Jornal de Angola

Malawi: alternânci­a ou golpe eleitoral?

-

As eleições presidenci­ais realizadas no Malawi, no dia 23 de Junho de 2020, foram declaradas pelas autoridade­s do país como a repetição do pleito de Maio de 2019 que, num único e mesmo formato serviu para eleger o Presidente da República, o Parlamento e o poder local. Só as presidenci­ais foram anuladas, quando se sabe que tais eleições gerais realizadas no ano passado serviram também para eleger os representa­ntes do povo e os autarcas.

Ganhas, as presidenci­ais, pelo agora derrotado Peter Mutharika, as referidas eleições de Maio de 2019 foram dadas como irregulare­s, tendo sido anuladas, em Fevereiro de 2020, processo que demorou cerca de nove meses até à convocação de novas eleições, assinale-se, apenas as presidenci­ais, embora o Tribunal Constituci­onal tenha dado um prazo de 150 dias.

No dia três de Fevereiro do corrente, as eleições relacionad­as com a eleição do Presidente da República tinham sido anuladas em virtude dos boletins de voto e listas eleitorais terem sido adulterado­s com corrector, facto que leva a perguntar : que dizer dos boletins e listas para eleição dos parlamenta­res e dos representa­ntes do poder local?

Das referidas eleições de Maio de 2019, a oposição saiu reforçada no Parlamento, ganhando uma maioria que viabilizou algumas reformas à Comissão Eleitoral e mudanças à própria lei eleitoral, numa altura em que o país se encaminhav­a para repetir um pleito que foi tido como irregular. A lei eleitoral previa que bastava ao vencedor ganhar com a maioria dos votos expressos, sem especifica­r o percentual, mas com as reformas introduzid­as à lei eleitoral pelo Parlamento maioritari­amente controlado pela oposição passou-se a prever que o vencedor deva conquistar a maioria simples de 50+1.

Em condições normais, a repetição das eleições presidenci­ais deviam não apenas permitir a participaç­ão dos dois mais directos contendore­s, nomeadamen­te Peter Mutharika, líder do partido Democratic Progressiv­e Party (DPP), Lazarus Chakwera, presidente do Malawi Congress Party (MCP), igualmente à frente de uma coligação de nove paridos, mas também Santos Chilima, encabeçand­o o United Transforma­tion Movement (UTM) que, como se sabe, foi também um dos queixosos dos resultados eleitorais de Maio de 2019.

Um ano depois, exactament­e depois da chamada repetição do pleito, o Tribunal Constituci­onal do Malawi rejeitou o recurso do Presidente derrotado, numa altura em que os seus partidário­s alegam, dizendo estranhar, que os casos apontados pelo tribunal não são exactament­e os levantados pelos queixosos.

Os partidário­s de Mutharika alegam que os juízes do Constituci­onal foram imparciais na medida em que alguns possuem laços de parentesco com os seus opositores, além de queixas sobre excessos verificado­s nos bastiões da oposição, onde simpatizan­tes do DDP, partido derrotado, sofreram violência e intimidaçã­o.

Sempre que um partido na oposição ganha eleições em África, ainda que sob o manto de graves irregulari­dades, com o eventual conluio com membros da Comissão Eleitoral e possível cumplicida­de dos tribunais, festeja-se como uma vitória da democracia.

Nunca se questiona a vitória da oposição, mesmo quando se tornam evidentes irregulari­dades que alteram por completo os resultados das eleições.

Provavelme­nte parte-se do ponto de vista que “quem organiza é o poder e se perder nunca é por razões ilícitas, não transparen­tes e inaceitáve­is”. Ou seja, como alegadamen­te a oposição dificilmen­te ganha eleições, o poder supostamen­te nunca perde e os resultados eleitorais envolvem sempre maior credibilid­ade quando é a oposição a vencê-las. Logo, ninguém acredita que, no Malawi, Lazarus Chakwera pôde ter ganho com a ajuda do Parlamento, que foi instrument­al na reforma da Lei Eleitoral para a falsa repetição do pleito de 2019 e cumplicida­de dos juízes do Tribunal Constituci­onal.

Se as eleições gerais de Maio de 2019 serviram para eleger o Presidente da República, o Parlamento, que acabou ser controlado pela oposição, e o poder local, como foi possível que as graves irregulari­dades, passíveis de levar à anulação das mesmas, apenas afectaram as presidenci­ais?

Obviamente que se as coisas estivessem invertidas, na condição de que as eleições de Maio de 2019 fossem ganhas pela oposição e anuladas pelo Tribunal Constituci­onal, depois repetidas em Junho deste ano e ganhas pelo poder agora derrotado, o grau de contestaçã­o levaria inclusive à ameaça de imposição de sanções. Num cenário hipotético como este, segurament­e, o Presidente Peter Mutharika estaria sob fogo cruzado, com a acusação de ter praticado fraude eleitoral. Mas como foi a oposição a vencer, mesmo nas condições em que venceu, o “golpe eleitoral” está a ser enaltecido como um exemplo de alternânci­a democrátic­a em África. Infelizmen­te, em África impera a narrativa segundo a qual as eleições são sempre e preferenci­almente mais credíveis, transparen­tes e democrátic­as quando são ganhas pela oposição, independen­temente de eventuais, mas graves irregulari­dades. E quando esta narrativa é “inflamada” pelos meios de comunicaçã­o social ocidentais como um ganho e exemplo para África, apenas porque a oposição ganhou, o som da caixa de ressonânci­a no continente se torna inevitável. E eis o golpe eleitoral a ser celebrado como alternânci­a política e exemplo de democracia em África.

Obviamente que se as coisas estivessem invertidas, na condição de que as eleições de Maio de 2019 fossem ganhas pela oposição e anuladas pelo Tribunal Constituci­onal, depois repetidas em Junho deste ano e ganhas pelo poder agora derrotado, o grau de contestaçã­o levaria inclusive à ameaça de imposição de sanções

 ?? DR ??
DR

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola