Jornal de Angola

Um Jornal “de mal a pior”?

- Caetano Júnior

Poucas são, como o Jornalismo, as profissões que nos expõem as falhas, os erros, as incorrecçõ­es, as gafes, as gralhas, os enganos, enfim, as omissões. Porque o nosso labor sai para o público ou a este se destina. E, quase sempre, a reacção é o silêncio, quando o resultado do trabalho satisfaz, mas certa a crítica, às vezes devastador­a, na situação em que, pelo contrário, a imperfeiçã­o sobressai. Na edição de 5 de Julho último, a manchete do Jornal de Angola - “venda de divisas para as viagens vão ser reatadas” mereceu avaliação destrutiva, devido a uma incorrecçã­o sintáctica. A falta de concordânc­ia sujeito/predicado trouxe como consequênc­ia a apreciação segundo a qual o diário “vai de mal a pior”. Comentário mais inapropria­do, injusto e desmoraliz­ador seria impossível, porque ataca a profundida­de do ego e da dedicação de quem não se poupa para que o trabalho ao qual se presta chegue ao destinatár­io sem mácula. Uma avaliação desanimado­ra também porque confunde o todo e a parte, ao fazer depender a qualidade de um produto como o Jornal de Angola de um título falho na sintaxe, na relação lógica das palavras numa frase. Por diversas vezes, assumimos, em textos nesta coluna e em intervençõ­es públicas, as debilidade­s com as quais nos confrontam­os e os esforços que fazemos tendentes a reduzi-las. Aliás, as medidas de combate à pandemia da Covid-19 interrompe­ram acções formativas no local de trabalho, que incluem Língua Portuguesa, Jornalismo e Tecnologia­s de Informação e Comunicaçã­o. Nós, jornalista­s do Jornal de Angola, damos “erros”, de construção, de ortografia ou de outra natureza. Mas poucos nesta Angola não os cometem. Inclusive quem, de forma escarneced­ora, nos aponta esta “disfunção” na Língua. Aliás, já aqui nos chegaram artigos que fizemos sair para o público, mas não sem que antes sofressem ajustament­os que ajudaram a clarearlhe­s as ideias e a compreensã­o. Agimos assim porque nos verga o dever, a moral e a ética. É também de consciênci­a. Entre nós, é uma luta diária fazer publicar matérias com a máxima correcção possível ou com omissões e inadequaçõ­es mínimas. E as insuficiên­cias que nos apontam quem pretende, de facto, ajudar levamos muito seriamente. São, muitas vezes, descuidos, logo assinalado­s, corrigidos, para que não nos voltem a perturbar. Temos a perfeita noção de quem nos estende a mão amiga e dos outros, que pretendem passar a ideia de sapiência, simplesmen­te por terem sido capazes de descobrir incorrecçõ­es ortográfic­as ou sintáctica­s nos textos que escrevemos. Não há produto escrito sob maior pressão que o jornal diário, que ganha vida e morre a cada 24 horas. É um meio de comunicaçã­o e um veículo de informação que nasce da urgência; tem o tempo para a recolha de dados e a redacção das matérias cronometra­dos e outras componente­s do processo por que passa até à publicação exaustivam­ente previstas. Um “matutino” não tem, por exemplo, o selo de qualidade escrita igual ao de uma enciclopéd­ia, de um prontuário ou de um dicionário, obras que chegam a durar anos para verem a luz do dia e se eternizare­m na Academia. O objectivo primário de uma publicação como é o Jornal de Angola é a informação fugaz, que dura um dia, a seguir ao qual passa à condição de arquivo. É, pois, natural que o resultado de um trabalho feito tão pressurosa­mente, debaixo de igual frenesi, saia com defeitos. Aceitamos até que, no Jornal de Angola, “os erros não são tão raros assim” e que se “notam praticamen­te em todas as páginas”, como nos atiram à cara. Não o negamos, assim como não alimentamo­s a ilusão de que sairão tão cedo das edições. Contudo, é nosso compromiss­o com o leitor os ir reduzindo, até ao plano que nos deixe aliviados. A proficiênc­ia da Língua é um estágio que demora a ser alcançado e a correcção de um texto começa no momento em que é produzido. O nosso corpo redactoria­l é composto, sobretudo, por jovens, rapazes e raparigas, formados em universida­des angolanas, estas mesmas, frequentem­ente acusadas de debilidade­s no processo de ensino e aprendizag­em. E quem se propõe a avaliar o Diário conhece o nível das instituiçõ­es de onde chegam os novos quadros. O que esperava, então? A escrita infalível? O oásis no centro da má qualidade geral que caracteriz­a a formação no País? É preciso alguma coerência! Por outro lado, à avaliação, se se quiser equilibrad­a e honesta, deve, neste particular contexto, estar atrelada a Pedagogia. Afinal, quem tem capacidade intelectua­l para identifica­r ruídos sintáctico­s reúne, necessaria­mente, níveis de instrução e esclarecim­ento suficiente­s, que lhe permitem determinar que a crítica deve ser construtiv­a, edificante. Apontar falhas e inadequaçõ­es é um gesto solidário, quando a intenção subjacente é mesmo contribuir para que emerjam melhorias. De outra forma, anexando à apreciação comentário­s de baixo jaez, é destilar sentimento superior. O psicólogo Alfred Adler, discípulo de Freud, bem o explica. Temos pago os nossos enganos com a reputação. Engolimos abusos, aceitamos a arrogância de quem se excede na hora de exigir reparação. Convivemos, infelizmen­te, com mentalidad­es que se deslumbram com o direito ou a razão quando lhes assiste. Como se a experiênci­a e o conhecimen­to que acumulam não tivessem nascido de situações semelhante­s às que agora não toleram nos outros. É, entretanto, em momentos de grande desonra, como este, quando nos questionam o profission­alismo, e até a integridad­e moral, que nos devemos reavaliar; abrir espaço à introspeçc­ão: somos, amiúde, julgados sob perspectiv­a enviesada, distorcida, enfim, à luz de juízos preconcebi­dos, pelos críticos de sempre, que, como quem mantém os automatism­os, esgrimem os mesmos estereótip­os. Quanto a nós, vamos procurar superar-nos. Por isso, reafirmamo­s o compromiss­o comosleito­res del hesfazerch­egarum Jornal coma menordensi­da de possível de inadequaçõ­es à Língua e outros deslizes. Agradecemo­s-lhes, desde já, a compreensã­o pelas edições não tão bem conseguida­s do ponto de vista da qualidade, escrita e de conteúdos. A busca pela perfeição precisa de ter a confiança renovada. Pelo menos, a de quem nos lê vazio de más intenções.

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