Trabalhadores da “Guanda Pesca” já em casa depois de 90 dias no mar
Numa conversa com o Serviço em Português da Voz da América, ao lado de colegas seus, um funcionário da empresa havia explicado que “a pandemia da Covid-19 estaria a servir de pretexto para esta realidade, com a gestão chinesa apostada em arrastar o confin
Os 60 trabalhadores da empresa pesqueira chinesa “Guanda-Pesca”, localizada na Caota, no município de Benguela, estão de regresso a casa, cumpridos que foram os 90 dias de trabalho em sistema de confinamento voluntário acordado com a direcção.
Segundo o Jornal de Angola apurou, de um dos trabalhadores, no caso uma jovem, que preferiu o anonimato, tudo foi acertado na base de um contrato firmado entre a direcção da empresa e os trabalhadores, que regressaram a casa no passado dia 1 de Julho, depois dos três meses distante das famílias.
Para a jovem trabalhadora, “a quarentena foi voluntária. Foi uma proposta da direcção da empresa, que resultou do consenso entre a maior parte dos colegas, inclusive eu”, sublinhou. A funcionária, cuja actividade na empresa de pesca, dirigida por cidadãos chineses, era a de processamento do pescado, assegurou ao Jornal de Angola que lhes foram garantidos, na base do contrato, o pagamento pela prestação de serviço durante os três meses e as condições de alojamento e refeições diárias para quem estivesse de acordo com o sistema, sem sair do interior da empresa.
A jovem garantiu igualmente que, na altura, ficou claro para todos os trabalhadores que não haveria pagamento de salários para os indivíduos que não quisessem permanecer durante o referido tempo estabelecido pela direcção da empresa. Questionada sobre informações vazadas nas redes sociais, segundo as quais os trabalhadores eram submetidos a
maus-tratos, respondeu não ter conhecimento de casos do género, durante os três meses que lá permaneceu.
De acordo com a também estudante do II ciclo do ensino secundário, ao aperceber-se da proposta da empresa, que decorreu na fase da quarentena, aproveitou, visto que foi uma fase em que se deu a interrupção das aulas, esclareceu.
“Terminado o contrato, recebi o meu salário de três meses e já não tenciono regressar”, disse
Outro jovem, Jorge António, morador no Bairro Atira, que dista da povoação da Caota 13 quilómetros, disse ao Jornal de Angola que tomou conhecimento da proposta pela direcção da “Guanda Pesca”, para a qual já tinha prestado serviço.
Jorge António disse que, face ao conteúdo do contrato, com o qual não concordou, preferiu manter-se como moto-taxista durante o período em que os seus colegas trabalhavam em sistema
de confinamento. “Agora que terminou a fase da quarentena, vou manifestar o meu interesse em ser reintegrado na empresa”, afirmou.
Antecedentes
A situação acabou denunciada pelo Sindicato dos Trabalhadores das Pescas e Derivados, segundo a qual cerca de 400 trabalhadores da empresa pesqueira “Guanda Pesca”, na Caota, município de Benguela, estavam a ser mantidos em cativeiro, há três meses, num sistema de escravatura moderna, submetidos a maus-tratos.
A denúncia, já confirmada pelo Sindicato dos Trabalhadores das Pescas e Derivados, apontava igualmente para a prostituição na “Guanda Pesca’’, onde se encontram cerca de 200 senhoras. Numa conversa com o Serviço em Português da Voz da América, ao lado de colegas seus, um funcionário da empresa havia explicado que “a pandemia da Covid-19 estaria a servir de pretexto para esta realidade, com a gestão chinesa apostada em arrastar o confinamento para o próximo ano”.
“Fiz três meses a 23 de Junho. Eles não nos deixam sair; dizem que só no próximo ano. Aqui é só trabalhar, dormir, acordar e voltar a trabalhar. É muito duro. A alimentação é péssima e somos obrigados a fazer horas extras aos domingos. Recebemos 200 kwanzas por hora’’, contou o empregado. Perante os sinais de cárcere privado, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) esteve no local, mas sem contacto com os funcionários.
De acordo com o secretário-geral do Sindicato das Pescas e Derivados, Joaquim de Sousa, a “Guanda Pesca’’, uma das três companhias inauguradas em Julho de 2018, num investimento total superior a 65 milhões de dólares, de uma empresa reincidente nesse tipo de práticas.
O responsável referiu “não serem autorizados a sair da empresa para junto das suas famílias e a trabalharem sob cativeiro; é pior que uma penitenciária; é escravatura moderna que os chineses impõem. Os angolanos devem obedecer a tudo’’.
Já o director administrativo da empresa Guanda-Pesca, Reis Augusto, de nacionalidade angolana, minimiza a denúncia e sublinha que se trata do descontentamento de uma minoria.
“É só um ou outro que diz que quer sair, não têm impedimento algum, mas no regresso ficam sujeitos a medidas de segurança. Claro que não podem ter contacto directo com os outros. Quanto às condições… são as possíveis’’, argumentou.