Maior e vacinado
Quando
éramos pequenos, diziam de quem já tinha ido à tropa, quer era “maior e vacinado”. Durante a adolescência, queríamos ser “grandes”, mas, quando ficamos adultos, passámos a desejar ser bebés e ao perdermos os pais o que mais queríamos era colo.
As vacinas foram sempre consideradas coisas de miúdos. Para alguns, são marcas de outros tempos. A varíola acabou e os mais velhos ainda exibem as cicatrizes das picadelas nos braços como uma espécie de atestado de “maioridade”. (Eu tenho uma, mas a minha mãe tinha duas e bem maiores.)
Ao falarmos em vacinas, pensamos logo na pentavalente, na poliomielite e no sarampo. Também no têtano. É mais raro pensar na raiva, que a cada 10 minutos mata uma pessoa no Mundo, segundo a OMS. Cerca de 95 por cento dos casos de raiva humana, doença transmitida por animais domésticos e selvagens, acontecem em África e na Ásia.
A tuberculose, infelizmente, é mais associada a pessoas adultas; a fumadores e idosos. Da BCG quase ninguém fala e, quando referido, o Bacilo de koch ou de Calmett-Guérin é-o mais com repulsa pelas pessoas infectadas do que com compaixão. O facto de existirem cerca de 10 milhões de infectados e 1,5 milhão de pessoas por ano (mais de quatro mil todos os dias) a morrerem vítimas dessa doença infecciosa, considerada a mais mortal do Mundo pela OMS, as pessoas procuram saber se o que levou à morte do indivíduo não foi outra “coisa”, como o HIV, por exemplo.
Hoje em dia, muito se comenta sobre a busca de uma vacina para a Covid-19. Mesmo se falando que o agente patológico é um novo coronavírus, ouvem-se comentários no mínimo curiosos, como, por exemplo, que se trata de uma bactéria ou que, se o vírus morre com água e sabão, porque demora tanto a descoberta e produção de um milongo de prevenção.
Que ninguém se admire se, daqui a um tempo, passada a pandemia e descoberta a vacina, alguns dos mesmos elementos, ávidos por criticar seja o que for, venham a público fazer campanha, usando para tal todos os meios a seu dispor, para desacreditar os cientistas e os profissionais da Saúde.
Entre os mais activos no Mundo, pelas suas atitudes contra as autoridades sanitárias, são os movimentos antivacina, que se escudam nos efeitos adversos sentidos após cada imunização. Esses grupos mostram-se mais relutantes em relação a determinadas doenças, que chegam a alegar problemas neurológicos e até mesmo consideram necessário as crianças serem infectadas por certos vírus e bactérias para adquirirem imunidade de forma natural.
Segundo eles, os agentes antígenos presentes nas imunizações são excessivos e agridem o corpo da criança. Por outro lado, enfileirados por ideologias de direita com discursos populistas, levantam suspeitas sobre os valores gastos nas campanhas de vacinação, sobretudo, quando as doenças aparentemente deixam de estar presentes em determinados países ou regiões.
As campanhas anti-vacina são secundadas por atitudes e medidas que, com claros desígnios eleitoralistas e no intuito de preservarem a sua imagem de força no exterior, chocam o Mundo.
A actual pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 levantou o véu a toda e qualquer arrogância que ainda permanecesse escondida por algum político ou governante, seja ele de direita, seja da esquerda encapotada. Veio também pôr a descoberto toda a réstia de soberba remanescente em quem, autoridade ou agente desta, tem de valer pelos direitos dos demais.
A esperança que resta é que, passada toda esta prova de fogo, o Mundo se reerga, todo ele “maior e vacinado”.