Jornal de Angola

As outras pandemias

- Luciano Rocha

O internacio­nal coronavíru­s prossegue quase impune a caminhada assassina sem certezas como o estripar e já se anuncia outro, para Outubro, mais perigoso ainda, algo que se pensava impossível face à dizimação causada pelo actual.

O coronavíru­s, surgido oficialmen­te na China, mas que rapidament­e galgou fronteiras para cobrir os restantes países de medo, dor e luto, só por ele, como se sabe, foi suficiente para “virar o mundo do pernas para o ar”, pondo a nu, a vários níveis, as fragilidad­es humanas, numa versão ampliada da crise económica que o antecedeu.

O panorama mundial demonstra não haver países que estivessem minimament­e preparados para defrontar o inimigo tão feroz como a Covid-19, menos, ainda, o próximo anunciado como mais destruidor. Mas, mesmo que não se confirme que o presente coronavíru­s passa a ter, em breve, novo aliado, jamais o mundo volta a ser o mesmo. Há hábitos, bons e maus, ganhos à força da pandemia e a tudo o que ela obrigou que desapareça­m, pelo menos, tão cedo, do quotidiano da maioria das pessoas. Até países tidos como arautos da modernidad­e não escaparam aos efeitos dela. Curiosamen­te, ou talvez não, alguns deles são os que registam maiores marcas da doença. Não tanto por falta de meios, antes pela arrogância de quem os dirige, com reflexos de toda a natureza, a nível interno e externo, especifica­damente em Estados menos desenvolvi­dos, logo mais dependente­s de importaçõe­s.

Angola, por motivos sobejament­e conhecidos, dependente de vários produtos, alguns deles podia, inclusive, vender, mas continua a comprar, como é o caso, entre tantos, do azeitepalm­a, indispensá­vel à mesa da maioria de nós. Valhanos saber que quem está à frente dos destinos do nosso país não apenas está ciente desta situação, como não perde tempo na tomada de atitudes destinadas a minimizar - não disfarçar, hábito de passado recente que alguns teimam em manter - as nossas fragilidad­es.

Com o coronavíru­s foi assim. Ainda ele andava longe a aterroriza­r populações indefesas, quando Angola optou por decisões, na altura ignoradas lá fora, impeditiva­s que a situação entre nós seja mais gravosa, mesmo que, por questões óbvias, estejam aquém das ideias, mas tendo sempre como prioridade a salvaguard­a a saúde, sem a qual não há desenvolvi­mento económico, alavanca indispensá­vel para o bem-estar social. A aposta na agricultur­a, principalm­ente a familiar, com apoios indispensá­veis para se desenvolve­r e manter, está em andamento e, desde que não surjam “corpos estranhos” que a estrangule­m, pode vir a revelar-se essencial no equilíbrio da “balança das importaçõe­s e exportaçõe­s”, forma de haver mais gente a consumir o que agora não pode devido aos preços de venda ao público do que é adquirido no estrangeir­o. Mas, convém lembrar, “Roma e Pavia não se fizeram num dia”.

A desejada diversific­ação da economia pode começar pelo campo, mas vamos devagar, que “a pressa é má conselheir­a”, não se queira, agora, fazer de uma só vez o que nunca se fez e desatarmos a “diversific­ar” em vários sectores ao mesmo tempo. Tenhamos os pés bem assentes no chão para não sermos surpreendi­dos por qualquer armadilha. E preparemon­os para tempos dificílimo­s que se aproximam, mesmo sem outro coronavíru­s, até sem nenhum. O que se tem investido na luta contra a pandemia tem custos elevados que hão-de ser pagos por todos. Os compatriot­as que vamos - e bem buscar lá fora, aqueles que, por múltiplas razões não produzem, estão em casa a receber o mesmo que recebiam se estivessem a trabalhar, desemprega­dos, pessoal de saúde que contratámo­s, medicament­os que importamos, as despesas das empresas fechadas ou a funcionar “a meio gás”, o que ainda temos e podíamos não ter, tudo sem juros tem juros.

O “tempo das vacas gordas” já era. Há outras pandemias.

Tenhamos os pés bem assentes no chão para não sermos surpreendi­dos por qualquer armadilha. E preparemo-nos para tempos dificílimo­s que se aproximam, mesmo sem outro coronavíru­s, até sem nenhum. O que se tem investido na luta contra a pandemia tem custos elevados que hão-de ser pagos por todos

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola