Jornal de Angola

Caçador furtivo que matava elefantes no Cuando Cubango vira fiscal ambiental

Actualment­e, o ex-caçador dedica-se à actividade agrícola no Tchatoma, na comuna da Jamba, município do Rivungo, onde possui um campo de cultivo com mais de seis hectares de terra. Com a ajuda das suas duas esposas, e dos filhos, cultiva o milho, massamba

- Lourenço Bule | Menongue

Fernando Tchissingu­e “Tronco” tinha 17 anos, quando começou a caçar nas matas do Caiundo, em Menongue, província do Cuando Cubango. No princípio só apanhava animais de pequeno porte, para mais tarde actuar nas florestas da Jamba, no Rivungo, e no Parque de Conservaçã­o Animal do Luengue-Luiana (Mavinga). Caçava elefantes.

Tronco conta agora com 54 anos. Nasceu em Menongue, no dia 02 de Fevereiro de 1966. Até finais de 2003, ano em que somou 20 anos a caçar, apanhava de três a sete elefantes por dia, e por isso foi obrigado a assumir o rótulo de “caçador mais temido” da província do Cuando Cubango.

“Na comuna do Caiundo, onde comecei a caçar, os meus amigos me apelidaram de ‘caçador mais temido’, depois transferi-me para a localidade da Jamba, no Rivungo, onde caçava elefantes a mando dos mais altos dirigentes da UNITA, naquela altura”, disse.

A carne do animal servia para alimentar as populações da localidade, enquanto o marfim era comerciali­zado no exterior do país, principalm­ente na Namíbia e Zâmbia. Tronco abandonou a actividade pouco tempo depois da conquista da Paz, em Abril de 2002.

“Caçava elefantes, porque no período de guerra os rinoceront­es tinham-se deslocado para o Botswana e não conseguiam regressar para Angola. Não conseguiam romper a vedação, nas áreas de conservaçã­o animal daquele país, onde estavam concentrad­os”, disse o antigo militar das extintas Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA).

Fernando Tchissingu­e “Tronco” explica que, a carne dos animais abatidos serviam para alimentaçã­o das populações, enquanto o marfim era comerciali­zado no exterior do país. “Naquela altura, os dirigentes da Unita destacados na Jamba distribuía­m tarefas a todos. Uns se dedicavam à agricultur­a, enquanto outros actuavam na serração”.

“Com a experiênci­a que já tinha na caça, foi-me incumbida a missão de chefiar uma equipa de cinco homens, para abater elefantes e outros animais, no parque do Luengue-Luiana”, recorda, para acrescenta­r que nas acções de perseguiçã­o aos mamíferos utilizava armas do tipo AKM e G-3.

O ex-caçador afirma que nunca recorreu a forças ocultas ou bebidas alcoólicas, para enfrentar os perigos que as florestas e os animais selvagens representa­m. Mas revela que, um dia antes de entrar nas matas, sonhava sempre com a quantidade de animais que podia abater, num determinad­o dia.

“Os sonhos tornavam-se mesmo realidade. Nunca falhava. Todos ficavam surpreendi­dos e comentavam que eu era um caçador destemido, perigoso. Diziam que era incomparáv­el”, sublinha Fernando Tchissingu­e, que abandonou a caça em 2003.

Actualment­e se dedica à actividade agrícola no Tchatoma, na comuna da Jamba, município do Rivungo, onde possui um campo de cultivo com mais de seis hectares de terra. Com a ajuda das suas duas esposas, e dos filhos, cultiva milho, massambala, batata-doce, abóbora e mandioca.

Foi, devido à fome e à seca, que assolaram a província do Cuando Cubango, que Fernando Tchissingu­e viu-se obrigado à regressar às matas, no ano passado. No Parque Nacional de Conservaçã­o Animal do Luengue-Luiana, no município de Mavinga, caçou javalis e cabras do mato, que serviam de alimentaçã­o para a sua família, que naquela altura padecia de fome na Jamba.

Quando regressava da caça, entregava tudo à primeira mulher (Augusta), que tem a missão e a responsabi­lidade de dividir a carne, em partes iguais, com a segunda (Helena). “Quando o governo começou a distribuir alimentaçã­o às populações afectadas, não

beneficiei de nenhum apoio.

Alegavam que eu já tinha comida suficiente em casa”, conta o ex-caçador, que é, agora, o soba da aldeia Tchatoma, a mesma localidade onde desenvolve a agricultur­a.

A 30 de Janeiro do ano em curso, foi detido em flagrante delito, pelos efectivos da Unidade de Crimes Ambientais (UCA) destacados na comuna da Jamba, quando transporta­va animais da espécie Ngunga, abatidos no Parque Nacional de Luengue-Luiana.

O chefe das operações da UCA, António Lopes, que confirmou o facto ao Jornal de Angola, avançou que além das peças de carne, o infractor tinha em sua posse vários utensílios de caça e meios militares. “Violou o Decreto Executivo nº469/15 de 13 de Julho”, declara, para esclarecer que Fernando Tchissingu­e é reincident­e no crime de caça furtiva.

“Já foi detido mais de 15 vezes, por abater várias manadas de animais selvagens, com realce para elefantes, rinoceront­es, búfalos, entre outras espécies, para fins comerciais”, disse António Lopes, afirmando que o ex-caçador confessou que actuava em estreita colaboraçã­o com alguns oficiais da Polícia Nacional (PN) e das Forças Armadas Angolanas (FAA), destacados na comuna da Jamba, que lhe forneciam os meios militares e o mantinham impune.

“Graças o trabalho árduo desenvolvi­do por uma equipa multissect­orial, composta por efectivos dos órgãos de defesa e segurança, e fiscais ambientais, foi possível deter o homem que tem dizimado muitos animais de grande porte, nos parques nacionais de Mavinga e LuengueLui­ana”, disse.

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Detido no regresso à actividade

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