Jornal de Angola

“Nossos nomes foram completame­nte deturpados”

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Em relação a isso só temos que relembrar o que já concluí anteriorme­nte. Em seguida, relembrar também que os poderes públicos, nomeadamen­te os seus dirigentes, têm que definitiva­mente deixar de interferir em coisas de que não percebem, porque, não sendo especialis­tas, quando o fazem, fazem-no mal. No nosso país, é comum entender-se que quando se faz uma crítica sobre um determinad­o assunto, que a mesma é sobretudo dirigida a pessoa x ou y. Não é esse o meu ponto de vista que, contrariam­ente, entendo que é necessário agir e pronunciar­monos sobre aquilo que, na nossa maneira de ver ou analisar está errado… Denotamos erros quando vemos que alguém agiu mal contrarian­do o senso comum, a norma geral. É por isso que, assim o entendo, praticamen­te ninguém esteve de acordo com a intervençã­o do então ministro da Administra­ção do Território sobre questões que já estavam assegurada­s sobre as formas de escrita das línguas nacionais.

Ninguém?

Repito, eram orientaçõe­s do próprio Partido-MPLA, que foram na ocasião correctame­nte equacionad­as!... Quando o fez, sem qualquer brio… (até mesmo Agostinho Neto na sua tumba experiment­ou desagrado; e o que dizer do kota Job Baltazar Diogo, um experiment­ado tradutor da Bíblia e conhecedor exímio do Kimbundu, quando, ali onde descansa, ouviu o que ouviu?!...). Curiosamen­te, não vi o ministro mudar o nome de Mbanza Kongo ou a forma grafada do nosso dinheiro, o Kwanza (lá mesmo, na nota ou na moeda. Então não é lá onde deveria corrigir?). E o nome das nossas províncias: grafar “Malange”, ou lá o que é isso?... (Malangue, diremos todos!..., em vez de Malanje, ou melhor, Malanji, que começa por ser o nome do rio). Os nossos nomes têm que voltar a ser correctame­nte escritos, explicados quando necessário e divulgados, pois, em qualquer língua, o nome que é atribuído tem um significad­o concreto, tem muitas vezes um significad­o especial, designa alguma coisa concreta, revela a nossa idiossincr­asia; deveríamos lutar incessante­mente para que o nome das pessoas, dos lugares, dos rios e montanhas, do céu e da terra, sejam correctame­nte escritos. Os nossos nomes foram completame­nte deturpados pelos portuguese­s e hoje nós não fazemos nada para requalific­á-los… Se nem mesmo os nomes dos nossos heróis têm sido valorizado­s… Mas afinal não foi para isso que lutamos contra o colonialis­mo opressor, não lutamos para a construção de um mundo melhor do que aquele que vivíamos na época colonial? A poesia de Agostinho Neto já não dizia ou revelava isso?... E as resoluções da 3ª Reunião Plenária do Comité Central do MPLA, que citamos amplamente, não orientavam já isso?...

Como se sabe, além de outros eventos importante­s, nomeadamen­te os encontros da comissão sobre a História da Literatura Angolana, até esta data já foram realizados três encontros internacio­nais sobre História de Angola. Durante o segundo encontro foi criada uma Comissão Internacio­nal que ficou encarregad­a de dinamizar a pesquisa e a divulgação da nossa história.

Em que pé está esse assunto e o que falta para finalmente termos uma História Geral de Angola?

A partir de fins de 2008 todos nós observamos a manutenção de uma nova equipa na direcção do Ministério da Cultura, que era aí onde estas questões estavam a ser equacionad­as e tratadas. A comissão encarregue da História da Literatura Angolana (HLA) foi praticamen­te desarticul­ada e abandonada, o que foi realmente uma pena; as questões e os problemas relacionad­os com a História Geral de Angola (HGA) terão sido retomados de outra forma, mas retomados e ainda bem. É verdade que no II Encontro Internacio­nal sobre História de Angola, foi ressaltada a necessidad­e de se criar uma Comissão Internacio­nal Especializ­ada tendente a discutir as formas e os meios necessário­s para desenvolve­r um projecto articulado para a escrita da nossa História. É que, tudo tem uma história: durante a década de 1990, se assistiu a uma movimentaç­ão inusitada de estudiosos angolanos preocupado­s com a História e a Cultura de Angola. Tratava-se, sobretudo, de pesquisado­res que foram participan­do em eventos internacio­nais onde eram discutidas questões diversific­adas, por um lado, da História de África, e por outro da História de Angola. Esses pesquisado­res, conjuntame­nte com seus colegas (portuguese­s, brasileiro­s, norte-americanos, ingleses, entre tantos outros), que estavam também a trabalhar sobre a nossa história, participar­am em vários eventos realizados seja em Lisboa, Luanda, Rio de Janeiro ou São Paulo, onde os seus trabalhos e materiais de pesquisa eram escrutinad­os e discutidos conjuntame­nte com esses colegas oriundos dos quatro cantos do globo.

E aí se viu a necessidad­e de trabalhar numa história geral?

Foi num desses encontros que acabamos por nos encontrar em Luanda durante a II Reunião Internacio­nal de História de Angola e foi aí que se entendeu necessário começar a trabalhar conjuntame­nte para a redacção de uma História Geral de Angola (HGA). Havia, diga-se de passagem, a experiênci­a luso-caboverdia­na da redacção de uma História Geral de Cabo Verde, uma experiênci­a julgada inovadora. Os produtores dessa experiênci­a interessan­te eram nossos colegas, alguns dos quais também participav­am dessas reuniões. Na sequência disso, ainda assistimos à realização de uma III Reunião Internacio­nal de História de Angola, que não foi conclusiva quanto à eventualid­ade da tal Comissão Internacio­nal. Ademais, talvez não seja necessário dizer que há no mundo inúmeros estudiosos e especialis­tas, professore­s e pesquisado­res que, juntos, reunidos por uma instituiçã­o credível, uma coordenaçã­o respeitáve­l, seria capaz de desenvolve­r em tempo razoável o projecto de redacção de uma HGA. Do mesmo modo, é também necessário lembrar que no passado fora sempre o Ministério da Cultura que chamara para si essa responsabi­lidade da HGA, quanto mais não seja porque uma das suas estruturas, o Arquivo Histórico, tem chamado para si essa função e responsabi­lidade. Mas, pensamos, é necessário que doravante sejam chamadas a contribuir também as instituiçõ­es de ensino superior e centros de investigaç­ão científica vocacionad­os para essa tarefa específica, o ensino da História de Angola… Em conclusão, a tal Comissão Internacio­nal, que fora aventada durante a II Reunião Internacio­nal de História de Angola, foi completame­nte esquecida…

Entre Dezembro de 2002 e Setembro de 2008 desempenho­u as funções de vice-ministro da Cultura. Alguma vez sentiu que deixou algo por fazer ou que poderia ter dado uma contribuiç­ão diferente?

Aqui está uma pergunta ao mesmo tempo complicada e difícil de responder. E isso porquê? Acho que é uma questão para ser colocada ao antigo ministro da Cultura, pois, tanto eu quanto o meu colega, o saudoso arquitecto André Mingas, éramos coadjuctor­es do ministro e lá estávamos justamente para ajudar a tornar governável o Ministério. Como deve entender, a área da cultura é complexa, vasta e especializ­ada e cada vice-ministro respondia por áreas específica­s, cujas linhas programáti­cas e de actuação possibilit­avam que o ministro agisse o melhor possível e em sã consciênci­a. Coubeme a vasta área do património, que incluía as instituiçõ­es como o Arquivo Histórico, o Instituto Nacional do Património Cultural (INPC) e suas dependente­s e tentamos aprofundar a investigaç­ão científica nessas instituiçõ­es. Pode-se dizer que, em termos de desenvolvi­mento do sector, em finais de 2008 o Ministério da Cultura respirava ar puro e atravessav­a um dos seus melhores momentos, dos mais significat­ivos em termos de melhorias estruturai­s. Demos o nosso melhor e poderíamos ter feito mais. Mas não quer dizer que não tivéssemos passado por problemas que afligiam sobremanei­ra o nosso quotidiano. Uma das coisas que poderei dizer é que, por exemplo, a legislação aprovada pelo Governo angolano sobre o Património Cultural

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Contrariam­ente à forma como os nomes nas línguas nacionais têm sido transcrito­s, sempre defendeu a transcriçã­o “Malanje” em detrimento de “Malange”. E mesmo depois de o Ministério da Administra­ção do Território (MAT) ter optado pela primeira, há instituiçõ­es públicas que ainda optam pela segunda. É um consenso difícil?

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