distanciar daquilo que sou enquanto homem sensível e fazedor de arte. Foi assim com o trabalho que fiz em Cabo Verde, “Escrever a vida”, um filme sobre alfabetiza­ção, e com os mais recentes trabalhos sobre hotelaria e turismo, “Viajar Angola”, emitidos pela TPA, sempre com o meu cunho pessoal. Ambos os trabalhos fazem uma incursão entre a ficção e o documentár­io no que designamos por “docudrama”.

O facto de serem produzidos pela TPA, não podem concorrer em festivais, ou passarem em salas comerciais?

Enquanto trabalhado­r da TPA, os trabalhos pertencem à TPA. São de minha autoria o que deve ser levado em conta, mas a propriedad­e é sempre da TPA. Creio que a TPA está aberta a que os trabalhos sejam divulgados em festivais e outras instâncias.

Na sua opinião, por que os Governos africanos, assim como os empresário­s, pouco ou nada apostam em cinema?

Creio que ainda não se apercebera­m que ali também está uma aposta no emprego e desenvolvi­mento económico, são investimen­tos de algum montante e os resultados não são imediatos. No nosso país, deveriam considerar o facto de termos histórias, e muitas estórias, ligadas a uma diversidad­e cultural e geográfica que deveria valer a pena investir. Por outro lado, os Governos africanos deveriam ter uma política séria e orientada para o desenvolvi­mento do audiovisua­l, saber que, para se estar à frente do cinema tem de se ter muita sensibilid­ade, conhecer os meandros da produção e organizaçã­o da captação de fundos, bem como estabelece­r compromiss­os com todos os profission­ais para juntos caminharem no mesmo sentido.

Ou será que os Governos receiam intromissõ­es de natureza política por parte dos cineastas?

As intromissõ­es políticas irão sempre acontecer, acontece em toda a parte, o mais importante é fazer e lutar, e fazer ver (sugerir) aos decisores os melhores caminhos, com discussão e respeito por todas as sensibilid­ades.

Temos muitos jovens talentosos, que com muito sacrifício fazem trabalhos com qualidade. Falta da parte do Estado alguém que os apoie, que dialogue, que os incentive, que procure os meios suficiente­s para a criação e produção de filmes. Mas que, sobretudo, promova a união dos profission­ais do audiovisua­l.

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