Jornal de Angola

“Tive que me prostituir com o marido para sustentar os nossos filhos”

Vinte e dois anos depois, Julieta afirma que teve de suportar o marido, porque não sabia para onde ir. É órfã de pai e mãe. Foi criada por uma tia que não trabalhava e, portanto, não tinha condições financeira­s para sustentá-la, com os seus três filhos

- Alexa Sonhi

“Ele deixou de ser o meu príncipe encantado”, lamenta Julieta Venâncio (nome fictício), natural de Benguela, que engravidou pela primeira vez, aos 20 anos, do homem que julgava ser um “anjo que caiu do céu”. Os primeiros cinco meses de namoro ficaram marcados por intensos momentos de paixão, com flores, serenatas e juras de amor. “Era como nos filmes de romance, como nas novelas”, sublinha.

Cumpridos os deveres do pedido de alambament­o, com a barriga “avançada” saiu da casa dos familiares, algures em Benguela, e foi viver com o marido na capital do país (Luanda). Até meses depois de a criança nascer, tudo corria às mil maravilhas. Depois disso, a história mudou. Almerindo Jorge (nome fictício) deixou de ser a mesma pessoa.

“Já não me deixava sair de casa sozinha. Ele mexia no meu telefone. Estava sempre preocupado em saber com quem conversava. Não podia ter amigas e até os meus familiares não podiam me visitar. Isolou-me de tudo e de todos. Dizia que era para o meu próprio bem”, explica, acrescenta­ndo que o marido tornou-se numa pessoa extremamen­te possessiva.

Conta que todos os dias, sempre que o marido chegasse à casa, era obrigada a tirar o biquíni. Almerindo tinha o hábito de cheirar e introduzir os dedos na vagina da mulher, para ver se havia restos de esperma. O objectivo era descobrir se Julieta se envolvia com outro homem. Era uma situação humilhante. Mas ela se submetia a tudo, para não apanhar “porrada”.

“De tão ingénua que era, pensava que era normal a forma como ele me tratava. Para mim, o ciúme era um sinal de amor. Sempre que conversei com outras mulheres da minha família, só me diziam que viver com marido é assim mesmo, e que todas as mulheres passam por isso. Aconselhav­am-me a suportar. E fui me acostumand­o com isso”, justifica.

Acostumada a ser abusada sexualment­e, a medida que o tempo foi passando, Julieta se tornara numa mulher cada vez mais submissa. O marido, aproveitan­do-se da sua inocência, fazia dela o que bem entendesse. “Me batia com regularida­de e me chamava nomes feios. Mesmo assim, fizemos mais dois filhos. O primeiro já tem 22 anos”, diz.

O marido nunca permitiu que Julieta arranjasse trabalho. Os meninos passavam fome. Almerindo “era mão de vaca”. Não dava dinheiro à esposa. Era ele quem fazia as compras, cujas quantidade­s nunca chegavam para suportar as necessidad­es da família, durante os 30 dias do mês. Apercebend­ose da situação, alguns familiares da vítima passaram a controlar os movimentos do marido. “Sempre que saísse de casa, apareciam com alimentos para os meninos”, descreve.

Vinte e dois anos depois, Julieta afirma que teve de suportar o marido, porque não sabia para onde ir. É órfã de pai e de mãe. Foi criada por uma tia que não trabalhava e, portanto, não tinha condições financeira­s para sustentá-la e mais três bocas. “Apesar de tudo o que passei, seria bem mais difícil e complicado deixar o Almerindo, porque não sabia onde colocar os filhos. Ele me ameaçava muito. Dizia que se eu lhe deixasse, ficaria sem nada”, sustenta.

A viver em Luanda, desde 2016, na centralida­de do Kilamba, conta que dormiu apenas dois anos no quarto que dividia com o marido. Foi, a partir de 2019, que Almerindo ganhou o gosto de ficar duas ou mais semanas fora de casa. Deixa a porta do quarto trancada e leva as chaves. Julieta dorme na sala, enquanto os filhos ocupam outro quarto.

Cumpridos os deveres do pedido de alambament­o, com a barriga “avançada” saiu da casa dos familiares, algures em Benguela, e foi viver com o marido na capital do país (Luanda). Até meses depois de a criança nascer, tudo corria às mil maravilhas. Depois disso, a história mudou. Almerindo Jorge (nome fictício) deixou de ser a mesma pessoa

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