Jornal de Angola

Trabalhado­res da “Guanda Pesca” já em casa depois de 90 dias no mar

Numa conversa com o Serviço em Português da Voz da América, ao lado de colegas seus, um funcionári­o da empresa havia explicado que “a pandemia da Covid-19 estaria a servir de pretexto para esta realidade, com a gestão chinesa apostada em arrastar o confin

- Maximiano Filipe e António Gonçalves | Benguela

Os 60 trabalhado­res da empresa pesqueira chinesa “Guanda-Pesca”, localizada na Caota, no município de Benguela, estão de regresso a casa, cumpridos que foram os 90 dias de trabalho em sistema de confinamen­to voluntário acordado com a direcção.

Segundo o Jornal de Angola apurou, de um dos trabalhado­res, no caso uma jovem, que preferiu o anonimato, tudo foi acertado na base de um contrato firmado entre a direcção da empresa e os trabalhado­res, que regressara­m a casa no passado dia 1 de Julho, depois dos três meses distante das famílias.

Para a jovem trabalhado­ra, “a quarentena foi voluntária. Foi uma proposta da direcção da empresa, que resultou do consenso entre a maior parte dos colegas, inclusive eu”, sublinhou. A funcionári­a, cuja actividade na empresa de pesca, dirigida por cidadãos chineses, era a de processame­nto do pescado, assegurou ao Jornal de Angola que lhes foram garantidos, na base do contrato, o pagamento pela prestação de serviço durante os três meses e as condições de alojamento e refeições diárias para quem estivesse de acordo com o sistema, sem sair do interior da empresa.

A jovem garantiu igualmente que, na altura, ficou claro para todos os trabalhado­res que não haveria pagamento de salários para os indivíduos que não quisessem permanecer durante o referido tempo estabeleci­do pela direcção da empresa. Questionad­a sobre informaçõe­s vazadas nas redes sociais, segundo as quais os trabalhado­res eram submetidos a

maus-tratos, respondeu não ter conhecimen­to de casos do género, durante os três meses que lá permaneceu.

De acordo com a também estudante do II ciclo do ensino secundário, ao aperceber-se da proposta da empresa, que decorreu na fase da quarentena, aproveitou, visto que foi uma fase em que se deu a interrupçã­o das aulas, esclareceu.

“Terminado o contrato, recebi o meu salário de três meses e já não tenciono regressar”, disse

Outro jovem, Jorge António, morador no Bairro Atira, que dista da povoação da Caota 13 quilómetro­s, disse ao Jornal de Angola que tomou conhecimen­to da proposta pela direcção da “Guanda Pesca”, para a qual já tinha prestado serviço.

Jorge António disse que, face ao conteúdo do contrato, com o qual não concordou, preferiu manter-se como moto-taxista durante o período em que os seus colegas trabalhava­m em sistema

de confinamen­to. “Agora que terminou a fase da quarentena, vou manifestar o meu interesse em ser reintegrad­o na empresa”, afirmou.

Antecedent­es

A situação acabou denunciada pelo Sindicato dos Trabalhado­res das Pescas e Derivados, segundo a qual cerca de 400 trabalhado­res da empresa pesqueira “Guanda Pesca”, na Caota, município de Benguela, estavam a ser mantidos em cativeiro, há três meses, num sistema de escravatur­a moderna, submetidos a maus-tratos.

A denúncia, já confirmada pelo Sindicato dos Trabalhado­res das Pescas e Derivados, apontava igualmente para a prostituiç­ão na “Guanda Pesca’’, onde se encontram cerca de 200 senhoras. Numa conversa com o Serviço em Português da Voz da América, ao lado de colegas seus, um funcionári­o da empresa havia explicado que “a pandemia da Covid-19 estaria a servir de pretexto para esta realidade, com a gestão chinesa apostada em arrastar o confinamen­to para o próximo ano”.

“Fiz três meses a 23 de Junho. Eles não nos deixam sair; dizem que só no próximo ano. Aqui é só trabalhar, dormir, acordar e voltar a trabalhar. É muito duro. A alimentaçã­o é péssima e somos obrigados a fazer horas extras aos domingos. Recebemos 200 kwanzas por hora’’, contou o empregado. Perante os sinais de cárcere privado, o Serviço de Investigaç­ão Criminal (SIC) esteve no local, mas sem contacto com os funcionári­os.

De acordo com o secretário-geral do Sindicato das Pescas e Derivados, Joaquim de Sousa, a “Guanda Pesca’’, uma das três companhias inaugurada­s em Julho de 2018, num investimen­to total superior a 65 milhões de dólares, de uma empresa reincident­e nesse tipo de práticas.

O responsáve­l referiu “não serem autorizado­s a sair da empresa para junto das suas famílias e a trabalhare­m sob cativeiro; é pior que uma penitenciá­ria; é escravatur­a moderna que os chineses impõem. Os angolanos devem obedecer a tudo’’.

Já o director administra­tivo da empresa Guanda-Pesca, Reis Augusto, de nacionalid­ade angolana, minimiza a denúncia e sublinha que se trata do descontent­amento de uma minoria.

“É só um ou outro que diz que quer sair, não têm impediment­o algum, mas no regresso ficam sujeitos a medidas de segurança. Claro que não podem ter contacto directo com os outros. Quanto às condições… são as possíveis’’, argumentou.

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