Jornal de Angola

Estados Unidos têm mais a perder do que a ganhar com a saída da OMS

Médicos e políticos norte-americanos avisam que norte-americanos não beneficiam com a saída da OMS, posta em curso por Donald Trump. Pelo contrário, ficam isolados. O democrata Joe Biden promete reverter a decisão, se for eleito presidente. Mas, para já,

-

A ameaça estava no ar desde o final de Março, quando a pandemia de Covid-19 começou a atingir em força os Estados Unidos. A Administra­ção Trump, que semanas antes tinha elogiado a China e a resposta da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), iniciou então uma estratégia de confronto que agora se concretiza, com o avanço formal para a saída dos norte-americanos da Organizaçã­o de Saúde das Nações Unidas, em plena pandemia. As críticas a esta decisão são muitas, com Joe Biden, candidato democrata à presidênci­a, a garantir que, se for eleito, irá imediatame­nte reverter a decisão.

O passo dado na terçafeira, com a notificaçã­o às Nações Unidas e ao Congresso do plano de saída da OMS segue um padrão desta Administra­ção. Donald Trump tem optado pelo confronto com organizaçõ­es globais, mas é a primeira vez que rompe totalmente. O Presidente eleito em 2016 já questionou o financiame­nto dos EUA às Nações Unidas e à NATO, retirou-se do acordo climático de Paris e tem criticado repetidame­nte a Organizaçã­o Mundial do Comércio. Em geral, a argumentaç­ão de Trump passa por dizer que os EUA dão mais a essas organizaçõ­es do que recebem. E também apresenta sempre novos inimigos, que muitos dizem serem distrações para esconder o que corre mal.

No caso da OMS, a relação com a China é essencial e o impacto da Covid-19 nos EUA também - o país regista o maior número de contágios e mortes. Os elogios iniciais à “incrível resposta da China” ao novo coronavíru­s deram rapidament­e lugar a críticas, quando os casos de infectados com Covid-19 começaram a surgir em solo norte-americano. Trump e a sua Administra­ção passaram a ver na China um culpado e a classifica­r a OMS como um braço chinês. Dias depois das primeiras críticas, Trump ameaçou, a 7 de Abril, cortar o financiame­nto à OMS. Acusava a organizaçã­o de “estar muito focada na China” e de não conseguir dar uma resposta adequada à pandemia. O Governo Trump disse que a OMS ignorou os primeiros sinais de transmissã­o entre humanos do novo coronavíru­s, incluindo avisos feitos por Taiwan, que não faz parte do órgão da ONU por pressão de Pequim.

Nos dias seguintes, houve mais críticas à alegada “ocultação” do novo coronavíru­s pela China e pela OMS. “”Hoje (terça-feira, 14 de Abril], dei instruções à minha Administra­ção para suspender o financiame­nto à Organizaçã­o Mundial da Saúde, enquanto decorrer uma investigaç­ão para avaliar o papel da OMS na profunda má gestão e ocultação da propagação do coronavíru­s”, disse Trump.

Falhas nas reformas

Quando se chegou à Assembleia-Geral da OMS, em Maio, e com os EUA a registarem já milhares de casos de Covid-19, as críticas acentuaram-se com a questão de Taiwan - que não tem apoio da OMS - a entrar no debate. Trump acabaria depois a anunciar a saída definitiva. “Porque falharam em fazer as reformas necessária­s e requeridas, terminamos o nosso relacionam­ento com a Organizaçã­o Mundial da Saúde e iremos redireccio­nar os fundos para outras necessidad­es urgentes e globais de saúde pública, que possam surgir”; justificou em Maio, referindo sempre os 400 milhões de dólares anuais de contribuiç­ão norteameri­cana, a maior de todas e que representa cerca de 15 por cento do orçamento da OMS.

A concretiza­ção oficial surge agora quando existem pelo menos 2.953.423 casos de Covid-19 nos EUA e 130.546 pessoas morreram com o vírus no país, de acordo com a contagem da Universida­de Johns Hopkins.

O gabinete do Secretário­Geral da ONU, António Guterres, confirmou, terçafeira, que recebeu o aviso e

Saúde. “Está entre as decisões presidenci­ais mais ruinosas da história recente. Deixa os americanos menos seguros durante uma crise de saúde global sem precedente­s”, afirmou.

Ao mesmo jornal, Ashish Jha, director do Instituto Global de Saúde de Harvard, considerou que esta “é uma decisão extraordin­ariamente má, que prejudicar­á a Saúde Pública global e a saúde do povo americano. Não vejo como o povo americano beneficia por não estar à mesa e não ser capaz de moldar as políticas”.

Com a saída dos EUA, em risco mais imediato estão as “contribuiç­ões voluntária­s” que “está em curso a verificaçã­o com a Organizaçã­o Mundial da Saúde para saber se todas as condições para a saída foram cumpridas”. Essas condições “incluem aviso prévio de um ano e cumpriment­o integral do pagamento das obrigações financeira­s”.

Assim, só em Julho de 2021 é que a saída dos EUA da OMS se pode tornar efectiva. Mas, até lá, a decisão irá passar pelo Congresso, com opiniões divididas sobre se o Presidente tem autoridade para retirar o país de uma organizaçã­o como a OMS. E

(além da contribuiç­ão de membro da OMS), dinheiro fornecido às agências dos EUA para os esforços da Saúde e depois dado aos programas da OMS. A maior parte desse dinheiro é destinado à erradicaçã­o da poliomieli­te, com grandes remessas para combater doenças como a malária, tuberculos­e, HIV e a prestação de cuidados básicos de saúde.

Mas o impacto também pode ser sentido na nova pandemia. Sem um assento na OMS, os Estados Unidos podem ficar sem diálogo sobre a resposta ao novo coronavíru­s, o desenvolvi­mento de vacinas ou uma próxima ameaça emergente. passará sobretudo pelas eleições de Novembro.

Nada a ganhar

Joe Biden, principal rival de Trump na corrida à presidênci­a, reagiu de imediato e disse que, se for eleito, irá reverter logo a decisão.O candidato democrata defende que os norte-americanos estão mais seguros se participar­em na OMS. O mesmo dizem muitos cientistas e especialis­tas que alertam para as consequênc­ias desta decisão.

O director-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, respondeu com um Tweeter, em que escreveu a palavra “Juntos!” e colocou um link para uma discussão com especialis­tas norte-americanos sobre como a saída do país do órgão global poderá dificultar os esforços para evitar futuras pandemias.

Nos EUA, as críticas são muitas, tanto no plano político, como a nível de associaçõe­s médicas e de segurança global. “Isto não vai proteger a vida ou os interesses dos americanos, deixa-os doentes e solitários”, disse o senador democrata Bob Menendez, que considerou a resposta de Trump à pandemia “caótica e irresponsá­vel”.

O democrata Ami Bera, que é médico, lembrou que os Estados Unidos já trabalhara­m de mãos dadas com a OMS para erradicar a varíola e conseguira­m quase acabar com a poliomieli­te. “Os nossos casos estão a aumentar”, denunciou, referindo-se ao novo coronavíru­s. “Se a OMS é culpada, qual a razão de os Estados Unidos estarem a ficar longe de países como Coreia do Sul, Nova Zelândia, Vietname e Alemanha, quando se trata de voltar ao normal?”, questionou.

A presidente da Câmara dos Representa­ntes, a democrata Nancy Pelosi, classifico­u como “um acto de verdadeira falta de sentido de Estado”.

Mesmo entre republican­os há quem discorde. O senador Lamar Alexander, presidente do Comité de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões do Senado, disse que discorda da decisão de Trump. “Se o Governo tiver recomendaç­ões específica­s para reformas na OMS, deve enviá-las ao Congresso e podemos trabalhar juntos para que isso aconteça”, afirmou.

 ?? DR ??
DR

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola